O truque de styling mais gozado dos anos 2000 está de volta — e afinal é mais do que uma trend
Das low-rise jeans à estética bimbo, as tendências mais questionáveis dos anos 2000 têm regressado gradualmente. Entre elas, o (controverso) truque de sobrepor um vestido sobre as calças está de volta e a conquistar as it-girls, mas desta vez com um twist cool, sofisticado e com mais possibilidades do que se imagina. Além disso, esta trend carrega uma história mais profunda: foi em tempos um símbolo revolucionário e político feminista.
Vestido sobre calças: moda dos anos 2000 regressa com toque moderno e ligações à história feminista
Foto: DR09 de setembro de 2025 às 17:54 Inês Costa / Com Maria Salgueiro
Eram os anos 2000. Anne Hathaway, Miley Cyrus, Lindsay Lohan, Britney Spears, Ashley Tisdale, Jessica Alba, entre outras teen celebs da altura, arriscaram e adotaram este truque de styling, umas vezes com ar arrojado, outras num registo mais desconstruído. Anos depois, olhando para trás, tornou-se alvo de piada, fazendo-nos pensar talvez “que combinações absurdas!”. Mas, como já se sabe, as trends nunca desaparecem para sempre e, vinte anos depois, esta combinação renasce com uma reinterpretação cool, sofisticada, moderna e chic. Perfeita para a transição de estação.
A moda dos anos 2000 regressa: vestidos sobre calças
Foto: DR
PUB
Foi a Gen Z quem recuperou a arte do layering, isto é, de sobrepor camadas, enquanto tendência macro. Inicialmente com overlay de cintos, tops por cima de t-shirts, e também as saias por cima das calças (que foram tendência no inverno passado) prepararam o terreno para o regresso da tendência que está atualmente a dominar o Instagram e o streetstyle. Com inspiração clara e direta no Y2K e no maximalismo dessa época, exploram este truque das sobreposições de forma experimental, como uma forma de se afastarem do minimalismo, uniformidade e monotonia que dominam várias das estéticas contemporâneas, e num exercício de afirmação de individualidade.
Revival Y2K: saias sobre calças afirmam individualidade e estilo
Foto: @_olhirst_
Do streetstyle para as passerelles, este revival seguiu a lógica da trickle-up theory, ou seja, quando uma estética nasce no streetstyle e é absorvida pelas grandes casas de luxo que a reinterpretam e estilizam, devolvendo-lhe credibilidade e mais estatuto. Neste caso, Bottega Veneta, Chloé, Proenza Schouler, Ferragamo, The Row, Boss, Jil Sander, Hermès e Louis Vuitton foram algumas das marcas que apresentaram as suas versões, legitimando a tendência e transformando-a num sinónimo de sofisticação; levando a que nomes como Zendaya, Emily Ratajkowski, Kylie e Kendal Jenner, Jennifer Lawrence ou Gigi Hadid adotassem o estilo com confiança em eventos recentes.
Gigi Hadid, Kendal Jenner, Jennifer Lawrence, Emily Ratajkowski, Zendaya e Sarah Jessica Parker
Foto: DR
Um ponto interessante das tendências trickle-up é que, pela sua origem, são inclusivas, democráticas e de grande acessibilidade, na medida em que não exigem novas compras. A chave destas trends é a criatividade (mas também o equilíbrio). É sobre a sobreposição de diferentes tecidos, texturas, cores, comprimentos e silhuetas. Calças de ganga, de alfaiataria, flare ou baggy; vestidos de cetim, algodão ou malha; contrastes de cores, padrões ou mesmo looks monocromáticos; mangas compridas ou decotes cai-cai, com tshirts por baixo ou casacos por cima; para eventos casuais, dia ou noite, para trabalhar no escritório ou até mais sporty. As possibilidades são imensas.
Foto: @nadine_alyana1 de 4 /Nadine Alyana
PUB
Foto: @thefrankieshop2 de 4 /thefrankieshop
Foto: @sapna_rao3 de 4
Sapna Rao
Foto: @by.regiina4 de 4 /Jessi Regina
PUB
Para além disto, mais do que circular, a moda é também uma excelente ferramenta para compreender a história, é política, narrativa e um agente de transformação social e cultural, segundo o sociólogo Dick Hebdige. E este é um exemplo disso mesmo. A combinação do dress-over-pants, hoje resgatado como mais uma trend de moda possivelmente efémera, afinal carrega um significado mais profundo: antes de um revival dos anos 2000, foi um símbolo político associado à luta sufragista e ao movimento pelos direitos das mulheres no século XIX, nomeadamente no Reino Unido e nos EUA; chamavam-lhes “bloomers” ou "Turkish pantaloons".
Se hoje é vista, de novo, como uma trend cool, no final do século XIX foi um gesto escandaloso, rebelde e profundamente revolucionário. O dress-over-pants surgiu como uma forma de ganhar mobilidade e reivindicar liberdade quando a bicicleta se tornou um meio de transporte comum e as mulheres conseguiram o privilégio de as poderem conduzir. Com isso tiveram de adaptar o vesturário que era, próprio da época vitoriana, bastante limitador e restritivo, com os corpetes apertados e os vestidos pesados, para algo mais prático. E, assim como o nome indica, tiraram influências de culturas de partes do Sul e Centro da Ásia, nomeadamente do Salwar Kameez, e de culturas nómadas como os cazaques na Mongólia. No Ocidente, esta combinação foi chocante na época, nomeadamente por misturar duas peças de roupa de géneros diferentes. Ainda assim, abriu caminho para uma revolução no vestuário feminino e consequentemente foi um gesto de emancipação feminina.
PUB
Evolução da moda feminina: do vestido simples à inovação, no século XIX
Foto: DR
A verdade é que Emma Watson, atriz, ativista e feminista, continuou a apostar no vestido sobre calças muito depois da febre dos anos 2000. Em 2012, 2014 e, mais recentemente, em 2021, surgiu em várias red carpets com este styling, sempre como um statement. Talvez ela já soubesse o que nós ainda não tínhamos percebido.
O regresso do vestido sobre calças: tendência dos anos 2000 com história feminista
Foto: DR
A moda é sempre reflexo do seu tempo social e politico. E se o revival desta combinação começou como um truque divertido de styling, talvez seja a forma como a geração Z reescreve a moda como afirmação de liberdade, experimentação e, acima de tudo, identidade.
Com um background em Teatro e Performance, Isamaya Ffrench utiliza a maquilhagem como uma ferramenta de transformação e crítica social. Provocadora e rebelde, as suas criações não seguem regras e são capazes de contar novas histórias.
A estética da fragilidade e do grunge regressou, agora alimentada também pelo recurso a fármacos de emagrecimento. Após vários anos de luta por inclusividade e representatividade nas passerelles, o plus size tornou-se presença simbólica, quase decorativa, restrita a uma ou duas modelos por desfile.
O fenómeno não se limita a uma tendência de moda; as aparências "simples" e minimalistas são um novo código social, onde a ausência de logótipos das casas de luxo representam um maior sinal de estatuto. Este contexto ajuda a perceber como é que uma t-shirt pode chegar aos €1500.