"Portugal tem um ecossistema brutal. Num raio de 60 quilómetros do Porto conseguimos produzir tudo"

A The Feeting Room nasceu em 2015. É retalho e é consultoria de moda, junta marcas com potencial, dá-lhes um rebranding quando é preciso, e põe-nas a voar. A quarta loja chegou ao Lx Factory. A Máxima falou com os fundadores.

Fundadores da The Feeting Room inauguram loja no LX Factory Foto: DR
25 de setembro de 2025 às 18:07 Maria Salgueiro

Conheceram-se no Porto quando ainda estavam a estudar no liceu, embora tenham "dois ou três anos" de diferença, de acordo com Edgar, ou possivelmente "um bocadinho mais", segundo o testemunho de Guilherme, o mais novo. Os olhares dos dois amigos cruzam-se, riem, cúmplices, do outro lado da mesa. Estamos sentados num café no Lx Factory, em Alcântara, onde acabaram de inaugurar o quarto espaço do projeto que começaram há 10 anos, em 2015. Fica do outro lado da rua, a nova loja da The Feeting Room, num dos ecossistemas mais vibrantes desta nova Lisboa, contemporânea, turística, em constante mudança.

Não é bem uma loja onde se vai com uma ideia, à procura de qualquer coisa específica. É suposto ser uma espécie de caça ao tesouro para os clientes que gostam de ser surpreendidos, garantem os sócios. E deixam claro que oferecer uma experiência de compra diferenciadora tem, para eles, uma importância absolutamente central. São 220 metros quadrados onde marcas portuguesas convivem com etiquetas internacionais cool, numa decoração clean que tem algo de escandinavo, de muito atual, está tudo lá, roupa, acessórios e produtos de lifestyle.

PUB

Coup d'État é a marca própria que Guilherme Pinto de Oliveira e Edgar Ferreira lançaram este ano, inserida no grupo que fundaram em 2014, a Darvvin Strategic Consulting, que inclui a The Feeting Room e a LOT, além de fazer consultoria para marcas de vestuário, calçado e restauração. Esta nova aventura no retalho - já são bastantes - embrulha toda a sua experiência, uma visão alargada do mercado, e devolve aos clientes uma marca de lifestyle que homenageia, em francês, o Golpe de Estado português de 1975. São sapatos e são toalhas de praia, vestuário e enlatados com ADN nacional, e um cravo vermelho no logo. Vem aí revolução?

The Feeting Room expande-se para Lisboa, no Lx Factory, com uma nova loja. Foto: DR

A The Feeting Room começou como uma consultora?

Edgar - A necessidade que vimos no mercado, tendo os dois um background na moda, estava afeta à portugalidade. Portugal tem uma grande capacidade produtiva, boa relação qualidade/preço nas indústrias do calçado e do têxtil, e, infelizmente, poucas marcas portuguesas. E as que temos tinham, sobretudo dantes, estratégias de distribuição mais mainstream. Era uma indústria muito grande que, basicamente, se focava em produzir para marcas internacionais. Ou seja, o valor acrescentado ficava todo do lado da marca. A nossa lógica inicial era servirmos como um parceiro para a otimização e evolução das marcas portuguesas. Principalmente, na lógica da capitalização do negócio, que, é feita pela margem de vendas. E queríamos dissociar Portugal de um local de produção pura e dura.

PUB

Guilherme - As pessoas que vinham ter connosco eram, maioritariamente, industriais de calçado, ou pessoas que estavam na indústria com algum capital, mas a quem faltavam as outras camadas. Diziam-nos: gostaria muito de lançar a minha marca. Nós desenvolvíamos o conceito, fazíamos tudo. Metíamos na loja a ver se funcionava. Se funcionasse, lindo, se não funcionasse, conseguíamos adaptar, recebendo inputs do cliente. E, a partir daí, melhorar o produto, o preço, as cores, ou o que achássemos que era preciso.

The Feeting Room expande-se para Lisboa, no Lx Factory, com uma seleção de vestuário e calçado. Foto: DR

Portanto, nos seus primórdios, a The Feeting Room era como um laboratório onde testavam um plano de marketing.

E - Ou a validade das marcas para as quais estávamos a trabalhar. Porque se fôssemos pela lógica normal da indústria, se calhar demoraríamos um ano para começar a tirar inputs válidos de uma série de investimentos. Tentámos encurtar esse esforço financeiro e esse timing.

PUB

G -  No entanto, rapidamente essa primeira pequena loja começou a estabelecer-se com grande sucesso.

 Porquê “Feeting” e não “Fitting”?

E - Há pessoas que se questionam porque é que nos chamamos The Feeting Room com dois “E” e um “T” e não com um “I” e dois “T”. Das 11 marcas portuguesas que tivemos no início, dez eram de calçado. Portanto, era um wordplay com feet e fitting. Isso não envelheceu da melhor maneira (risos). Porque tivemos de escalar a nível de produtos, de conceito e de países.

The Feeting Room expande-se de Porto para Lisboa, no Lx Factory Foto: DR

Hoje em dia não vendem só marcas portuguesas.

 G - Começámos a incluir mais marcas, incluindo marcas internacionais.

E - Continuamos valorizar o que é português. Se tivermos duas propostas de valor semelhantes e uma foi portuguesa e a outra não, vamos, obviamente, dar prioridade à marca portuguesa. No entanto, o nosso último objetivo é satisfazer a nossa obrigação para com o cliente. Portanto, se uma marca portuguesa não for capaz de suprir um gap no mercado, teremos de ir para a marca que melhor o faça, seja espanhola, alemã ou americana.

Que critério usam para escolher as marcas internacionais que estão na loja?

PUB

G - Fazemos pesquisa, análises de vendas das estações passadas, tentamos perceber quais são as lacunas do mercado. Temos algumas referências internacionais de players, estamos atentos ao que eles estão a fazer, às marcas que estão a ser criadas. E, felizmente, hoje em dia, especialmente em Portugal, as marcas que surgem acabam por contactar-nos. Então, temos o privilégio de saber tudo o que está a acontecer. Depois, é uma questão de escolhermos o que achamos que faz fit na nossa oferta ou não.

E - Há uma coisa que dizemos desde o início e acho que continua válido, que é: nós não queremos ter a big thing, queremos ter a next big thing.

The Feeting Room expande-se para Lisboa, no Lx Factory, com novas marcas e consultoria Foto: DR

Têm almas de empreendedores.

PUB

E - E de independência. E isso diz um bocado acerca do nosso posicionamento. Nós não somos um sítio onde há tudo o que as pessoas já conhecem, ou onde possam vir quando sentem que têm a necessidade de X. Fazemos o oposto. Vemos o retail como um espaço experimental, principalmente em Portugal, nesta altura, e nas localizações que temos. Gostamos sempre de dar um sentido de descoberta às pessoas. É quase um treasure hunt. Queremos dar uma experiência de consumo diferente para quem gosta de andar a descobrir marcas novas, artistas novos.

O que viram um no outro para decidirem que queriam fazer isto juntos?

E - Que bela pergunta!

G - Estou sempre a fazer essa pergunta a mim próprio (risos).

PUB

E - O Guilherme é uma pessoa bastante empreendedora.

G - Deixa-me gravar esta parte (risos).

E - O Guilherme é uma pessoa muito dinâmica, com conhecimento bastante profundo sobre a moda. É aquele tipo de parceiro que faz as coisas acontecerem. Sempre tivemos uma visão semelhante. Começámos a The Feeting Room como um side project, durante os primeiros seis meses. E depois tivemos de tomar uma decisão estrutural: afinal de contas, vai ser a nossa vida ou não vai ser a nossa vida? E acabámos por tomar essa decisão juntos. E só o fizemos porque temos uma visão partilhada do futuro.

G - Agora tenho de o elogiar também... O Edgar é fenomenal (risos). Sempre tivemos uma visão muito alinhada e continuamos a ter, apesar das divergências normais do dia-a-dia, a médio e longo prazo, temos a mesma visão. Tudo aquilo de que temos estado aqui a falar são coisas que estão connosco há 10 anos. Queremos apresentar a next big thing, queremos ter experiências de retalho diferenciadoras, acrescentar experiência, temos cafés e restaurantes nos nossos espaços. Aqui [no Lx Factory] vamos incluir também um café em breve. Ou seja, estamos sempre à procura de inovar. E o Edgar tem um sentido estético acima da média e uma grande capacidade de seleção de marcas, de compreender os conceitos e de identificar oportunidades. Acho que nos complementamos bem.

PUB

E - Também somos suportados por uma equipa muito forte e disponível. Conseguimos criar uma cultura interna bastante forte. Estamos muito satisfeitos com a equipa. É um ponto fulcral.

Loja The Feeting Room no Lx Factory com roupa e acessórios expostos. Foto: DR

Falem-me da vossa marca própria, Coup d’État?

E - A ideia é que possa ser um organismo vivo dentro da The Feeting Room.   

PUB

G - É uma ferramenta que nos permite potenciar ainda mais o retalho.

E - No fundo, nós não somos loucos ou obcecados pelas economias de escala, porque no retail, principalmente em Portugal, a experiência é mais importante do que isso. Portanto, acabamos por fazer o nosso investimento em conceitos que podem ser diferentes, que abrem portas e caminhos. E podemos usar as lojas para dinamizar a notoriedade da marca. Mais à frente, a Coup d’État pode vir a viver como marca própria, com lojas próprias.

Sentem que tudo aquilo que aprenderam com a experiência acumulada vos deu as bases certas?

G - Exatamente. Estou muito otimista em relação ao nosso país. Fazendo uma análise retrospetiva, acho que ainda não conseguimos fazer aquilo a que nos propusemos a nível de consultoria, que era criar marcas fortes portuguesas. Temos bons clientes, interessantes, mas acho que o ecossistema nacional ainda está um bocadinho no início. Se olharmos para Espanha, que é um país muito idêntico ao nosso - focado em produzir para marcas internacionais - nos últimos cinco, 10 anos, Espanha conseguiu criar uma panóplia brutal de marcas independentes. Portugal ainda não conseguiu, mas sinto que estamos quase a fazer isso.

PUB
Loja The Feeting Room expande-se para a Lx Factory, em Lisboa, com marcas novas. Foto: DR

Porquê?

G - Porque temos um ecossistema brutal. Num raio de 60 quilómetros do Porto conseguimos, em 3 meses, produzir tudo. A Copu d’État está em cross-category, como a loja. Achamos importante esta abordagem do lifestyle para que, quem gosta da marca, possa interagir com ela no máximo de momentos possível. Temos roupa, acessórios, toalhas de praia, baralhos de cartas, enlatados. A marca é muito [inspirada] na cultura portuguesa. Também achamos que ainda não houve ninguém no mercado que tivesse capacidade de capturar e de fazer um conceito interessante baseado no ADN português.

Então esse é o vosso conceito?

PUB

E - É, apesar de o nome ser francês. O nome é uma homenagem ao Golpe de Estado português de 1975.

Porque é que escolheram esse momento histórico?

G - Abrimos dia 25 de abril de 2015 a primeira loja e lançámos a Coup d'État no décimo aniversário, a 25 de abril de 2025.

Querem ser revolucionários?

PUB

 E - Sem parecer demasiado prepotente, só um bocadinho, estamos a tentar revolucionar de alguma forma o conceito do retail em Portugal.

G - O objetivo é que seja mesmo muito revivalista. Neste primeiro drop, o tema foi sardinhas, pescar, piqueniques. Daí termos os enlatados.

The Feeting Room expande-se para Lisboa, no Lx Factory Foto: DR

O que vos surpreendeu mais nestes 10 anos, no caminho que percorreram?

PUB

E - A pandemia. O nosso modelo de negócio foi desenhado para ser um modelo de parceria com as marcas, com relativamente pouco risco. Achávamos que estávamos protegidos das intempéries do mercado, ou mais protegidos do que os outros. Em 2020, pré-Covid, estávamos num processo de internacionalização do conceito, com a abertura do primeiro espaço fora de Portugal, e estávamos a ponderar Viena ou Berlim. 

 Mas isso nunca chegou a acontecer.

E - Nunca aconteceu, apesar de acharmos que o nosso conceito era bulletproof. Infelizmente, o Covid veio mudar um bocadinho os planos. Nestes 10 anos, foi o elemento que, para mim, mais rompeu a visão, ou a velocidade com que queríamos chegar a determinado sítio.

The Feeting Room expande-se para Lisboa, com foco na produção local Foto: DR

E uma coisa boa destes 10 anos?

G - Temos muitas marcas que estão connosco desde o primeiro momento, como a Sanjo, marcas portuguesas com quem temos relações próximas. Crescermos em conjunto é muito engraçado. Como fazemos consultoria, fazemos muitos eventos para os parceiros, vivemos uma alegria partilhada, conseguimos crescer em conjunto com as marcas.

E - E a nossa taxa de retenção de marcas é super elevada, comparando com a concorrência, o que valida o nosso modelo. Apesar de sermos um bocadinho disruptivos no conceito, a maior parte das marcas mantêm-se connosco, desde o momento em que entraram. Em muitos dos espaços temos também fila de espera para a entrada de novos parceiros. É o reconhecimento por parte deles de que, efetivamente, o nosso conceito funciona.

G - Neste mercado, é muito difícil conseguir manter pessoas a trabalhar em loja. Temos vindo a conseguir, o que também é muito importante, manter as equipas. É uma validação de que estamos a conseguir criar novas oportunidades dentro da nossa estrutura, estabilizar as equipas para que as pessoas cresçam connosco dentro da empresa, o que é sempre saudável.

PUB
leia também

40 anos, mil histórias. Madrid prova porque continua a ser capital de estilo

Na mais recente edição da Mercedes-Benz Madrid Fashion Week, que apresentou as coleções primavera/verão 2026, o passado e o futuro cruzaram-se em desfiles que transformaram a cidade num verdadeiro palco criativo. Entre nomes consagrados e novos talentos, ficou claro: a moda espanhola continua a ditar tendências, sem perder a sua identidade.

A Moda como uma ferramenta de impacto e provocação

De Vivienne Westwood e John Galliano a Carine Roitfeld, o episódio desta semana do Dicionário de Estilo procura perceber se, entre a insubmissão e o escândalo como expressão artística, o que pode ainda provocar choque e agitar consciências na moda.

PUB
PUB