Porque é que esta cor persegue os nossos espíritos fashion desde o início do século XVI? Cor da força, tom carregado de mistérios e rico em símbolos, ao mesmo tempo cerebral e carnal... Em suma, insuperável. A história do black power.
Descodificar a Moda - Black Power
08 de maio de 2013 às 06:00 Máxima
Será possível falarmos de moda, de história da moda, sem evocarmos o preto? Questão meramente retórica, que é necessário colocar pelo simples prazer de nos recordarmos até que ponto esta cor atravessou todas as épocas sem nunca sair de moda. “O preto é a cor do chique, da modernidade, da sobriedade, da intelectualidade, do luto, da sensualidade”, afirma Karen Van Godtsenhoven, curadora do MoMu, o Museu da Moda de Anvers. “Trata-se de uma postura estética que controla a autoridade, que devolve a ideia de poder, que afirma que queremos ser levados a sério.” Outrora, o preto impunha-se por uma razão puramente técnica. No século XVI, tingir os tecidos de preto era extremamente dispendioso e um luxo a que apenas as pessoas ricas se podiam permitir”, conta-nos Karen Van Godtsenhoven. “O preto tornou-se rapidamente um sinal exterior de status social.”
A modernidade está pintada de preto, impregnada da sua polissemia vertiginosa. O preto jogou sempre em todos os tabuleiros e resvalou para o centro dos detalhes mais opostos. Encontramo-lo no vestuário mais engomado dos aristocratas no hipódromo de Ascot no início do século XX, nos peitos guerreiros dos esquadrões de Mussolini (os “camisas negras”, de tão sinistra memória), nas mulheres elegantes de ontem e de hoje que permanecem fiéis a Coco Chanel e à sua incontornável petite robe noire, ou nos corredores dos liceus, onde os adeptos da moda gótica ainda causam estragos...
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O mito da petite robe noire
O preto domina em todo o lado. E qual a prova derradeira da força inexplicável dessa cor que os cientistas definem como sendo a ausência de cor, a “não cor”? “Eu falaria principalmente de um certo nivelamento pelo preto. E, sem querer retirar quaisquer méritos a Chanel, é preciso dizer que a grande estilista não inventou a petite robe noire. Mademoiselle Chanel foi um génio do marketing, ela apropriou-se de uma peça de vestuário que muitas mulheres da sua época haviam já adotado e transformou-a num símbolo de elegância e de modernidade". De facto, no início dos anos 20 do século passado, no pós-Primeira Grande Guerra, muitas eram as mulheres que carregavam o luto de um pai, de um marido ou de um irmão. De tal forma que os vestidos pretos se tornam rapidamente uma peça de roupa do quotidiano. Numa linguagem mais contemporânea, podemos dizer que Mademoiselle Chanel se inspirou no estilo das ruas e o reinterpretou. Chanel, “a mulher emancipada e moderna, deu o chique ao vestido preto. E é o seu estilo que as jovens mulheres querem copiar”.
Em seguida, o preto impôs-se nos espíritos, transportado por estrelas lendárias cuja allure se tornou icónica. Em primeiro lugar, surge-nos Audrey Hepburn e a sua petite robe noire em Boneca de Luxo (Breakfast at Tifanny’s). É essa classe algo louca da atriz norte-americana ou o chique radical do vestido com a assinatura de Hubert de Givenchy que entrou no nosso imaginário modificando para sempre o nosso gosto? Ambos, seguramente.
Nos anos 50 do século XX, o preto perde um pouco do seu estatuto de “moda” e ganha em seriedade. É a bandeira dos beatniks de Nova Iorque e de São Francisco, assim como dos aspirantes existencialistas de Saint-Germain-des-Prés, em França. “Remete-nos sempre para o seu peso intelectual e cerebral e para a sua ambiguidade contraditória: é a cor do poder, mas, simultaneamente, a do contrapoder", explica-nos a curadora Karen Van Godtsenhoven.
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Um código simbólico e elitista
A partir dos anos 1960, um turbilhão cromático abate-se sobre a moda. Com movimentos como o Swinging London, o psicadelismo rock, o Flower Power contestatário, este período que vê surgir todas as cores guarda uma exceção, o escandaloso e sublimíssimo smoking de Yves Saint Laurent criado em 1966. Será necessário esperar por meados dos anos 70 para ver reaparecer o preto à margem dos movimentos underground, com os punks, os neorromânticos e os grupos New Wave. Atualmente, são os muito contemporâneos Hedi Slimane, Riccardo Tisci e Gareth Pugh que revisitam essa nostalgia de um “rock preto”, ajustando-o à nossa época e às suas sensibilidades tão particulares.
E como não mencionar a vaga japonesa ao evocarmos o preto? Nos anos 1980, mesmo no centro da explosão do fluorescente, assistimos a um verdadeiro choque estético: Rei Kawakubo e Yohji Yamamoto apresentam coleções inteiramente pretas. “Os criadores japoneses pareciam dizer-nos que a cor era uma distração, que era tempo de regressar à essência da estrutura e das linhas de uma peça. Eu penso que, para eles, é a reivindicação de uma nova forma de despojamento e de amor pela roupa.” A mensagem é tão radical que seduz imediatamente uma clientela que procura, na moda, o conteúdo mais do que a forma. Subitamente, arquitetos, designers, críticos de arte e jornalistas de moda começam a vestir-se religiosamente de preto, quais ministros chiques de uma nova ordem. “Trata-se de demonstrar que não são frívolos e que partilham uma estética. Não por acaso, essas pessoas exercem profissões com uma forte conotação artística”, lembra a curadora. “Há também, como sempre, o desejo de demonstrar a sua posição de poder, tal como no século XVI.” Sinais dos tempos, quando, na última semana da moda primavera-verão 2013, o incontornável preto estava presente nas coleções de todos os grandes criadores, num equilíbrio com as cores mais estivais. Para lá dos must da estação, o negro mantém-se, para todas as mulheres, um valor seguro, uma cor chique, que favorece e que é fácil de usar. Ou quase... “Pois é uma cor que não perdoa. Se a peça de roupa não for de boa qualidade ou de boa construção, notamo-lo imediatamente”, avisa Karen Van Godtsenhoven. “Eis a razão pela qual o preto permanece uma cor elitista.”
Fotografia: Laurent Humbert/Madame Figaro e Getty Images