Inspiração para o regresso às aulas: como educar à grande e à dinamarquesa
Uma britânica e uma norte-americana, em boa idade de ter filhos, dão por si na Dinamarca, rodeadas de crianças felizes, bem-comportadas, autónomas e que têm prazer em ajudar os pais. Que magia é esta? Elas foram descobrir e cada uma escreveu um livro, para que todos os pais possam pô-la em prática.
Livros ensinam pais a educar crianças à maneira dinamarquesa
Foto: Unsplash16 de setembro de 2025 às 17:13 Madalena Haderer
Comprar um machado de rachar lenha para uma criança pequena, em Portugal, dava direito a receber uma visita da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens. Na Dinamarca, para espanto da britânica Helen Russell, autora de Como Educar um Viking, é perfeitamente normal. Já a norte-americana Jessica Joelle Alexander, que escreveu o recém-lançado Educar à Maneira Dinamarquesa, não fazia grande questão de ter filhos até que foi à Dinamarca e viu crianças “tão serenas, contentes, respeitadoras e bem comportadas”, que começou a ver a maternidade com outros olhos. A Dinamarca, a par dos seus vizinhos nórdicos e dos Países Baixos, está sempre no topo do index dos países mais felizes, de acordo com o World Happiness Report. E, como ambas as autoras concluíram, adultos felizes criam crianças felizes, que vão crescer e tornar-se adultos felizes e educar mais crianças felizes.
Criança carrega lenha, inspirada na educação dinamarquesa, focada em autonomia e felicidade infantil
Foto: pexels
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Se a azáfama do regresso às aulas a está a deixar com os nervos em franja, é provável que já tenha suspeitado que tem de haver uma forma mais fácil de abordar o início do ano letivo. E tem razão, há, de facto. Não apenas o início, mas toda a escolaridade, bem como o ato de criar uma criança, desde o seu nascimento até à idade adulta. Basta seguir o exemplo dos dinamarqueses. Nos países nórdicos, em geral, e na Dinamarca, em particular, educar uma criança é encarado com leveza e descontração. Não há gritaria nem ultimatos, palmadas, muito menos. Há, isso sim, um grande foco no tempo de brincadeira e em ajudar as crianças a desenvolverem competências físicas e sociais muito antes de as ensinar a ler e a escrever – preocupação que só surge a partir dos oito anos. O resultado é uma vida familiar tranquila, com crianças mais felizes, confiantes e independentes.
Tanto Helen, uma jornalista britânica, como Jessica, uma especialista em parentalidade norte-americana, deram por si, desavisadamente, a educar as suas crianças na Dinamarca. E o que lá era tido como normal punha os cabelos em pé dos familiares de cada uma nos países de origem. Mas valia a pena arriscar. Porque, conforme Helen explica na introdução do seu livro: “Os países nórdicos estão regularmente no topo dos rankings da UNICEF em termos de felicidade, educação e igualdade. E as crianças dos países nórdicos têm geralmente as taxas mais elevadas de bem-estar a nível mundial.”
Foto: Simon Meyer1 de 2 /Helen Russell
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Foto: Daiva Gailiute2 de 2 /Jessica Joelle Alexander
Por cá, de acordo com o estudo Health Behaviour in School-Aged Children (Estudo sobre os Comportamentos de Saúde em Crianças em Idade Escolar), feito em colaboração com a Organização Mundial de Saúde e apresentado em 2022, crianças e jovens de 11, 13 e 15 anos, apresentam baixa satisfação com a vida e houve uma redução da perceção de felicidade face aos dados de 2018. Um cenário perturbador que foi exacerbado com a pandemia.
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Então, o que é que os pais dinamarqueses fazem de diferente? Tudo. Para começar, “as crianças brincam ao ar livre, as escolas não têm portões e os bebés são deixados a dormir a sesta na rua, dentro dos seus carrinhos”, conta a jornalista britânica, acrescentando que “79% confiam na maioria das pessoas”. Ou seja, “as crianças são ensinadas que o mundo é um lugar essencialmente bom”.
Helen Russell e o seu marido, também britânico, tiveram dois filhos na Dinamarca: um rapaz e um casal de gémeos. Sobre a fase da creche, a jornalista conta que as crianças pequenas e os seus cuidadores brincam ao ar livre durante todo o ano, apesar da chuva, do frio e do nevoeiro gelado. A ideia é deixá-las à solta, como pequenos selvagens. E, quando há conflitos, os educadores não correm para separar brigas. Ficam a observar, com as mãos atrás das costas, enquanto as crianças resolvem os seus próprios problemas. Às vezes, os miúdos são devolvidas aos pais com olhos negros, ou porque andaram à bulha ou porque foram contra uma árvore, mas isso é considerado um dia bom. Independentemente do quão amassados e cobertos de lama se apresentem, foi sempre um dia bom.
Um pai dinamarquês considera uma falha parental se o seu rebento chegar aos 18 anos sem ter partido um osso. Porquê? Porque a vida deve ser experimentada em toda a sua plenitude – trambolhões incluídos. Está a ver o típico “não faças isso, olha que tu cais”? Na Dinamarca, não passa pela cabeça de ninguém dizer isso aos filhos. Os dinamarqueses não acreditam em enrolar as crianças em plástico de bolhas.
Sobre a importância da natureza na educação, Helen diz ainda que “há muitos estudos que demonstram que passar tempo ao ar livre pode melhorar o bem-estar mental, reduzir o stress, ajudar na concentração e na cooperação e nivelar as diferenças entre as crianças com baixo e alto rendimento”. Também há menos conflitos quando os miúdos estão na natureza porque não têm de lutar por brinquedos e equipamentos – há paus, pedras e árvores para todos. E o contacto com o chão da floresta melhora a imunidade. É por todas estas razões que a Dinamarca está a apostar cada vez mais em jardins-de-infância florestais.
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Nas escolas dinamarquesas as crianças também aprendem a cozinhar. À data em que Helen Russell escreveu este livro, o seu filho mais velho tinha oito anos e participava, semanalmente, numa actividade chamada “Laboratório de Comida”, consequentemente, conseguia “preparar sozinho ovos mexidos e papas de aveia”. A autora refere ainda que é comum, por volta dos nove ou dez anos, as crianças cozinharem uma vez por semana para toda a família. Além de isso constituir uma muito bem-vinda folga para os pais, Helen sublinha ainda que “um estudo britânico concluiu que envolver as crianças na cozinha pode ajudar a encorajar hábitos alimentares mais saudáveis”. Os dinamarqueses dão prioridade às refeições em família e nunca comem à frente da televisão.
Já sobre o bullying, uma preocupação constante para a maioria dos pais, a autora de Como Educar um Viking conta o seguinte: “Os dinamarqueses têm um programa, fri for mobberi ou ‘livre de bullying’ para crianças até aos nove anos, liderado por um urso roxo que ensina tolerância, respeito, cuidado e coragem. As crianças aprendem a defender-se e a falar quando vêem alguém a passar os limites. Desde o nascimento, são ensinados a cuidar e a ser um aliado.”
Este ambiente de tolerância e respeito impera também no seio das famílias, onde as crianças são vistas e tratadas como iguais, como membros da equipa, que têm direito a fazer escolhas e a tomar decisões. “Liberdade com responsabilidade” é um princípio orientador da parentalidade. Os pais dinamarqueses não repreendem os filhos nem levantam a voz – conversam. Estão sempre a dialogar com eles. A ideia vigente é que as crianças são essencialmente boas e têm prazer em colaborar com os pais e com os adultos de quem gostam. Se há uma birra, os pais partem do princípio que algo de errado se passa e que a criança está cansada, com fome, aborrecida ou preocupada. E tentam chegar ao cerne da questão, sem discussões.
Nos raros casos em que a criança diz que não quer ir à escola, simplesmente não vai. Ninguém se zanga e amanhã é outro dia. Acima de tudo, há um esforço para compreender o que a criança sente e também para a ajudar a compreender o que ela própria está a sentir, de maneira que aprenda a gerir as suas emoções. Todas as emoções são aceitáveis, mas nem todos os comportamentos são aceitáveis.
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Por outro lado, pais e professores dinamarqueses não elogiam as crianças em demasia. “A recompensa está no acto de fazer, não nos elogios”, esclarece Helen. Uma terapeuta familiar explicou à autora que o melhor é “ensinar as crianças a avaliar as coisas por si próprias, caso contrário, passarão a vida em busca de validação externa”. E continua: “Queremos educar as crianças para que tenham uma voz interior forte e um sentido de si próprias.” Helen acrescenta ainda que os dinamarqueses substituem o elogio pelo interesse. “Ouço muito ‘como é que fizeste isso?’ ou ‘conta-me mais…’ ou ‘vejo que tens aí…”, diz a jornalista.
Na Dinamarca, brincadeira é um assunto sério. Enquanto noutros países europeus as crianças têm o horário cheio de actividades extra-curriculares, os dinamarqueses vêem o tempo livre como essencial. Nenhuma oportunidade de brincadeira – em casa, na escola ou ao ar livre – é desperdiçada. E é imprescindível, para o desenvolvimento cognitivo e emocional, que os pais brinquem com os filhos. Não basta brincar com os amigos ou com os irmãos. A brincadeira cria laços entre pais e filhos. Dá para perceber que não é por acaso que a Lego é oriunda da Dinamarca.
Guia prático para educar crianças confiantes à maneira dinamarquesa
Foto: dr
Também Jessica Joelle Alexander, autora de Educar à Maneira Dinamarquesa, dá enorme destaque à brincadeira, sublinhado que na sociedade daquele país “brincar é visto como a actividade mais importante que uma criança pode realizar”. Este livro, escrito em colaboração com a terapeuta familiar dinamarquesa Camilla Semlov Andersson, é uma sequela de Pais à Maneira Dinamarquesa e pretende ser um guia completo que descreve este modelo parental, oferecendo informações sobre a forma como os dinamarqueses conseguem que os seus filhos façam tarefas, cozinhem em conjunto, se adaptem às rotinas da hora de deitar e muito mais. Consiste num plano estratégico, com táticas adaptadas a todas as idades, que pode pôr em marcha no seio da sua família, para tentar injectar alguma desta filosofia nórdica na educação dos seus petizes.
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Para melhor cumprir a função de guia, a autora de Educar à Maneira Dinamarquesadesenvolveu o modelo PARENT, em que cada letra tem um significado: “P” de play, ou brincar; “A” de autenticidade; “R” de “reenquadramento; “E” de empatia; “N” de nada de ultimatos; e “T” de tempo juntos e hygge.
Sobre o valor da brincadeira já estamos amplamente esclarecidos, mas vale a pena percorrer as outras letras do modelo de parentalidade desenvolvido pela autora. Com a inclusão da palavra “autenticidade”, Jessica quer chamar a atenção para o facto de os dinamarqueses serem “extremamente honestos com os seus filhos sobre todos os aspetos da vida”. Acrescentando que isso inclui “falar sobre todos os assuntos de uma forma franca e adequada à idade”. De acordo com a autora, “as crianças não precisam de pais perfeitos, precisam de pais emocionalmente honestos”.
Já quando fala de reenquadramento, o que está em questão é “encontrar pormenores positivos numa situação que, de outra forma, seria negativa”. Jessica ressalva, porém, que reenquadrar “não significa usar óculos cor-de-rosa nem negar que a negatividade existe”. Trata-se, isso sim, de ter em consideração que “as palavras que usamos afectam a forma como nos sentimos” e de tentar direccionar a nossa atenção para as coisas boas.
Sobre a empatia, a especialista em parentalidade explica que a Dinamarca foi eleita um dos países mais empáticos do mundo e que para isso muito contribui o facto de, dos três aos 16 anos, a empatia ser ensinada nas escolas “com o objetivo de ajudar as crianças a compreenderem todas as emoções, a serem capazes de sentir o que os outros sentem e a procurarem o lado bom dos outros”.
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Com a letra “N”, em nada de ultimatos, Jessica chama atenção para uma coisa que também impressionou Helen: o facto de os dinamarqueses não repreenderem os filhos. Algo que a autora, naturalmente, considera que deve ser adotado por todos os pais, oferecendo dicas para que essa postura seja posta em prática. “Os dinamarqueses”, explica, “não querem que os seus filhos os temam de forma alguma”, acrescentando que estes se “vêem como um farol e não como guardas prisionais”. Ou seja, “enviam sinais claros e coerentes aos seus filhos para que estes possam aprender a navegar no seu percurso de vida”.
O modelo proposto por Jessica Joelle Alexander termina com uma nota de conforto e tranquilidade com a letra “T”, de tempo juntos e hygge – um termo dinamarquês que significa aconchego junto das pessoas de quem mais gostamos, com foco nos rituais, na proximidade e no sossego. Uma espécie de idílio doméstico. “Mas, mais do que isso,” diz, “trata-se de estarmos conscientes de que o tempo de aconchego [em família] é sagrado e de o tratarmos como tal”. Mais do que um espaço físico, “trata-se de criar um espaço psicológico para nós próprios e para a nossa família”.
Voltemos a atenção de novo para Helen Russell e para a sua descrição do sistema escolar. Todas as crianças dinamarquesas têm acesso a escolas públicas gratuitas desde os seis aos 16 anos (as creches também são gratuitas ou comparticipadas pelo Estado, em função dos níveis de rendimento). O objetivo do sistema educativo é “ensinar de acordo com os interesses das crianças e inspirá-las a aprender, em vez de as obrigar a isso”. Consequentemente, nos países nórdicos, os trabalhos de casa são mínimos e, na Dinamarca, só começam a ter mais destaque para os alunos a partir dos 15 ou 16 anos. Mas espere que há mais. Helen diz ainda que “o sistema escolar dinamarquês evita largamente as classificações e os testes formais até ao final da escola ginasial” ou seja, até os alunos terem 18 ou 19 anos. E conclui a questão das notas contando um caso de um amigo finlandês, cujos filhos tinham muito bons resultados na escola, por isso, naturalmente, os pais encorajaram-nos a fazer menos, porque não querem que eles se esforcem demasiado.
Se este relato lhe deu vontade de atirar o smartphone à parede, saiba que uma investigação da Universidade do Arizona concluiu que os pais que valorizavam a bondade e a ajuda mais do que as realizações e os feitos, têm filhos com menos sintomas de depressão ou de baixa autoestima. “Assim,” resume Helen, “as crianças dos países nórdicos brincam durante mais tempo, aprendem mais tarde, mas continuam a sair-se melhor do que as crianças dos EUA e do Reino Unido – e também são mais felizes”. O que também é verdade em comparação com as crianças portuguesas.
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Numa resenha que já vai longa, vale a pena ainda falar sobre um tema que, por cá, tem gerado muita polémica nos últimos meses: a educação sexual. Escusado será dizer que também isto os dinamarqueses fazem de maneira diferente. Russell explica que “a educação sexual é obrigatória na Dinamarca desde 1970 e as crianças a partir dos seis anos são ensinadas sobre os direitos que têm sobre o seu próprio corpo durante a ‘Semana do Sexo’ [...] Todos os anos há um tema, desde o consentimento à identidade e ‘o corpo perfeitamente imperfeito’”. A autora diz ainda que a pornografia também está incluída no currículo, e que o professor de sexologia da Universidade de Ålborg, Christian Graugaard, sugeriu que esta “deveria ser mostrada nas escolas como forma de ensinar aos adolescentes que este sexo não tem nada a ver com o sexo real”.
O que é certo é que “aos 13 anos,” resume Helen, “os dinamarqueses já abordaram tudo, desde os meandros da masturbação até aos direitos dos transgéneros, em discussões abertas e francas”.
"Como Educar um Viking" explora segredos dos países nórdicos para crianças felizes
Foto: dr
Como Educar um Viking é um relato muito bem investigado e fundamentado sobre a vida das crianças na Dinamarca, mas é também uma narrativa hilariante sobre viver e criar filhos num sítio estranho e que parece fazer tudo ao contrário do normal. Helen faz uma verdadeira radiografia da sociedade dinamarquesa – incluindo uma explicação muito completa sobre bancos de esperma (matéria-prima muito exportada porque parece que toda a gente quer um filho alto, espadaúdo, louro, intrépido e de olhos azuis) – tendo as crianças como foco, mas com o olhar muitíssimo divertido de uma inglesa que está sempre a ser apanhada desprevenida, sem perceber o que se passa à sua volta. Excelente exemplo é o episódio em que um dos seus filhos deslizou desenfreadamente no trenó, colina abaixo, indo parar ao meio da estrada, com carros a guinar para não lhe baterem e quase causando um aparatoso acidente. “O condutor de um Volvo”, conta, “apeou-se e perguntei-me se ele iria repreender o meu filho. Em vez disso, agachou-se, pôs-lhe a mão no ombro e deu-lhe um ‘dá cá mais cinco’ antes de se ir embora com um aceno de ‘boa viagem!’”
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Por comparação, Educar à Maneira Dinamarquesa, é um livro muito mais sério, metódico e prático. Quando Helen dá exemplos de coisas que se passaram com ela própria e com amigos seus, e as crianças de uns e de outros, a autora deste outro livro, Jessica Joelle Alexander, oferece listas, tabelas e formas concretas de pôr em prática a visão educativa dos dinamarqueses. Ambos são muitíssimo úteis, cada um à sua maneira.
Como Educar um Viking, foi publicado pela editora Alma dos Livros, enquanto Educar à Maneira Dinamarquesa é um livro da Arena, uma chancela da Penguin Random House. Custam ambos 17,51 euros e estão disponíveis nas livrarias do costume.
O início de um novo ano escolar é, muitas vezes, um momento de ansiedade e expetativa, tanto para os filhos, que enfrentam novas rotinas e desafios, como para os pais, que procuram oferecer apoio e equilíbrio nesta etapa. Inês Sottomayor, arquiteta do sonho e autora do livro "Aprender a Ser", reflete à Máxima sobre como esta transição pode ser vivida de forma mais serena e construtiva por todos.
Carolina Almeida, fundadora do maior site de alimentação infantil em Portugal, Comida de Bebé, conta à Máxima a experiência que viveu no âmbito laboral durante a sua licença de amamentação. O testemunho chega numa altura em que o governo está a propor uma alteração no Código de Trabalho que pode impactar os direitos das mães.
São as conclusões de uma investigação recente sobre a correlação entre o tempo de ecrã e os problemas emocionais no universo infanto-juvenil. Não basta restringir, é preciso oferecer apoio emocional.