Fátima Lopes: "Eu sempre criei para mim. E não sei fazer nada de que não goste"
Podíamos considerar que Fátima Lopes é uma num milhão, mas não há ninguém igual a ninguém. E muito menos a ela.

Sorridente, Fátima Lopes posa sob a câmara de Pedro Ferreira com uma tranquilidade e uma afabilidade que só podem ser qualidades adjacentes a alguém tão bem-sucedido como esta designer de moda e empresária o é. Lemos-lhe nos gestos frenéticos que não se permite parar: fala com ansiedade na coleção que está prestes a apresentar em Paris, cidade que acolheu o seu primeiro desfile internacional e onde fez história ao apresentar o primeiro biquíni em ouro e diamantes – no valor de um milhão de dólares.
Podíamos considerar que Fátima Lopes é uma num milhão, mas não há ninguém igual a ninguém. E muito menos a ela.

Nada fazia prever a saída de Fátima Lopes da cidade do Funchal, onde foi tão feliz da infância à idade adulta, para mudar o rumo da sua vida – no fim dos anos 80. Com 23 anos, rumou à capital. O certo é que a determinação desta designer e o facto de sonhar alto desde pequena a levaram a ser, entre outros feitos, a pioneira, em Portugal, na apresentação de uma coleção própria na semana da moda francesa, em Paris. Numa das vezes que abriu essa semana, fê-lo na Torre Eiffel (tendo sido das primeiras a fazê-lo). Ao longo da sua carreira como designer de moda abriu uma das primeiras lojas multimarca, a Versus, na Avenida de Roma, na nossa capital. Em 1992, fundou a sua própria marca e fez o seu primeiro desfile. Desde aí não há nada que não tenha feito, desde alta-joalharia ao equipamento da seleção nacional. Em 1998, num só prédio no Bairro Alto, criou a primeira loja-bar da Europa (onde também fez nascer a agência de modelos Face Models e onde abriu uma fábrica de produção, além da loja). Em 2006, recebeu o título de Comendadora da Ordem do Infante Dom Henrique pelas mãos do Presidente Jorge Sampaio. Celebra, a 26 de fevereiro, 20 anos de desfiles consecutivos no calendário oficial de Paris. É a única portuguesa a consegui-lo.
Quais são as melhores memórias da sua infância passada no Funchal?
Eu sou a pessoa que tem as melhores memórias de infância e de adolescência. Sou madeirense de coração. Só tenho boas memórias e guardei-as. Eu tive a sorte de nascer num meio muito pequeno com um grupo de amigos muito grande que se mantém, até hoje. Quando vou à Madeira fazemos sempre um encontro das "amigas da vida para a vida". Cresci num sítio que se chama Clube Naval, no Funchal, e as nossas brincadeiras eram feitas lá.

Quando é que começou a escolher as próprias roupas?
Tinha seis anos quando exigi que fizessem um combishort para mim para eu levar ao casamento da minha irmã mais velha. Convenci a minha mãe [que queria ter um] e fui ao casamento com a peça que eu quis levar! Não era uma questão eu dizer que não gostava disto ou daquilo, mas sempre que me compravam roupa ou calçado eu chorava porque não queria usá-los. Isto aos cinco anos… A minha mãe ainda diz que a única pessoa a quem tinha medo de comprar coisas era a mim porque chegava a casa e todos os meus irmãos gostavam… menos eu.
É assim que nasce o sonho da Moda?
Acho que nasceu comigo. Eu só queria brincar com bonecas e tudo o que tivesse a ver com roupa. Eu ia comprar os tecidos, tirava os moldes da [revista] Burda, transformava-os e tentava fazer à minha maneira. Depois, convencia a minha mãe a fazer as roupas comigo. Até hoje eu não sei costurar e nunca tive qualquer pretensão em saber costurar. Eu gostava era de inventar!
Trabalhou no sector do Turismo e começou a viajar. Como se dá a ida para Lisboa, em 1988?
A minha formação foi Turismo, onde trabalhei quatro anos. Quando comecei a viajar pelo mundo comecei a ter consciência do que havia no mundo da moda internacional. Naquela altura não havia muita informação sobre moda. Era pouca em Portugal e na Madeira muito menos. A partir do momento em que saio da ilha e começo a viajar percebo que havia um mundo. Quem nasce numa ilha tem uma forma diferente de estar. Ou temos uma vontade imensa ou as pessoas se acomodam e gostam de ficar onde estão. E quando se sai, percebe-se que o mundo está lá fora e é gigante e atingível. Os meus amigos não entenderam [a minha partida] e acharam que eu era maluca porque já tinha tudo e ia estragar tudo…
Sempre foi sonhadora?
Sim! Desde criança que eu sonhava com o mundo. Quando se nasce na Europa podemos conduzir um carro e atravessar o continente. Na Madeira, tem de se apanhar um avião. Eu tinha a noção de que queria sair e que queria descobrir o mundo. Nessa altura, tomei consciência que era diferente e que via o que os outros não viam. Eu via o meu sonho de moda, que nasceu comigo, a ser possível. Eu sou a prova viva de que não há impossíveis. Temos é de sonhar e trabalhar muito.
O que descobriu na Lisboa acabada de chegar aos anos 90?
Lisboa era o máximo quando eu cheguei, em 1988! Eu era uma frequentadora do Bairro Alto e Lisboa estava ao rubro. Vivi intensamente tudo e fiz tudo o que tinha de fazer (…). Não há nada que eu hoje diga: "Ai, que pena eu não ter feito!" Eu saía à noite todos os dias. O Bairro Alto era genial e eu divertia-me imenso.
Abriu uma primeira loja (hoje, chamamos-lhe concept store) em 1990 e lançou a sua marca em 1992. Como é que recorda esse momento e tudo o que o antecedeu?
Em 1990, abri uma loja multimarca na Avenida de Roma. Eu tinha sonhos e ideias, mas não percebia nada de moda, nem sabia como se construía uma coleção. Nessa altura comecei a viajar por Milão, Paris e Londres… Todos os meses eu estava numa destas cidades e essa foi a minha grande escola, o meu curso prático. Ia a feiras de moda internacionais e semanas de moda, onde recolhia inspiração e informação. Ao comprar, comecei a perceber como é que a vida real funcionava, como era o mundo da moda. Em 1992, nasce a Fátima Lopes como marca.
Foi a primeira portuguesa a estrear na Paris Fashion Week… Que momento mais a marcou?
Quando comecei eu era anónima. E, de repente, era uma portuguesa a arriscar a entrada nessa semana da moda e toda a gente dizia que isso seria impossível. Em março de 1999, fiz o meu primeiro desfile em Paris. Mas o desfile mais icónico foi um ano depois, o do biquíni [de ouro e de diamantes]. Foi o que me lançou, numa altura em que não havia redes sociais. O mundo falou do biquíni de diamantes… É o primeiro da história da moda e faz parte do Guinness do ano 2000. Outra coleção que adorei foi a do desfile no topo da Torre Eiffel.
Ao longo dos anos aprofundou uma silhueta sedutora e feminina. De onde vem essa inspiração?
Eu sempre criei para mim. E não sei fazer nada de que não goste. Faço uma coleção grande, completa e abrangente às várias situações do dia e da noite, mas o estilo é o meu e faço sempre para mim. Eu gosto muito de ser mulher e tenho um lado muito forte, porque sou mulher, mas depois tenho um lado muito feminino. É o misto entre a feminilidade do [meu signo] Peixes e a garra do [meu ascendente] Capricórnio. Na verdade, eu desenho para mim. O facto de eu ser esta mulher que gosta de ser mulher, de ser elegante e de ser sensual, espelha-se nas coleções. Nós devemos gostar de nós. Não há nada mais bonito que nos olharmos ao espelho e dizermos: "Eu gosto de mim."
É esse o conselho que daria a qualquer mulher?
Talvez seja esse o [meu] segredo: gostar de viver e tentar sempre ver o lado positivo. Numa altura em que se fala tanto de violência doméstica e que os números da nossa realidade são completamente assustadores e envergonham a nossa sociedade, está na altura de as mulheres exigirem aquilo a que verdadeiramente têm direito e que todo o ser humano tem: o respeito. Temos de dizer "Não" a qualquer forma de violência, seja ela física ou psicológica. Exigir não é uma palavra mencionada e não temos de pedir. Temos o direito de sermos felizes e respeitadas. Cada vez mais eu tenho à minha volta as pessoas que gostam de mim e que estão por bem. E quem está por bem é sempre bem-vindo.
Sentiu-se alguma vez discriminada no meio da moda, ao longo da sua carreira?
Eu vou responder desta maneira: nunca permiti que me discriminassem. É verdade que o mundo da moda é um mundo de criadores homens e que as mulheres são uma minoria no mundo internacional da moda. Eu nunca permiti ser discriminada, seja como designer de moda, seja como mulher ou seja como empresária. Está na altura de as pessoas mudarem a mentalidade. E a mentalidade de [que tem de existir] direitos iguais é urgente.
