O nosso website armazena cookies no seu equipamento que são utilizados para assegurar funcionalidades que lhe permitem uma melhor experiência de navegação e utilização. Ao prosseguir com a navegação está a consentir a sua utilização. Para saber mais sobre cookies ou para os desativar consulte a Politica de Cookies Medialivre

Máxima

Edição de Colecionador Comprar Epaper
Celebridades

Catarina Furtado: “Não podemos dizer que não há racismo em Portugal"

Dos 19 aos 53 anos, em qualquer uma das suas escolhas profissionais, Catarina esteve sempre exposta ao grande público. Como se alcança a liberdade com tão grande escrutínio? Da dança que sempre praticou às causas feministas que a agitam e a fazem estar mais perto das mulheres que a abordam diariamente — há os afetos, a família e as falhas que a fizeram avançar. Conversámos com Catarina Furtado, no meio de vinhedos a perder de vista, no Hotel Les Sources de Caudalie, em Bordéus.

Vestido em seda e sapatos em veludo, ambos Longchamp.
Vestido em seda e sapatos em veludo, ambos Longchamp. Foto: Ricardo Santos
17 de novembro de 2025 às 16:45 Tiago Manaia

Há um sorriso. De orelha a orelha, e logo sorriem os olhos também, como se todos os acontecimentos à sua volta fossem fonte de possível novidade. O olhar de Catarina Furtado reage ao desconhecido com um dinamismo catalisador. É diferente do comum dos mortais. Estamos no mais pequeno terminal do Aeroporto de Bordéus, chama-se Billi, tem máquinas prontas a fazer registos rápidos, apostando numa modernidade que dispensa lojas ou logótipos a promover a zona onde nos encontramos. Parece que aterrámos num grande armazém, nos arredores de uma qualquer cidade europeia. Não são todos idênticos? Só os motoristas de táxi nos vão lembrar de que estamos em França: com corpos fortes e rostos caractecrísticos, não falam outro idioma senão o deles. É assim que saudamos Catarina pela primeira vez, enquanto pratica palavras em francês, improvisa um diálogo com os chauffeurs. O timbre de voz e a gargalhada são identificáveis por qualquer pessoa que tenha uma relação com Portugal. Estatura alta e elegante. Quando está parada, em posição de descanso, posiciona um dos pés para o lado — é uma postura de quem fez ballet clássico durante muitos anos. Só a voltamos a ver no dia seguinte, de manhã cedo, quando se preparava .

Entre esculturas e vinhas - a fragilidade . No seu quarto de hotel, Catarina está embrulhada numa toalha de banho branca. Estamos a poucos quilómetros de Bordéus: o Les Sources de Caudalie, situado entre as vinhas do Château Zmith Haut Lafitte, tem contornos de refúgio. Os quartos estão divididos em vários edifícios de madeira — outrora talvez casas de apoio às vinhas — que agora escondem um spa e uma piscina. Criado pela família Cathiard (que fundou também os cosméticos Caudalie), o espaço celebra a vinothérapie e o diálogo entre natureza e cultura. Na noite anterior, Catarina diz ter visto a Via Láctea. Há dezenas de jasmins na varanda do quarto onde lhe é agora aplicada maquilhagem antes de ser fotografada. Diz-nos: "Conseguia ficar aqui isolada a escrever um livro." Nas mil e uma atividades que pôs em prática, já escreveu um conto para crianças, já escreveu sobre as suas experiências enquanto embaixadora da Boa Vontade da ONU e também abordou num livro os sobressaltos da adolescência.

Vestido em seda e sapatos em veludo, ambos Longchamp.
Polo em felpa, Lacoste; saia em pele, Gant; sapatos em pele, Longchamp Foto: Ricardo Santos

É precisamente um momento marcante no começo da sua vida adulta que pedimos a Catarina para nos relatar — quando se lesionou e teve de deixar de dançar. Cresceu no Bairro Alto, em Lisboa: “Vivia numa bolha de amor, cresci com um grupo de amigas que ainda hoje é o mesmo, somos cinco e nunca tivemos uma zanga, protegemo-nos umas às outras, cresci com imensa cultura à volta", diz-nos. De sua casa até ao Conservatório de Dança eram apenas dez minutos. Os pais decidiram inscrevê-la aos 9 anos para que vencesse a sua timidez esmagadora, isso marcou a  sua infância. Conta: "É sempre difícil dissociar aquilo que nasceu connosco do resto, o que até pode ser influência social, não é? Mas aquilo que a dança me deu, para mim, foi um barómetro de sensibilidade muito grande. A minha intuição foi desenvolvida a dançar, porque o corpo pensa também. Tenho uma intuição muito grande em relação às pessoas; a dança fez-me ter poucas barreiras, pouca desconfiança e uma capacidade de comunicar que me ajuda, mesmo se estiver no Sudão do Sul a entrevistar alguém que não fale língua internacional nenhuma."

Esta adolescência com formação em ballet clássico confrontou-a com um grau de exigência gigante: "Cresci em frente ao espelho, eu era dur­ssima comigo mesma." Aos 18 anos, uma lesão lombar obrigou-a a abdicar de tudo. Tinha ganho uma bolsa e ensaiava o seu primeiro espetáculo enquanto coreógrafa e bailarina: "O meu mundo caiu e, nesse momento, tive de fazer uma coisa como uma prova de amor que reforçou em mim esta ideia de termos de descentralizar o ego e não ficar no centro do mundo." Catarina relata o episódio mantendo quase um suspense: "Nessa mesma noite, tive de passar a minha coreografia de bailarina para a minha amiga, e o meu ego ficou em baixo. A chorar, fui vê-la a dançar a minha coreografia. Aprendi que somos todos substitu­veis - lembro-me de dizer isso ao meu pai." Perguntamos: ao fim de tantos anos de trabalho no mundo do espetáculo, ainda acha essa ideia pertinente?, responde: "É completamente verdade, somos todos substituíveis - menos no coração de quem amamos", faz uma pausa, "no coração de quem nos ama".

Vestido em seda e sapatos em veludo, ambos Longchamp.
Vestido em malha de algodão e cetim, Hibu Studio; Sapatos em pele, Mango Foto: Ricardo Santos

O Sol tenta aparecer num céu de agosto tempestuoso. Enquanto conversamos, as nuvens evaporam-se. Catarina acrescenta: "Acho que um dos problemas atuais do mundo é a necessidade de toda a gente querer deixar uma marca qualquer. A sociedade está egomaníaca, talvez por causa das redes sociais haja um pensamento que torna toda a gente protagonista de algo. E, no fundo, um espetáculo não se faz só com protagonistas. Esse corpo da aprendizagem artística foi muito importante para mim, e apesar da minha desilusão, percebi que precisamos uns dos outros — é inevitável. E percebi também outra coisa: aquilo de que eu mais gosto mesmo é de todo o processo; gosto do rebuliço das equipas e de construir qualquer coisa em conjunto com outras pessoas, seja em cinema, teatro ou televisão." A ouvir Catarina Furtado estão Helena Vaz Pereira e Cristina Gomes, que lhe fazem os cabelos e a maquilhagem há anos. Afirmam, em voz alta, que mesmo esgotada consegue vencer o cansaço e chegar ao estúdio onde grava programas semanalmente com entusiasmo. Ela acrescenta: "E acham que faço algum esforço? Zero! Isto é uma coisa minha – eu sei mesmo o nome de todas as pessoas que estão naquele estúdio de gravação."

Vestido em seda e sapatos em veludo, ambos Longchamp.
Vestido em crepe de seda e sapatos em veludo, ambos Longchamp Foto: Ricardo Santos

Uma das primeiras imagens fotografadas para a Máxima por Ricardo Santos põe Catarina no centro de uma escultura circular feita em bronze. Veste um vestido preto justo; os saltos altos tornam-na ainda mais longilínea. O hotel Les Sources de Caudalie é conhecido por integrar arte contemporânea no seu ambiente. Esta peça da francesa Nathalie Decoster chama-se Fragilités. Nas descrições dos seus trabalhos, a escultora fala muito de "emprestar tempo a si própria", de "parar, olhar, escutar" e de valores essenciais que frequentemente esquecemos no quotidiano. A fragilidade nas suas esculturas aparece como contraponto da força, como parte integrante do humano. Olhamos para Catarina a pousar no meio desta peça, com o peito bem aberto em direção ao Sol. Há um sorriso que se insinua, quase como se tivesse feito uma travessura — a fragilidade assumida, poética e sensível. Disse-nos depois: "O coração é que me guia sempre, e nunca o separo do resto. Utilizo muito a razão para o orientar, porque senão eu ia por a­ fora. A razão está sempre a orientar-me o coração." E, neste assumir da sua vulnerabilidade, percebemos a força que a torna tão empática: numa equação secreta, as fragilidades ensinaram-lhe um caminho. E confessa não haver um só dia em que não dance: "Mesmo sozinha danço." a chama manteve-se acesa, mesmo depois da desilusão. Há um lago no meio do jardim do hotel onde falamos. Nas suas águas, reflete-se uma estátua de bronze com dois corpos jovens que transportam um cacho de uvas gigantes — inspirada na iconografia clássica de Baco, deus do vinho e do êxtase. Ele está intimamente ligado à dança como expressão da libertação dos sentidos e da comunhão com o divino. Nas festas dionisíacas, a dança era o gesto sagrado que unia corpo e transe, celebração e desordem. Dizemos isso a Catarina e o seu olhar ilumina-se.

Vestido em seda e sapatos em veludo, ambos Longchamp.
Vestido em cetim de seda, Mango Foto: Ricardo Santos

DIZER "NÃO" COM FUNDAMENTO

“Não foi assim há tanto tempo que percebi que me estava a sentir mais livre na vida. Eu não tinha percebido que gostava de agradar, tinha muito medo de dizer que não às pessoas — embora tenha consciência de que a minha carreira foi feita das vezes em que disse não." Continuamos a ouvir a voz que a televisão nos tornou tão familiar. Acompanhou gerações. Quando começou no pequeno ecrã, Catarina Furtado representava a juventude portuguesa dos anos 1990 com sede de viajar pelo mundo, a falar inglês como nos videoclipes que apresentou no Top + e depois, em 1992, nas tardes que a SIC dedicava à MTV — canal de música que, antes disso, só chegava a Portugal através de antenas parabólicas. "Sinto que durante muito tempo quis agradar, e isso talvez tenha acontecido pelo facto de ter começado muito cedo a minha carreira. Eu tinha a idade que a minha filha tem agora, tinha 19 anos, e só de pensar que a minha filha começava agora a ser figura pública..." Faz uma pausa e suspira. "Eu não consigo imaginar." Ainda assim, Catarina sente que as redes sociais trouxeram outras problemáticas aos jovens: “Acho que é mais duro viver agora, é mais duro ser adolescente, porque há muito mais competição e comparação. Mas, no meu caso, eu era a única miúda nova a aparecer na televisão em Portugal. Tinhas a Maria Elisa ou a Margarida Marante, e não tinhas ninguém da minha idade. O que me deu a conhecer muito paternalismo e muita desconfiança sobre o meu intelecto — e nesse sentido, foi duro." 

Vestido em seda e sapatos em veludo, ambos Longchamp.
Camisa em algodão, A Line; colares em aço, One Foto: Ricardo Santos

Só que Catarina tinha crescido a admirar os livros do pai jornalista e, antes de chegar às televisões, no momento em que foi forçada à inatividade pela lesão de bailarina clássica, estudou Jornalismo no Cenjor, estagiando depois no Correio da Manhã, onde foi convidada a ficar como jornalista efetiva: "Nessa altura, eu pensava conseguir conciliar a escrita e o jornalismo com a dança. E houve um dia em que a Margarida Pinto Correia, que era minha editora, olha para mim a fazer piruetas de ballet na redação e diz-me para ir fazer o casting para o Top +." Catarina desata a rir. "Eu não tinha vontade nenhuma de fazer televisão e, para ela não ficar triste — porque era minha editora —, acabei por lhe dizer que sim. Portanto, eu tenho esta carreira toda porque não quis desiludir a minha editora." Ri-se. Nos anos que se seguiram teve uma explosão. As revistas e os jornais solicitavam-na: "Depois de ter feito a MTV, a SIC convidou-me para ficar lá a apresentar o Chuva de Estrelas. E nesse momento tive a noção clara de que tinha de decidir a minha vida. Já tinha muita gente a opinar sobre como é que eu devia fazer as coisas - eu tinha 21 anos."  Catarina continua: "Nessa altura, a minha gestão de carreira foi mesmo solitária. Agarrei-me à educação que tinha de casa e recusei muita publicidade, porque tinha a ideia de que iria voltar para o jornalismo e dançar. Chamaram-me para apresentar reality shows e eu dizia: 'Não faço.' O (Emídio) Rangel dizia-me 'Como assim?', completamente furioso, porque toda a gente queria estar no meu lugar – e eu dizia-lhes 'não'. E assim fui fazendo a minha gestão, paulatinamente, e a partir daí percebi que ia ser muito mais genu­ina e aceitar as coisas que me faziam bem." 

Vestido em seda e sapatos em veludo, ambos Longchamp.
Vestido em crepe de seda e sapatos em veludo, ambos Longchamp Foto: Ricardo Santos

Só que esta sua intuição transportava sentimentos contrários: "Nesse processo, eu tinha medo de me mostrar tal e qual como era, e tinha medo de desiludir... e fui-me formando enquanto figura pública, sempre a dizer aquilo em que acreditava, nunca mentindo, nunca contando histórias da carochinha — mas a agradar, sem entrar em radicalismos. Essa era a minha essência." Não se preocupava com as revistas cor-de-rosa ou com o ruído que podia surgir: "Preocupava-me sempre em não desiludir o meu pai. E durante anos ele nunca me elogiou. Ele fica muito triste que eu diga isto, mas é verdade." Na primeira edição da Chuva de Estrelas (1993/1994)  a vencedora foi Sara Tavares, cantava Whitney Houston com emoção pura, e o país apaixonou-se de forma arrebatadora pela jovem cantora. Era ainda mais nova do que Catarina. Ficaram sempre amigas até à morte de Sara, em 2023. O slogan "Todos diferentes, todos iguais", lançado em 1995 pelo Conselho da Europa, afirmava a diversidade como essência da igualdade. Alcindo Monteiro, brutalmente assassinado em Lisboa em 1995 num ataque racista, expôs o abismo entre esse ideal e a realidade social, transformando a frase num apelo contra a intolerância e a indiferença. Nesses anos, a presença de Sara Tavares nas televisões e no Festival da Eurovisão lançava pistas contraditórias sobre Portugal. Catarina diz: "Não podemos, por meio desse exemplo ou de outros, dizer que não há racismo em Portugal. Isso é perigoso, e isso tem de ficar assente."

Pedimos que nos evoque o momento em que conheceu Sara Tavares, então muito jovem. "Ela marcou-me desde o primeiro minuto, porque eu estava a fazer entrevistas aos candidatos numa sala à parte com o meu guionista. E os candidatos iam passando, e parei — pareceu-me ter ouvido qualquer coisa de especial noutra sala — e vou ao estúdio e vejo a sara a cantar. Comecei a chorar." Os olhos de Catarina voltam a ficar cheios de outras vidas. Conta-nos como Sara Tavares, ao receber o dinheiro da sua vitória no concurso da SIC, se empenhou em reconstruir a casa da avó na Margem Sul — viviam com muito poucas condições. "E quando eu fui à casa dela, era o quartinho todo forrado a Whitney Houston. Era uma paixão linda." Catarina foi sempre maternal com Sara. Perguntamos se a tentou proteger do meio artístico: "Sim, quis protegê-la, mas não consegui numa altura, e fiquei triste com isso. Ela foi abalroada na altura do Festival da Canção. Fizeram dela aquilo que eu não queria que me fizessem a mim. Escolhiam o vestido que queriam, etc. Mas mais tarde ela teve esse poder de dizer que não a tudo, e por isso é que se torna em quem foi... ou não." 

Vestido em seda e sapatos em veludo, ambos Longchamp.
Casaco em lã, Mango; camisa em seda, Paula; camisola em malha, A Line; calças em crepe, Luis Carvalho; colar em aço, One; sapatos em pele, Longchamp Foto: Ricardo Santos

Nesses anos, Catarina quis fazer uma pausa e estudar teatro em Londres. Juntou dinheiro, passou audições para várias escolas. Conta: "Eu tinha uma amiga na Vogue que me arrendou um quarto em Bethal Green. Ela ficava a noite toda a fazer amor com o namorado no andar de cima, e eu metia uns headphones baratos e decorava Shakespeare." Antes de partir nesta aventura de libertação, ninguém na SIC a queria deixar despedir-se. Ofereceram-lhe mesmo a possibilidade de continuar a ser paga sem trabalhar. "Disse-lhes que não." Francisco Pinto Balsemão, fundador do canal, pede a Catarina que entreviste atores e realizadores de passagem por Londres. Diz-nos a rir: "Nunca devemos conhecer os nossos ­ídolos — a não ser que esse ­ídolo seja eu." Quando entrou numa sala para entrevistar o realizador americano Spike Lee, apresentou-se: "I'm Catarina, from Portugal", ao qual Spike respondeu: "Hi, I prefer the Brazilian accent." Catarina rematou "I prefer the British accent." Há várias maneiras de dizer "não" e moldar caminho.

Vestido em seda e sapatos em veludo, ambos Longchamp.
Camisa em veludo cotelê, A Line; colar em aço, On Foto: Ricardo Santos

NA LUTA CONTRA A MISOGINIA

À nossa frente, Catarina reflete sobre a chegada da maturidade: "Eu sou uma pessoa que é conhecida em Portugal desde os 19 anos, e agora estou com 53. É muito interessante perceber os altos e baixos da vida das pessoas — ou, pelo menos, as nuances... Na verdade, tenho de ser muito grata à vida, porque eu nunca tive baixos. O meu divórcio não foi uma coisa positiva, mas muitas vezes as pessoas acabam relações que se tornam nada, ou se tornam ódio, ou arrependimento, não é? No meu caso, tornou-se outra relação, e por isso digo que não é um momento baixo. Mas é curioso: ao mesmo tempo, há um peso da sociedade em relação à mulher mais velha — há um peso e uma espécie de exigência para nos mantermos qualquer coisa. Eu acho que há uma libertação se encontrares as formas certas para te alimentares e nutrires." Perguntamos: qual é o investimento? "Vem sempre dessa ideia de fazer um trabalho rigoroso na auscultação do corpo, de dentro para fora. Tento ouvir-me e nunca separo o corpo da cabeça." A misoginia continua a ser das coisas que mais a preocupam. Com a sua ONG fundada em 2012 — a Corações com Coroa —, há uma tentativa de empoderar raparigas e mulheres com um foco na educação e na prevenção da violência, levando-a inémeras vezes a um trabalho de campo profundo. "Se há tanta informação sobre a violência no namoro, porque é que ela persite?", pergunta Catarina.  “Nós temos de fazer as coisas de outra forma, mas ainda não encontrei a receita mágica. Eu sempre achei que o feminismo devia agregar as feministas e os homens e torná-los feministas. A necessidade de nos juntarmos aos rapazes surge para que eles expliquem aos outros rapazes como a violência não faz sentido." 

Os movimentos masculinistas que as redes sociais propagaram estão no centro das suas preocupações. O ódio e a violência do mundo atual são palpáveis no universo virtual e têm impacto concreto na realidade. Desde o ano 2000 que é embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População, testemunhou, em países onde a pobreza é extrema, como as mulheres e as raparigas acabam por ser vítimas na ausência de meios para as apoiar em momentos cruciais, como o de dar à luz uma criança.

Vestido em seda e sapatos em veludo, ambos Longchamp.
Casaco em crepe de seda, Luis Carvalho; vestido em seda e sapatos em veludo, ambos Longchamp Foto: Ricardo Santos

As nuvens tomaram conta do céu da Aquitânia. Passámos o dia a fotografar em recantos do Les Sources de Caudalie. O corpo de Catarina volta a estar dentro de uma escultura — desta vez de Wang Du, o artista chinês conhecido por transformar jornais amassados em monumentos à efemeridade da informação. As suas obras questionam o poder manipulador dos media de massa. A simbologia não podia ser maior: o mundo de Catarina muitas vezes é invadido numa tentativa de forçar a exposição da sua privacidade. A escultura não a engole, Catarina é maior.

O dia acaba num jantar, com o mesmo entusiasmo que tinha de manhã. Pergunta a várias pessoas que trabalharam na sua sessão fotográfica se estão apaixonadas. Ouve curiosa — cada ser é uma história potencial. Ninguém lhe devolve a pergunta. Estamos off, não há nenhum gravador a registar a conversa e, sobretudo, captámos na sua leveza em público uma necessidade de descanso. Respeitamos os momentos em que existe sem ninguém a ver.

Texto originalmente publicado na revista anual da Máxima, de novembro de 2025.

Créditos:  Realização de Cláudia Barros. Fotografias de Ricardo Santos. Cabelos de Helena Vaz Pereira para Griffehairstyle. Maquilhagem de Cristina Gomes.

Leia também

José Condessa: "Hoje, o machismo tóxico parece ser cool"

No jardim onde o ator brincava em criança, o tempo parece ter parado. Numa conversa sobre palcos, conviccões artísticas e sucesso, José aguarda a estreia de Rabo de Peixe, na Netflix. Uma entrevista feita a andar a pé por Lisboa, a contrariar o ritmo das conferências de imprensa múltiplas.

Entrevista Kelly Bailey. "O sistema não está feito para as mães"

O que é um ícone? "São aquelas pessoas que, quando morrem, há qualquer coisa que também morre com elas”, responde a atriz, e lembra-se de David Bowie, inesquecível, o homem que nunca deixou de mudar. Kelly Bailey, que há mais de 10 anos vemos nos ecrãs, também mudou, está mais crescida, já é mãe. Mas há coisas que permanecem, como aquela luz que vem de dentro e faz qualquer coisa a quem a recebe. Também é desse mistério reluzente que se fazem os ícones.

As Mais Lidas