Bárbara Branco: "Quanto mais mulheres maravilhosas conheço, mais percebo que a sociedade não nos dá valor”
Sangue novo. É numa nova geração de atrizes que falam sem filtros, assumem as suas crenças e querem descomplexar o tema da idade na representação, que se encontra Bárbara Branco. À Máxima, fala abertamente sobre o corpo, os preconceitos na indústria e os novos padrões de beleza.
Em pequena estava sempre a pedir que a vissem dançar. "Tudo era uma performance", lembra, como quando interrompia os jantares de família para encarnar uma personagem inventada no momento. Seja em palco, em set ou nos bastidores das gravações televisivas, confessa que fica numa pilha de nervos. "É uma coisa que piora com os anos", como um dia lhe garantiu o colega ator Ruy de Carvalho. "E não é que é mesmo verdade?" Bárbara Branco atende o telemóvel de Guimarães, está a viver na cidade até outubro, a propósito do espetáculo Crocodile Club, de Mickaël de Oliveira. É de manhã e estamos as duas a acordar. Em breve, a atriz, que nasceu em Cascais, está de regresso a Lisboa para a estreia da nova novela da SIC, na qual será protagonista, ao lado de atores como Ricardo Pereira ou Patrícia Tavares. A última grande presença numa telenovela foi com Flor Sem Tempo, que começou a passar em 2023. Aos 24 anos, tem pelo menos dez de representação, com um currículo que percorre todos os seus espectros, dos palcos ao Cinema. Quando fez de Fátima Padinha, em Bem Bom (2021), filme de Patrícia Sequeira que recria uma fase das Doce, ao lado de Carolina Carvalho e Lia Carvalho, todos os olhos estavam postos em si. Estudou três anos na Escola Profissional de Teatro de Cascais, e a sua maior influência foi a sua avó, a única ligada ao Teatro na família (os pais são de Economia). Sobre uma possível internacionalização, Bárbara Branco "adorava fazer o Conservatório em Londres". Mas, neste momento, quer "conhecer o mundo, viajar, pegar nas malas e ir" e quer engolir séries inteiras nos seus tempos livres. "Ah! E ter tempo para não fazer absolutamente nada."


Nasceste dentro daquela que hoje classificamos como geração Z. Identificas-te com a sua maneira de estar e pensar? Com os valores desta geração? Ou sentes-te mais millennial?
Uma coisa é a minha personalidade e de que forma é que eu vivo e encaro o mundo. E outra coisa é sentir que me insiro ou não na minha geração. Portanto, eu acho que tenho tendência a ser um pouco mais velha ou a encaixar-me numa faixa etária um bocadinho acima. Não sei, acho que mais pelo meu comportamento do que propriamente pela forma como penso ou sinto as coisas. A Gen Z é superacelerada, muito ligada. Vive a um ritmo muito, muito alucinante e isso também é um lado negativo. Acho que me identifico numa questão, que é a de existirmos com mais liberdade e termos horizontes mais abertos. Sinto que trabalhamos para quebrar preconceitos, que olhamos para a diferença como algo fixe e positivo. É característico desta geração, e eu gosto de pensar que também sou assim. Se bem que, a nível de personalidade, se calhar misturo-me melhor com pessoas um pouco mais velhas. No fundo, não sou só o resultado da geração em que nasci, mas sim de todas as gerações que vieram antes, e o que eu tento fazer na minha vida é pegar na liberdade que já temos e tentar quebrar alguns padrões de outras anteriores.


E sentes o peso dessa responsabilidade? De levar às costas as mudanças do mundo, também na tua profissão, que é mais pública?
A nível de ideais e de valores estamos cada vez mais polarizados e é cada vez mais urgente posicionarmo-nos precisamente porque estamos cada vez mais distantes na forma como vemos o mundo. Obviamente, somos seres humanos e eu acho que as coisas que nos assustam e que nos apaixonam acabam por ser sempre universais. Mas, acima de tudo, no que nos separa e no que nos diverge, a nível de ideais, de valores e de moral, eu pelo menos sinto a obrigação – não pública, de todo –, mas sinto a obrigação, perante mim própria, de me posicionar e de tomar partidos e de politicamente estar mais informada. Não necessariamente em relação às coisas com as quais eu concordo, mas, sobretudo, em relação às coisas com as quais eu não concordo e que não tolero, e que não quero que existam no mundo em que vivo.


Como lidas com os comentários online e com o ódio? As redes sociais têm impacto na tua saúde mental?
Estamos em Portugal, já fiz algumas novelas, há algumas pessoas que me seguem nas redes sociais e que me conhecem, quando eu passo na rua. Mas a minha escala é muito pequena. Eu passo despercebida, não sinto sequer que seja um peso nesse sentido. Ou seja, gosto de ser muito concreta na forma como encaro as coisas e principalmente neste meio em que eu estou. Claro que há uma responsabilidade social e sinto que a minha voz, apesar disto que eu te estou a dizer, tem algum impacto e tem algum alcance, não é? Porque se chega, por exemplo, nas redes sociais, a 200 e tal mil seguidores, ou mesmo só a metade disso, significa que há um eco na minha voz e há uma repercussão naquilo que eu digo. Logo, eu não me desresponsabilizo totalmente, mas também não penso nisso como um peso, ou como um fardo, ou como algo que me assombra.
E em relação às críticas?

Ninguém gosta de ouvir coisas más a seu respeito. Ninguém gosta de sentir que é falado e, muito menos, que é criticado. Há pessoas que têm mais capacidade de relativizar e de não dar importância a essas críticas, outras menos. Eu estou numa fase mais saudável em relação a isso, porque [as críticas] não são concretamente sobre mim. Acho que também tenho muita sorte nesse sentido. As pessoas não vêm para as minhas redes sociais ou para a minha caixa de mensagens – ou mesmo pessoalmente – dizer-me coisas más.

Recentemente, num podcast, falaste sobre este e outros temas, como a questão das mulheres ainda serem vistas, muitas vezes, como as mulheres de alguém, sobre o paternalismo, as lutas de género. Sentiste esse peso mediático com a tua relação mais pública?

Eu acho que há sempre essa curiosidade de entrar na vida privada das pessoas e saber o que se está a passar, mesmo que seja irrelevante, mesmo que daqui a dois minutos me esqueçam. Eu percebo e, até um certo ponto, tolero. O que acontece é que independentemente do que uma mulher faça profissionalmente (olha o caso do [George] Clooney e da mulher [Amal Alamuddin], a mulher dele é incrível, já fez coisas incríveis, mas para muitas pessoas é a mulher do Clooney), mesmo que seja espetacular, muitas vezes fica atrás do homem com quem está casada. Isso começou a ser um tópico para mim, porque nós mulheres somos mesmo incríveis! Nós temos a capacidade de sermos superproativas e supercompetentes profissionalmente. Ainda vamos para casa, ainda temos de ser implacáveis com os trabalhos domésticos, com o cuidado dos filhos. Nós temos essas capacidades todas, e ainda conseguimos, uma vez por mês, ter o período e sorrir e ainda gerir a nossa vida de uma forma brilhante e não falhar a nenhum dos níveis. Quanto mais mulheres maravilhosas conheço, mais percebo que a sociedade não nos dá esse valor, não nos coloca nesse sítio. E, a partir do momento em que há mulheres que vivem na sombra dos seus maridos, dos seus namorados, é mais uma revolta. Portanto, [para mim isso] começou a ser um tópico. Eu não preciso de ninguém à minha volta. Obviamente, todos precisamos de ajuda e ninguém chega lá sozinho, mas acho que eu valho por mim. Eu tenho o meu valor, tenho lutado por isso e tenho trabalhado para isso.

Esta edição é sobre o corpo. É sobre como nos sentimos nele, sobre diversidade e aceitação e também, lá está, esse superpoder que nós temos até como mulheres. Como te sentes no teu corpo? Como tem sido a tua relação com o teu corpo?

Acho que é uma viagem engraçada... Durante o processo não tem graça nenhuma, porque choras muitas vezes e, às vezes, é muito difícil. Mas foi um processo muito duro. Na altura em que eu estava um bocadinho mais sensível e vulnerável nesse sentido, fiz um programa chamado Dança com as Estrelas, em que me confrontava uma vez por semana com o meu corpo, para dançar, e com aqueles vestidos. E sentia-me sempre deslocada, sentia-me sempre feia. A minha autoestima estava um caco. Já falei muito sobre a experiência n’O Crime do Padre Amaro [de Leonel Vieira, com José Condessa, Filomena Gonçalves e Sara Norte] e de que forma é que isso me levou à terapia e a procurar estar melhor na minha pele e no meu corpo. Desde aí, foi uma viagem alucinante. Bati muitas vezes com a cabeça na parede, fiz muitas horas de terapia a falar sobre isso, sobre porque é que eu me sinto muitas vezes um patinho feio, porque é que eu me sinto deslocada, porque é que vou aos Globos de Ouro e me sinto a mais feia e a mais malvestida. E, claro, tentar perceber o que é que nessa minha perceção é real e o que é construção minha – e o que são medos meus, também.

Como é que se separam essas duas visões?

Há muitos dos nossos medos e das nossas ansiedades que vêm do nosso corpo e do nosso instinto querer defender-nos de desgostos futuros, não é? E, portanto, se eu me preparar para ser a mais feia dos Globos de Ouro, quando eu receber uma crítica não me vai custar tanto, porque eu já assumi que estou nesse sítio. E quem diz Globos de Ouro diz outra coisa qualquer. É um caminho, e no meu caso ainda não está encerrado. Ou seja, nem todos os dias acordo e me sinto mesmo gira e superpoderosa. Já há momentos em que acordo e penso: "Ah, OK. Eu até sou fixe. Até sou uma pessoa fixe". [Ri-se]. E pronto, lá vou eu à minha vida. Mas é verdade, não é um caminho linear. Não é um caminho também fácil, porque obriga-te a confrontares-te contigo e com traumas.
A terapia deveria ser para todos?
Eu sou a fã número um da terapia, levo-a para todo o lado. Porque eu acho mesmo que foi o que me fez ultrapassar algumas coisas na minha vida. O ideal de beleza que nós temos ao longo dos séculos já se transformou milhares de vezes. Mas a verdade é que o ideal de beleza que nós temos na nossa cabeça... [faz uma pausa]. Apesar do caminho que eu já fiz, se eu pensar, "estou no corpo ideal em relação àquilo que socialmente se acha que é o corpo ideal?" Não estou. Posso estar bem com isso, mas não estou. Eu não tenho o corpo que se calhar a sociedade acha que é um corpo bonito e que vende e que é apelativo. Em relação aos padrões sociais, eu não sinto que esteja no padrão. É uma construção social.


Num outro tópico: em França, o #MeToo chegou mais tarde. Achas que chega a Portugal? Achas que, um dia, vai haver material para virmos a falar disso?
Em Portugal, parece que chegamos sempre um bocadinho atrasados a tudo. Também tenho estado a ler sobre isso. Não necessariamente sobre o movimento em si, mas sobre de que forma é que as diferentes vozes têm impacto neste tipo de situações. No outro dia, estava a ler um livro que falava sobre denúncias de casos de violação, e de que forma é que essas denúncias eram ou não descredibilizadas, tendo em conta a pessoa que as estava a fazer. A voz de uma mulher branca em denúncia de uma violação é completamente diferente da voz de uma mulher negra, da voz de uma mulher asiática. Não é só o movimento em si relacionado com o assédio, claro que sim, e há muito a fazer em relação a isso, mas de que forma é que nós, enquanto sociedade, permitimos que diferentes vozes, por causa do tom de pele, por causa do género, por causa da religião, tenham diferentes impactos em situações destas? E quem diz violação e assédio diz outro tipo de tópicos, porque somos julgados de forma diferente e somos ouvidos de forma diferente, tendo em conta a cor da nossa pele.

Quando tu começaste a trabalhar, muito nova, as pessoas mais velhas falavam-te disto, diziam-te, avisavam-te, sobre o assédio?
Não. Não era um tema. Ou se calhar não era um tema porque eu também não estava atenta e estava focada noutras coisas. E, se assim for, ainda bem, porque não me apercebi das coisas. Quando comecei, pude viver em pleno essa época. Eu acho que começas a perceber quando começas a olhar para o lado e conheces casos ou passas por situações mais desconfortáveis e te questionas: Será que foi [assédio]? Será que não foi? Só aí é que começas a ficar mais atenta... Eu, com essa idade, não me apercebi, mas também não acho que me tenham falado disso ou alertado de algum modo.


Falámos um pouco sobre este tema na última edição dos Prémios [de Beleza e Perfumes 2024] da Máxima, que apresentaste: em relação ao envelhecimento, como te sentes relativamente a um tema que acaba por ser tão importante no teu trabalho?
Eu gosto muito de pensar sobre isso. Porque também sinto que, lá está, em relação aos padrões sociais, hoje aparecemos no ecrã com rugas. Há milhares de atrizes que as mostram e eu acho lindo, mas ainda há uma pressão para nos mantermos magras para sempre. Com a pelezinha lisa, novas para sempre. Eu gosto de pensar sobre isso como fenómeno social. O que nos levou a achar que uma mulher envelhecer é absolutamente proibido e inaceitável? E de que forma é que isso nos impacta? E que [o envelhecimento] tem de ser travado a todo o momento? Também se vê, principalmente neste meio, muita gente que não sabe lidar com a idade. Não falo dos procedimentos estéticos, se te sentes bem, acho que deves fazê-los. Mas deveria ser porque queres, por ti e para ti. Outra coisa é que os queiras fazer por estares em negação. Há de chegar o dia em que eu se calhar olho para mim ao espelho e penso, "ai, já tenho aqui uma rugazinha", e se calhar não gosto. Ou se calhar até gosto, se calhar adoro-a. Neste momento da minha vida, eu penso de que modo posso fazer esse caminho de aceitação da velhice e do envelhecimento de forma saudável. Eu quero envelhecer feliz.

Texto originalmente publicado na revista anual da Máxima, de novembro de 2024.
Créditos:
Realização: Larissa Marinho.
Fotografia: Frederico Martins.
Vídeo: Imagem e edição de Raul Sousa.
Cabelos e maquilhagem: Alex Origuella.
Assistentes de fotografia: Pedro Sá e Guilherme Afonso.
Assistente de styling: Maria Sampaio.
Agradecimento a Riopele.
