"Ele ressona e eu tenho o sono leve" – quando dormir separados salva o casamento
Estão juntos na vida, mas dormem em camas ou casas diferentes. Privilegiam uma noite bem dormida e provam que o sono retemperador é um asfrodisíaco na vida conjugal.
Parece uma modernice, mas não é. Basta visitar edifícios apalaçados e encontram-se quase sempre os aposentos do rei e da rainha. Separados à nascença. No Palácio Nacional de Mafra, por exemplo, os domínios da rainha ficam no torreão sul, enquanto os do rei se situam longe, no torreão norte. Aliás, quem assistiu à série britânica The Crown viu que a rainha Isabel II não partilhava o leito com o duque de Edimburgo, o príncipe Filipe. No mundo artístico, há vários casais que praticam o chamado divórcio do sono e em Portugal até há um podcast com este nome, no qual se aprendem singularidades sobre a importância de dormir bem. Teresa Rebelo Pinto, psicóloga e somnologista, diz que o sono é muito individual. Embora existam muitas variações interpessoais. “Quando oiço chavões de que dormir sozinho ou acompanhado é que é bom, dá-me vontade de rir”, conta.
Antes de namorarem, os designers Inês Ribeiro Alves e Filipe Aparício partilhavam a mesma casa. “Logo nos primeiros dias de namoro percebi que não ia ser capaz de dormir no mesmo quarto que o Filipe. Ele ressona e eu tenho o sono muito, muito leve. Até já sabia que ele ressonava, porque vivíamos na mesma casa, no entanto, não tinha noção de que não conseguiria dormir com ele de todo. Foi engraçado porque foi quase imediato”, conta Inês. Quando foram viver sozinhos, não tiveram logo a oportunidade de arrendar uma casa em que cada um tivesse o seu quarto. Era um estúdio pequenino, que não permitia que cada um tivesse o seu espaço. “Todas as noites um de nós acabava no sofá. Até comprámos um colchão para pôr no chão, para que a noite de sono se tornasse mais confortável.” Dormir em camas separadas acabou por se revelar um processo natural. Ambos perceberam que estavam a dormir mal e arranjaram uma casa em que cada um tivesse o seu quarto. A situação era insustentável, andavam sempre cansados.
“Ele era um cavalheiro, percebia que eu não dormia e saía da cama. Ambos nos sentíamos mal. Ele por ressonar e eu por ter de lhe pedir que fosse dormir para outro lado.” Assim que estabeleceram que cada um dormiria no seu quarto, Inês e Filipe sentiram imediatamente os benefícios da decisão. “Passámos a acordar mais descansados e mais bem-humorados. O casal fica com mais predisposição para passar tempo de qualidade quando está bem.” Diretora da Clínica do Sono – a funcionar há cerca de quatro anos na zona de Entrecampos –, Teresa Rebelo Pinto clarifica que “cada caso é um caso. Não se pode, nem deve, dizer que as pessoas dormem melhor sozinhas ou acompanhadas. Na cultura ocidental, os casais tendencialmente partilham cama ou quartos, mas não deve ser uma regra. Depois, as pessoas têm um certo receio de assumir que dormem em camas separadas, como se isto fosse um tabu, um sinónimo de quebra de intimidade, ou que haja decréscimo na qualidade da vida sexual. Mas não é forçosamente assim.”
A trabalhar na área do marketing, Alexandra Henriques é uma testemunha viva de que dormir junto não pressupõe mais intimidade. Aliás, Alexandra deu um passo à frente. O namorado só se junta a ela aos fins de semana. Juntos há oito anos, Alexandra e Gustavo vivem em casas separadas. “O meu filho já é adulto, tem 22 anos, e seria estranho ter dois homens feitos a coabitar na mesma casa. Apesar de já se conhecerem há muitos anos, o meu namorado nunca foi uma figura paternal para o Afonso (filho). Por vezes ficava ali um ambiente tenso e prefiro separar estas duas áreas da minha vida.”
Distinguida a maternidade da vida afetiva, Alexandra explica o segredo do sucesso da relação: “A tempo inteiro, não iria resultar. Se tivéssemos tentado viver na mesma casa já não estaríamos juntos. Temos gostos muito diferentes. Eu gosto de estar no sofá a ver filmes e de ir a museus. Ele adora motas e tem de ter uma garagem para as arrumar. Eu nem sequer gosto de andar de mota.”
A viver há tantos anos sozinha, Alexandra chega a sentir que a presença de Gustavo interfere na sua autonomia. “Quando ele está comigo, não tenho tanta liberdade de acordar e pôr-me a ler na cama. Prefiro levantar-me ao meu ritmo. Quando ele está, não posso acender as luzes ou puxar as persianas para cima. Vou para a sala até ele acordar, e ele costuma dormir até tarde”, explica com descontração.
Na verdade, esta forma de viver não é novidade para Alexandra. “Não se trata de uma realidade estranha para mim, porque a partir dos meus 12 anos cada um dos meus pais vivia na sua casa. O meu pai em Caxias e a minha mãe em Alvalade. A minha mãe odiava Caxias e o meu pai não gostava de Lisboa. Há 30 ou 40 anos, não era uma forma de estar na vida e muitos dos meus amigos me perguntavam se os meus pais estavam divorciados. Também eram tão diferentes um do outro que se não tivessem cada um o seu espaço, talvez se tivessem efetivamente separado.”
Se repetir padrões funciona no caso de Alexandra, no que diz respeito a Inês, esta tomada de decisão tornou-a alvo de confidências da parte de casais amigos que desabafam com ela e com o namorado sobre as dificuldades que têm em ter uma noite bem dormida. “Há sempre um dos elementos do casal que não consegue dormir. Entre os filhos e o ressonar, dormir torna-se complicado. Já sugeri a vários amigos que experimentassem quartos separados durante um tempo, mas há sempre uma resistência muito grande. Acho que tem que ver com o tabu da intimidade.” A psicóloga do sono sublinha que “é comum aparecerem casais na consulta que referem esta decisão – quartos separados – como muito positiva para o casal. Existe uma relação entre a qualidade do sono e a qualidade de vida. E, consequentemente, a satisfação conjugal passa para outro patamar. Tanto a afetiva como a sexual. Duas pessoas dormirem separadas pode significar uma melhor qualidade do sono, e como dormem melhor terão mais desejo sexual, mais paciência para o outro e andam mais bem-dispostas no geral. Isto não me parece difícil de entender”. Mas para a maioria dos casais será. A crise na habitação e o preço inflacionado das rendas não ajudará, com certeza, a maior parte da população portuguesa a ter esta experiência. Quanto a Inês e a Filipe, longe vai o tempo em que se revezavam entre a cama e o sofá. E hoje têm muito mais qualidade de vida do que na altura em que partilhavam o estúdio pequenino do princípio da relação. Em termos de vida sexual, não há milagres nem relações por telepatia.
Inês salienta que “tem de haver uma energia acrescida nos casais que dormem em quartos separados de modo que encontrem espaço para que as coisas aconteçam. No nosso caso, temos de fazer um esforço ativo para encontrar um espaço para nós. De manhã, um de nós vai ter com o outro e não ficamos – como outros casais – simplesmente à espera de nos encontrar na cama.” Inês tem endometriose, uma doença crónica que causa fadiga. “Há dias em que estou muito cansada e o sono é fundamental na minha vida. Se não durmo bem, fico de rastos”, confessa.
Talvez por esta razão Inês não facilite, nem no Natal, nem em dias de festa ou aniversários – cada um vai para o seu quarto. As únicas exceções que abre é mesmo quando dorme fora de casa ou quando têm visitas. Este casal de designers trabalha por conta própria, o que facilita as dinâmicas diárias. “Gosto de acordar cedo. Acordo, em média, às sete, sete e meia, enquanto o Filipe é mais noturno e deita-se muito mais tarde do que eu. Por isso, encontramo-nos sobretudo ao fim de semana e nos dias em que ambos podemos ficar na cama até mais tarde.” Durante o período de férias partilham o mesmo leito. “O reencontro é ótimo. Como estamos descontraídos, dormir um bocadinho pior não é tão problemático, até porque se for caso disso posso sempre fazer uma sesta.” Ainda assim, para dormir, Inês utiliza airpods com cancelamento de ruído.
É no período de férias que Alexandra Henriques dorme com o namorado no mesmo quarto. É também nesse tempo que partilham os verbos que têm em comum: comer e viajar. “Já estivemos um mês e meio de férias e demo-nos lindamente. É raríssimo chatearmo-nos. O ritmo em período de descanso é completamente diferente daquele que se tem quando estamos a trabalhar.” Mas faz a ressalva. “Se durante os dias de trabalho ele vem para minha casa mais cedo ou a meio da semana, fico logo irritada. Na verdade, já tenho as minhas rotinas. Se o Gustavo aparece quando não era suposto aparecer, fico chateada de não ter a casa só para mim. Detesto surpresas e gosto muito do meu espaço, lutei muito para o ter.”
Como lembra Teresa Rebelo Pinto, dormir junto ou separado depende também das fases da vida de cada um. Alexandra viveu com o pai de Afonso durante um ano e meio e com Gustavo já está há oito anos a viver cada um no seu canto. “Chegámos a falar em viver juntos quando troquei de casa, mas até mais por vontade dele do que por minha, acabou por não avançar. Acho que dificilmente viveremos na mesma casa. Ou talvez sim, mas só quando formos muito velhinhos.”
Inês Ribeiro Alves fala de uma vida com mais romance. “Até sentimos saudades um do outro. Um sentimento que acho muito bonito.” Já Alexandra recomenda vivamente a sua opção de vida. “Acho que é uma maneira de estar muito saudável. Às vezes, o facto de duas pessoas viverem juntas não quer dizer que gostem uma da outra. Conheço muitos casais que partilham casa por questões monetárias.” Teresa Rebelo Pinto deixa o recado de que as pessoas associam o sexo à intimidade, mas “dormir com alguém é um movimento de muito mais intimidade do que ter relações sexuais. Há várias pessoas que me dizem que têm sexo, mas que depois não ficam a dormir em conjunto.” A psicóloga deixa ainda o alerta: “Quando uma pessoa ressona, deve ir ao médico ver o que se passa, porque ressonar não é bom sinal. Uma pessoa que vive sozinha não sabe que ressona, só quando vai viver com outra é que se apercebe de que dorme mal. Aí os casais decidem dormir separados, mas isso não deverá camuflar os distúrbios do sono”. É importante prestar atenção aos sinais que o corpo transmite. Se tiver sono durante o dia, andar constantemente cansado, irritado, se durante a noite deambula pela casa ou for comer a dormir, é porque não está com certeza a dormir bem.
“São muito comuns as pessoas que chegam pela primeira vez à consulta trazidas pelos cônjuges, às vezes com ultimatos: se não te tratas, separo-me”, conta a psicóloga. Em jeito de conclusão, Teresa afiança que se a saúde do casal está intimamente ligada à saúde do sono, “as pessoas podem e devem dormir juntas ou separadas, desde que isso seja melhor para o seu sono. Se entrarem em conflito por causa desta discussão, também não vale a pena.” Conclusão: cada caso é um caso, como diz Teresa Rebelo Pinto. Nós acrescentamos: não há fórmulas para finais felizes.
Acabar uma relação é o melhor tratamento de beleza?
O que é que todas as histórias de glow-up têm em comum? “Marcámos consulta” com Mafalda Galvão Teles, psicóloga clínica e psicoterapeuta, sobre o porquê de ficarmos sempre mais bonitas depois do adeus.
AVC nas mulheres. Os sintomas que quase ninguém reconhece
Apesar de o acidente vascular cerebral ser a principal causa de morte em Portugal, muitos dos seus sintomas continuam a ser mal interpretados – sobretudo no caso das mulheres. Além dos sinais clássicos, amplamente divulgados, existem manifestações menos óbvias que podem atrasar o pedido de ajuda e agravar as consequências.
Café em jejum: por que este hábito dispara o cortisol
A maior parte das pessoas começa o dia com uma chávena de café. Problema: sair da cama faz aumentar o cortisol e consumir cafeína, também. Esta correlação é inofensiva ou vale a pena repensar o horário da primeira dose de arábica? Lillian Barros, nutricionista, responde.