Pierre Bouissou, de médico a perfumista apaixonado pela Comporta
Pierre Bouissou criou os perfumes de Alma da Comporta como um antídoto para os tempos conturbados que vivemos. Com um percurso ligado à Moda e à Beleza, durante mais de 30 anos, atravessou o mundo do luxo, reinventando códigos na cosmética, procurando humanizar o glamour. Com base na Comporta, a sua marca reaviva as paisagens paradisíacas e secretas do Sul. Os seus perfumes e velas são refúgios que podemos transportar no dia a dia.

Pierre pede uma coca-cola zero e um café ao mesmo tempo. A mistura é explosiva, mas seguimos-lhe os passos, queremos estar tão presentes como ele, neste último andar onde nos encontramos. Um terraço nos Restauradores em Lisboa com vista para o Sul, o rio ao longe e, por trás de todos os prédios, praias a perder de vista nesta costa lisboeta que não para de fascinar os franceses. Pierre chegou a Portugal antes do hype, cansado de viagens sem fim procurava a tranquilidade. Trabalhou para grandes marcas – Dior na cosmética, Boucheron ou Berluti nos relógios, joias e acessórios de luxo. A Moda levou-o aos quatro cantos do mundo e a vontade de respirar mais tranquilamente trouxe-o até ao fim da Europa... Ou talvez Portugal seja um começo. De camisa branca, com a pele bronzeada e de atitude segura, fala em francês, sorri com curiosidade. Pierre tem o olhar vivo, observa-nos atentamente antes de responder, ri com facilidade.

Como descobriste Lisboa? Como foi que aqui chegaste a primeira vez?
No trabalho que fiz no passado, a desenvolver cosmética, viajava muito para mercados asiáticos, eram mercados que estavam em desenvolvimento... Eu demorei a vir até cá. Vim a primeira vez em 2010, fiquei um dia e uma noite. Eu sou natural de Nice, e dei por mim a pensar, "Será que em Lisboa as pessoas também querem saber tudo da tua vida? Será que é parecido?"
O fenómeno das cidades pequenas?

Sim, foi por isso que fui viver muito cedo para Paris. Mal acabei os meus estudos em Medicina deixei Nice... Mas voltando a Lisboa... Achei logo as pessoas positivas, todo o contrário de França (risos). E fui a Melides com uma amiga, ela estava em contacto com agentes imobiliários, mostrou-me um terreno e fiquei literalmente arrepiado, com pele de galinha. Decidi comprá-lo de imediato, todos me disseram que era louco por não falar português... A magia de Comporta começou ao mesmo tempo a crescer, começou-se a falar cada vez mais da zona.
Foi o lado selvagem que a Comporta tinha em 2010 que te seduziu?
Gostava do lado discreto, e isso para mim é o novo luxo. No passado tivemos um tipo de luxo que era bling-bling com muitos logótipos. Eu gosto de um luxo que não passa pela ostentação, que é mais exclusivo, autêntico e com qualidade.
Sim, mas o bling-bling já chegou à Comporta através de várias lojas e marcas...

Onde eu estou consigo estar isolado disso tudo. Mas foi o acaso que fez com que eu viesse dar a Portugal. Depois de ter passado trinta anos a trabalhar para marcas grandes como a L’Oréal ou o grupo LVMH, a Berluti ou a Boucheron, posso dizer que cheguei aqui esgotado fisicamente, e mentalmente também sentia alguns danos.
Quando trabalhavas para essas grandes marcas não era como parfumeur?
Não, de todo. Eu sou formado em Medicina e cosmetologia, tinha o sonho de entrar na L’Oréal. Na altura em que me formei, um médico que ia fazer produtos de cosmética não era bem visto. Mas era a minha paixão. Tinha uma paixão pela Beleza e achava que a mensagem veiculada pelos cremes era muito boring, era preciso fazer outra coisa. E a minha grande conquista nessa área foi precisamente com a Dior. Eu trabalhava diretamente com o monsieur (Bernard) Arnault e disse-lhe que era urgente parar de trabalhar para um público-alvo que tinha 50 anos e que consumia publicidade onde as manequins tinham 18. Era preciso parar de pensar que a idade não podia ser um bónus.... Com o tempo uma mulher torna-se mais inteligente, conhece a vida ... E nessa altura, Arnault perguntou-me em que mulher estava a pensar, eu disse-lhe um só nome: Sharon Stone.
Já a conhecias?
Não, de todo.
Foi um encontro importante?
Foi mais que isso... Ao monsieur Arnault expliquei o carisma que via nela, com o tempo a beleza de Sharon Stone cresceu, disse-lhe que uma mulher assim agradaria a qualquer pessoa. Ficou tudo em stand-by e um dia o telefone tocou, era ele a dizer-me que queria avançar. Fui ter com a Sharon Stone a Cannes à festa da amfAR (fundação que luta para encontrar a cura para a SIDA), ela estava rodeada de guarda-costas e eu com assessores de imprensa, foi amor à primeira vista.
O que disseram um ao outro?
Ela perguntou-me porque razão tinha pensado nela. Expliquei-lhe que a queria para um produto que deveria ser usado por uma mulher de 50 anos, uma mulher para quem o tempo era um aliado e não um inimigo. Disse-lhe que ela era a encarnação dessa ideia, ela desatou-se a rir. E perguntou onde podia assinar o contrato (risos). Acho que quando cheguei à cosmética de luxo a revolução que consegui passou por pôr em prática essa filosofia. As mulheres estavam cansadas que lhes fosse dito que iam perecer-se com miúdas de 18 anos. Envelhecer pode ser benéfico e poder assumir isso era novo.
Nesse meio do luxo, parece-me que procuravas algo humano, foi sempre assim que funcionaste?
Sim, eu sou médico. Fiz dois anos nas urgências e vi muita gente morrer.... Muito novo percebi que a vida podia ser efémera. Só mais tarde fui viver para Paris, com 26 anos, e na altura era uma cidade onde as pessoas eram realmente bonitas. Agora já não me reconheço naquela cidade, fui agredido quatro vezes, por nada, a levantar dinheiro num multibanco.
Então achas que os odores que encontras agora na Comporta te transportam para a tua infância em Nice?
Sim, claro... Apesar de ter crescido no Mediterrâneo, a Comporta é o Atlântico, mas sim.
O cheiro sempre foi importante para ti?
Quando parei de trabalhar, aos 56 anos, a Comporta fez-me sentir novamente calmo e sereno. Deu-me vontade de criar, porque é realmente um sítio mágico. Queres ver fotografias da casa onde imaginei o perfume?

Posso ver sim, mas já vi coisas no Google.
No Google? (risos)
Foste para a Comporta à procura de solidão?
Sim, de serenidade. Porque durante anos tive de ir a jantares todas as noites, ia para representar marcas ou ia ao lado de estrelas (isso na altura da Dior). Mas a minha formação não era essa. Eu aspirava a outra coisa penso... Queria algo de equilibrado e o meu perfume nasceu de uma vontade de homenagear a Comporta. Comecei a desenvolver esta ideia em 2016. Encontrei uma quantidade de aromas olfativos e criei uma pirâmide de olfatos muito próxima da Comporta.

Mas tu querias criar um perfume terapêutico ou algo mais luxuoso?
O que eu quis fazer foi agradecer à Comporta, que me deu muita coisa em termos de equilíbrio e na maneira como me recebeu. E a beleza que me deu claro. Porque é realmente um lugar lindo. A Comporta correspondia à minha filosofia e vontade de me esconder um pouco, uma vontade de estar mais preservado.... Costuma-se dizer que na Comporta tudo acontece nas casas e que ninguém vê. É verdade isso.
Ao fazer este perfume quis transcrever a viagem que o olfato faz quando atravessa aquela zona. O perfume evolui muito ao longo do tempo, o nosso Eau de Parfum por exemplo tem cheiros mais quentes e amadeirados que tornam tudo mais sensual. Quando criei o perfume andei pelos restaurantes a mostrar às pessoas, tentava ver se se reconheciam no perfume... Cheiravam e diziam, "ah sim, é a Comporta."

A Alma de Comporta é isso?
A Alma existe porque tenho vontade de fazer muita coisa, eu percebi que aquela zona tem muitas facetas e é rica em experiências. E está a crescer com o golfe, o surf e a equitação e eu quero seguir esse desenvolvimento, quero participar nele.
Quem imaginas a usar o teu perfume? Que tipo de pessoas?
O meu perfume é no gender. Tudo o que pode ser usado por uma mulher pode ser também usado por um homem. Fiz parte de uma geração CK1 que foi o primeiro perfume unissexo... Isso inspirou-me obviamente.

Mas não queres ter um rosto associado ao teu perfume?
Talvez fossem precisos dois rostos ou um rosto que possa exprimir duas facetas. É óbvio que isso terá um custo e por enquanto só desenvolvi a marca aqui. Quero que corra bem aqui primeiro.
A alma dos objetos ou dos lugares é algo que importa para ti?
Eu procuro sempre uma bela alma e, no mundo de hoje, temos às vezes dificuldade em encontrar as nossas raízes. Acho que temos de tentar desenvolver belos valores humanos.
É incrível quando um perfume nos lembra alguém, não é?
A mim só me aconteceu duas vezes na vida entrar no táxi e o motorista virar-se para mim e dizer, "cheira bem". A primeira foi há trinta anos, com um perfume do Karl Lagerfeld e a outra foi com o Alma da Comporta. Fiquei contente... era o meu perfume.

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