Únicas entre iguais
Na Assembleia da República, cinco deputadas dos quatro maiores partidos deixam a certeza de que os ideais são comuns, mas não as ideologias.

A dignidade da função supõe integridade na atitude e atenção nos modos. Há uma animação no ar, uma amenidade entre diferenças. Estamos na XII Legislatura e um ano depois de eleitas, elas são a minoria de mulheres, um terço dos assentos, na Assembleia da República (AR). Participam nos Plenários e nas comissões parlamentares, legislam as questões da nossa cidadania. Tão variadas como a justiça, a defesa, a saúde, o ambiente, a igualdade, o poder local. Atuais, como o acompanhamento do programa financeiro ou o inquérito no processo BPN. A tempo inteiro trabalham duro nas bancadas dos seus partidos políticos.
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MARIA ANTÓNIA DE ALMEIDA SANTOS
“Este é o meu terceiro mandato pelo PS, fui eleita por Coimbra, tenho 49 anos. Sou advogada e jurista. Todas nós, excepto a Isabel Moreira, integramos o Grupo Parlamentar Português sobre População e Desenvolvimento. Sou presidente da Comissão Parlamentar (CP) de Saúde, coordenadora da Comissão de Saúde dos Deputados do PS e estou na CP de Defesa Nacional.” MÓNICA FERRO
“Este é o meu primeiro mandato pelo PSD, fui eleita por Lisboa, tenho 39 anos, fiz mestrado em relações internacionais. Estou na CP de Defesa Nacional, na CP dos Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, na CP de Inquérito no Processo BPN, no Grupo de Trabalho (GT) de Procriação Medicamente Assistida e na Subcomissão para a Igualdade.”
ISABEL MOREIRA “ TERESA ANJINHO
ISABEL MOREIRA
“Sou pela primeira vez deputada do CDS, por Aveiro, tenho 37 anos. Estou na CP de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na CP dos Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, estou na Subcomissão para a Igualdade na Comissão Eventual para Acompanhamento das Medidas do Programa de Assistência Financeira a Portugal, onde acompanho as negociações com a Troika. Dava aulas de Direito na Universidade Nova, onde fiz a tese de mestrado sobre violência contra as mulheres. A tese de doutoramento será sobre os direitos humanos, as mulheres e a igualdade.” PAULA SANTOS
“Estou no segundo mandato pelo PCP, fui eleita por Setúbal, tenho 31 anos. Sou engenheira química tecnológica, trabalhei no Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Estou na CP da Saúde, na CP do Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local, no Grupo de Trabalho do Álcool e Toxicodependência, nos Cuidados Paliativos, no Estatuto do Dador de Sangue, no Arrendamento urbano e Reabilitação urbana.”
'Se cada uma de nós não tiver medo de ser diferente, pode haver mudanças. A alteração das mentalidades começa por aí'Como administram o tempo?
Isabel - Em 12 anos a dar aulas, aprendi que o rigor é questão de respeito pelos outros. Raramente tenho tempo para almoçar.
Mónica - Muitas vezes deixamos a Comissão às três menos um quarto e o Plenário começa às três. Trabalhamos direto, sem paragens.
Teresa - A questão do tempo é difícil, preciso de dormir oito horas. Com frequência vou a Aveiro à sexta-feira e volto à segunda.
M.ª Antónia - Trabalho muitas vezes ao fim de semana.
Paula - Preciso de tempo para ter contactos com os eleitores.
Enquanto somos eleitas como representantes do povo, prestamos contas do nosso trabalho.
Isabel - Na Comissão, trabalho mais que no Plenário.
Mónica - Tem-se a agenda carregada, quando se está envolvida no partido. Fazemos coisas que não aparecem, que as pessoas não vêem.
M.ª Antónia - Além dos trabalhos da AR, temos os trabalhos dos partidos, com reuniões que acabam tarde de mais. Já tenho chegado a casa à uma e meia da manhã e no dia seguinte vou cedo levar o meu filho de 10 anos à escola.
Mónica - Para as deputadas que têm crianças em casa, é complicado haver reuniões marcadas para as cinco horas da tarde. Na Assembleia há uma creche para crianças até aos três anos, tenho lá a minha filha mais nova.
Teresa - Quando a mulher é mãe, também tem a responsabilidade da vida doméstica. As mulheres que trabalham ou as deputadas que falam no plenário estão a pensar se há leite em casa e quem o foi buscar. O meu marido trabalha em Condeixa, fico a semana toda com os meus filhos, tenho o apoio da minha empregada.
Paula - Conciliar o trabalho com outras tarefas não é fácil para as mulheres trabalhadoras.
Isabel - Houve um momento histórico na atitude da sociedade contra os deputados, quando o Manuel Monteiro em 2008 contestou a imunidade parlamentar, em face de possíveis casos de corrupção.
E as mulheres na Assembleia da República?
Mónica - A Maria Antónia é presidente da Comissão da Saúde. É a única mulher a presidir uma entre 13 comissões parlamentares e todas as outras eventuais.
Isabel - Já me pediram para preparar intervenções sobre determinada questão, e no Plenário foram homens a falar, para dizer o que eu preparei.
Paula - Cada grupo parlamentar decide como gerir as intervenções.
Teresa - No CDS cada deputado fala de acordo com a sua área.
Mónica - No PSD não há diferenças de intervenção entre homens e mulheres.
M.ª Antónia - Há algumas diferenças. Nos grandes partidos e nos mais antigos havia uma tradição para a maioria dos homens ainda falar. A oportunidade para as mulheres terem uma participação mais ativa na vida politica ou parlamentar decorre da lei da paridade. A lei diz que nos três primeiros lugares nas listas das eleições deve haver duas pessoas de um sexo e uma do outro. Mas nas listas os dois primeiros são sempre homens. A mulher aparece sempre em substituição de um homem, subalterna. Não é a mesma coisa.
Paula - O mais importante é criar as condições para as mulheres partilharem as tarefas, esta é a questão central.
Isabel - Hoje vejo os parceiros a dividirem a licença de parentalidade.
Teresa - A diferença entre a geração do passado e a de hoje é dividir. Mas muitas ainda dizem “o meu marido até ajuda”, isso é mau sinal, é discriminação. As mulheres também devem ser valorizadas em relação ao trabalho doméstico.
Mónica - Estive um tempo em Bruxelas quando a minha filha mais velha tinha três anos. Ela ficou com o meu marido em Portugal.
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O que mudou nas vossas vidas? Que ideais são os vossos?
Mónica - Mudou a gestão do tempo e das expectativas, as pessoas estão constantemente a pedir resultados. Quero ajudar a mudar o mundo.
Isabel - Apesar de estar virada para aqui, porque nasci na política, as coisas são mais difíceis do que pensava. Sabia que eram lentas, mas só se tem noção da realidade quando se presencia, quando se sente na carne. Mas ser deputada é a coisa mais honrosa, mais responsabilizante que fiz na minha vida. O pior que me podiam fazer era tirarem-me a mão que escreve, estou a trabalhar no meu quarto romance.
M.ª Antónia - Já sou deputada há sete anos, sinto responsabilidade acrescida, maior peso da legitimidade de um mandato popular. Tenho mais visibilidade política do que nas anteriores funções, factor de stress que assumo.
Paula - Estou nesta tarefa há três anos. Fui vereadora na Câmara do Seixal. São funções distintas, ambas positivas, a questão da vida agitada ou atribulada, eu já tinha. Uma hora no transporte não é tempo de mais. Aproveito para ler um livro ou trabalhar. Ideais? Dar voz às pessoas, prestar-lhes contas.
Teresa - Gosto do que faço. Fui responsável, agora sinto-me como porta-voz dos cidadãos. Muda a maneira de estar, com mais exigência interior no trabalho. Estamos num momento difícil e a mulher tem especial sensibilidade para o sofrimento. No nosso pequeno mundo, o trabalho é importantíssimo. Acredito que é possível preparar o futuro. É bom chegar a casa e dizer: dei o meu melhor.
M.ª Antónia - Quantas vezes me sinto frustrada… No caso da saúde, fazer coisas em termos de lei não significa que sejam feitas de facto, ou que as pessoas tenham melhor acesso ao tratamento. Mas não desisto, perante uma dificuldade procuro forças, animo-me, não é por rir que as coisas pioram.
Há um progresso na democracia?
M.ª Antónia - Sim. Quando falei contra o corte das pensões, recebi 800 emails num dia. Uma coisa é as pessoas fazerem barulho na rua, outra é escreverem aos deputados da República a dizer o que pensam.
Teresa - Se cada uma de nós não tiver medo de ser diferente, pode haver mudanças. A alteração das mentalidades começa por aí, defender a nossa posição, se não concordamos com o que é proposto ou acontece.
M.ª Antónia - Em todos os partidos há uma matriz ideológica.
Paula - Quer na vida quer na AR, temos um conjunto de propostas e princípios em que acreditamos. Sendo comunista, acho que através da luta dos trabalhadores podemos mudar, intervir, não baixar os braços e continuar a lutar. Não nos resignarmos. Determinante é a ação das pessoas.
