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Sexo e comida, uma história de atração

Comida e sexo estiveram sempre ligados. No nosso imaginário, na ficção, na vida - e na nossa própria biologia. Cozinhar é sexy, pode ser afrodisíaco ou o princípio de um encontro escaldante. E, na verdade, ambos podem ser passionais e começam sempre por uma história de atração.

09 de abril de 2019 às 07:00 Patrícia Barnabé
Até no Paraíso, entre Adão e Eva havia uma maçã. A partir daqui, tudo é possível no que à comida e sexo diz respeito. Sabemos que os frutos inspiram os sentidos e a imaginação: a manga, a banana, os figos, os morangos, o melão, o abacate (os Aztecas chamavam- lhe os testículos das árvores), as romãs e as amêndoas. Não só parecem imitar as formas do corpo humano como as suas texturas prazerosas, presentes também nas compotas e geleias, sugerem deleite. E consta que estas últimas, por exemplo, são especialmente eficientes no estímulo da libido feminina. Depois, há as afamadas ostras (diz-se que Casanova comia muitas para estimular a sua já excitada libido) e o marisco, em geral, mas também os doces, o chocolate, os gelados, o chantilly e o mel. O chocolate contém um químico que cria uma espécie de euforia, pois liberta a serotonina que regula o sistema nervoso e estimula a dopamina e a endorfina, neurotransmissores responsáveis pela saúde de vários êxtases humanos no cérebro, sejam o orgasmo, as drogas ou o jogo. E há, ainda, as especiarias conhecidas por aquecerem os sentidos como o gengibre, o ginseng, a canela, a noz-moscada e a malagueta. (Consta que o cardamomo, a menta, o limão ou o ananás são excelentes a melhorar o sabor do esperma.)
A internet está cheia de conselhos sobre alimentos, receitas e até usos gráficos da comida associada ao prazer sexual. Mas, antes dela, e até de forma mais elegante, a poesia e a literatura usaram nomes de frutos para substituir palavras de amor e desejo ou criar imagens sugestivas. Também inspiraram cenas eróticas no Cinema: a manteiga no Último Tango em Paris (1972), a devassidão gastronómica em A Grande Farra (1973), a lagosta de Flashdance (1983), a perdiz em Como Água para Chocolate (1992), o frigorífico inteiro em 9 Semanas e Meia (1986) ou o prato com camarão em Eu Sou o Amor (2009), para nomear apenas alguns. Na música, então, é difícil traçar um rasto, tantas são as referências, as mesmas que chegam aos dias de hoje cada vez mais sexualizadas pela cultura espoletada pela MTV. "A sexualidade é transversal ao pensamento humano, a toda a personalidade e factores humanos. E é uma matriz que transforma o nosso pensamento em relação às coisas. Da mesma forma, a nossa ligação com o mundo passa muito pela alimentação",diz-nos Ana Cardoso de Oliveira, da Psicólogos Associados, sentada no seu consultório, em Lisboa. "Por isso, é natural que as questões da sexualidade também evoluam à volta do que se come e da forma como comemos, um dos comportamentos humanos mais ritualizados."
 
Dias antes desta nossa entrevista, falou sobre o tema, na Associação Fermento, em Campo de Ourique, na capital: "Já repararam que é durante as grandes guerras e nas crises que nascem mais crianças?", introduziu, para depois nos levar onde tudo começa, na gravidez, e no discurso à sua volta, a começar sobre o que a futura mãe pode ou não comer. Além de existir um certo mistério à volta da sua sexualidade. "O enjoo é típico da alimentação e da viagem em que se vai embarcar." E a psicóloga faz essa viagem com a plateia, em jeito leve e humorado. Fala do estado de graça dos três aos seis meses de gravidez, "quando se ganham muitos direitos: come-se o que apetece e tem-se apetites extravagantes"; a partir dos seis meses, quando "chega o pânico de engordar e as angústias, fica-se mais imóvel e come-se às escondidas". Ainda mais evidente é a relação da mãe com o bebé que passa pela alimentação, "a hormona que liga a mãe ao seu bebé, um espaço de descoberta entre ambos" e que, uns meses mais tarde, recebe o pai quando a alimentação passa para uma colher. "Reparem, os adultos comem também – quando amamos uma pessoa ‘engolimos’ a comida dela e incorporamos o objecto de amor." E acrescenta: "Até a forma como nos relacionamos com o corpo do nosso bebé vai influenciar a forma como ele depois o vai reproduzir na relação com o outro." As crianças crescem, comem e sociabilizam e vice-versa, até à "emergência hormonal" quando "elas começam a comer muitos doces, uma forma de crescerem e de receberem a menstruação e surgem os hábitos alimentares extremos: eles começam a ficar mais incentivados para o desporto e andam em bando. Começam a beber e é a fase dos snacks. Elas lancham com as amigas na esplanada. Sexualmente, há uma pressão do grupo para corresponder à norma, ser cool é vestir como os outros e só comer determinadas comidas. É aqui que decidem se querem ser vegetarianos e fazem negociações à procura da sua identidade." As primeiras relações sexuais dão-se, normalmente, entre os 14 e os 17 anos e depois surge a primeira relação importante, aos 18 anos, e uma certa autonomia. "Começam a jantar fora, a experimentar uma sexualidade misturada com a ideia de romance que está nos livros e nos filmes, cozinham um para o outro ou saem para jantar e toda a corte é feita à volta do jantar porque a maioria das pessoas faz sexo à noite. Bem, agora é a moda do pequeno-almoço ou do brunch", remata, num sorriso. É à mesa que começam muitos romances, mesmo que a dita mesa seja substituída por uma toalha de piquenique. "Os avanços ou o fazer-se de difícil, a escolha do restaurante (se é sempre o mesmo ou se é um diferente de cada vez, se é exótico) e da mesa, a forma como abordam a mesa: se escolhem o prato sem serem influenciados, se gostam de comer do prato dos outros e de partilhar (por exemplo, escolher o mesmo do que outro pode ser uma forma de agradar, de fazer de conta que se gosta da mesma coisa na cama), há os que dividem tudo e os que não gostam de partilhar, os que comem por partes, os que partem tudo aos bocadinhos, os que têm nojos ou que escolhem sempre o mesmo prato, os que se atafulham de pão e não comem a refeição, os que comem muito, os que comem pouco, os que comem depressa e, ainda, a ideia da sobremesa (normalmente não comem, mas naquele dia comem). Tudo isto é interessante, depois, em termos sexuais porque podemos procurar esses sinais para perceber se aquela pessoa é [a certa] para nós." Por isso, acrescenta, "devemos ser muito claros sobre o que gostamos ou não nas primeiras saídas". Até o casamento é todo feito à volta da mesa, dos preparativos ao caldo-verde no fi nal da festa, a noite de núpcias com morangos e champanhe no quarto e a lua-de-mel. "A comida está sempre ligada ao afecto, daí que, quando saímos para um date, vamos jantar fora. Por isso demonstramos amor por alguém ao cozinhar para essa pessoa ou ao convidá-la para comer na nossa casa."
Comida e sexo são duas necessidades básicas porque delas depende a sobrevivência da espécie e em ambas são convocados e explorados os vários sentidos que é a mesma coisa que dizer prazer, mas também dor e mal-estar. Por alguma razão, quando levados ao extremo do vício ou da doença, podem ser prejudiciais à saúde física ou mental. Pela mesma razão, são das maiores alegrias da vida. E a cultura popular não se cansa de celebrá-los. Da mesma forma, muitos são os especialistas que estudam a razão porque fazemos dietas tão rigorosas ou comemos mais ou menos quando estamos tristes e porque escolhemos determinados alimentos para nos darem uma sensação de conforto emocional. Na verdade, com a cultura gourmet cada vez mais evidente, a comida passa a fazer parte cada vez maior da nossa vida – mais do que uma necessidade, ela glamoriza-se, sustenta a sociabilização, é um ponto forte na sedução. Até as reuniões de trabalho se fazem às horas do almoço, os encontros entre amigas realizam-se para um chá e numa saída à noite tomam-se bebidas. Esta também é a era em que a pornografia se dissemina, para o bem e para o mal. E a comida acompanha-a com o conceito de food porn, a espectacular glamorização da comida em fotografias, anúncios ou programas de culinária, dos quais a Internet e as suas redes sociais são grandes motores, muitas vezes em cenários improváveis ou irrealistas. Calóricas, exóticas, como que substitutas do sexo mais proibido ou sonhado, por isso mesmo fascinantes. No Reino Unido, tornou-se popular nos anos 90 com o programa de cozinha Two Fat Ladies depois do seu produtor descrever "a alegria pornográfica" da dupla de senhoras quando usavam grandes quantidades de manteiga e de natas. Como a pornografia, também a expressão food porn é criticada pela sua artificialidade, clichés, glorifi cação e idealização de modelos inacessíveis.
Judy Scheel, da revista Psychology Today, escreve que "às vezes, a comida e o sexo são usados como veículos e substitutos de contentamento ou de outras necessidades, isto é, a necessidade de intimidade e de proximidade, resoluções emocionais rápidas e, às vezes, para evitar a solidão ou, em extremo, para nos auto-inflingirmos ou manifestarmos baixa auto-estima". E acrescenta: "A necessidade daprofundar questões psicológicas e/ou relacionais torna-se aparente quando quer a comida ou quer o sexo são ‘usados’ predominante, exclusiva ou excessivamente para um geral e generalizado contentamento com a vida, quando se tornam os únicos prazeres. (…) Para alguns indivíduos, a sensação de ligação por que tanto anseiam nas suas relações – o que eles realmente procuram – parece-lhes demasiado complicada."
No livro Women’s Conflicts About Eating and Sexuality: the Relationship Between Food and Sex, de Rosalyn M. Meadow e Lillie Weiss (as quais ouviram variadas mulheres em consultório), as autoras comentam: "Quanto mais exploramos o fenómeno, mais encontramos uma parecença entre o conflito actual – comer ou não comer – e o dilema das mulheres, há 30 anos – fazê-lo ou não [o sexo]. (...) Há uma similaridade entre as questões com a alimentação de hoje, com os conflitos sexuais de há décadas atrás. (...) As mulheres continuam a reprimir os seus desejos básicos – sejam orais ou sexuais – para sentirem que são amadas." Ana Cardoso de Oliveira faz-nos reparar nos bebés gatos que foram separados demasiado cedo da mãe e continuam a repetir, no nosso colo, o mesmo padrão de nanar para o leite sair, comentando: "Esse é um momento de mimo para eles. Da mesma forma, as pessoas procuram, com a alimentação, recompensas e mimos. Os rituais alimentares passam por momentos de sedução, hierarquias de alimentação, etc. Nos leões e nas abelhas, por exemplo, a hierarquia é muito evidente. A sexualidade humana, por seu lado, é tão rica como os humanos. É emocional e cognitivamente sofisticada." Ainda na Psychology Today, Maryanne Fisher escreveu: "Existe uma relação muito próxima entre o amor, o sexo e a comida. Quando conhecemos alguém e estamos completamente encantados, muitas vezes perdemos a fome. Os nossos corpos produzem um estimulante químico, a feniletilamina, assim como a norepinefrina. Elas fazem os nossos corpos ficar alerta, vivos, em vertigem, excitados – e muitos de nós perdemos o apetite." Da mesma forma, "quando comes, usas muitos dos teus sentidos. Obviamente, usas o paladar, mas também a visão, o cheiro, o tacto. Estas sensações são as mesmas durante o sexo. E se alimentares o teu amante sensualmente, estas sensações podem ser aumentadas". Não será por acaso que utilizamos o verbo comer quando gostamos e, ainda mais, quando desejamos alguém.
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