O prazer em forma de brinquedo
Sex Toys: continuam a ser assunto tabu no nosso país, mas estão a conquistar cada vez mais portugueses.
Se a alusão a um vibrador incomoda muita gente, dizer que se usa um incomoda muito mais. Encontrar alguém que confesse recorrer aos denominados instrumentos de prazer é como tentar procurar uma agulha num palheiro. Entende-se a razão de tanta dificuldade: o uso dos sex toys faz parte do foro íntimo de cada um. Isto acontece em Portugal, porque em outros países também ditos democráticos e desenvolvidos, a questão é diferente. Se entre nós a comercialização desses estimuladores do prazer sexual só foi possível a partir do 25 de Abril de 1974, a verdade é que, passados tantos anos, só de se pensar num ingénuo vibrador de massagem para as zonas do pescoço e do colo femininos faz corar muitas mentes conservadoras. O que não é de estranhar nesta terra que ainda nem conseguiu designar as sex shops de rua pelo próprio nome. Também aqui o fosso que nos separa de outros países é abissal se atendermos que já em 1869 o médico norte-americano George Taylor tinha inventado o primeiro vibrador que era movido a vapor.
A classe médica dos EUA aplaudiu o invento e voltaria a regozijar-se, 11 anos depois, quando o médico Joseph Mortimer patenteou o primeiro vibrador electromecânico. Terra de tantas descobertas, os EUA manteriam a vanguarda neste sector quando a empresa Hamilton Beach patenteou e comercializou o primeiro vibrador eléctrico, em 1902. Ainda que relegado para as inocentes massagens do corpo feminino feitas em casa, este aparelho tornou-se o quinto pequeno doméstico a ser electrificado, a seguir à máquina de costura, à ventoinha, à chaleira eléctrica e à torradeira, e uma década antes do aparecimento do ferro eléctrico e do aspirador.
Nessa época, os vibradores tornaram-se tão banais que eram publicitados em revistas femininas de prestígio e em catálogos de grandes armazéns como, por exemplo, o vestuto Sears. Este estado de graça teve os dias contados quando, na década de 1920, o vibrador passou também a ser estrela no cinema pornográfico. Ainda assim, os Estados Unidos da América continuaram a contribuir para o progresso e popularização não só dos vibradores como de todos os outros instrumentos de prazer. Quem se recorda das heroínas da série Sexo e a Cidade falarem deles com desenvoltura? Charlotte Semler, a co-fundadora de Myla, a marca britânica de artigos sexuais de luxo para mulheres, admitiu o seguinte ao The Guardian: “Antes, ninguém falava de brinquedos sexuais ou de masturbação, mas a série [Sexo e a Cidade] dedicou a totalidade de três episódios aos diferentes tipos de sex toys. É claro que a [revista] Cosmo[politan] falava de sexo e de orgasmos, mas era como se nós tivéssemos um problema se não alcançássemos 10 orgasmos por noite. A [sex shop online] Ann Summers já vendia aí mais de meio milhão de sex toys, mas, ainda assim, ninguém ousava falar deles – eram vistos como algo mau e desesperante.” Kim Akass, estudiosa de cinema na Universidade Metropolitana de Londres, comentou também a esse jornal, a propósito da abordagem dos sex toys nessa série televisiva: “Acho extraordinário que as mulheres se sintam, agora, mais à-vontade para falar de vibradores, tenham-se elas decidido ou não pela compra de um Rampant Rabbit.”
Ora foi precisamente esse vibrador, conhecido também por Rabbit ou Jack Rabbit, que a série popularizou, da mesma forma consumista e algo exagerada como contribuiu para a divulgação de cocktails Cosmopolitans, de sapatos Manolo Blahnik ou de computadores da Apple. O sucesso foi tal que, aquando da estreia do primeiro filme Sexo e a Cidade, em 2008, a [sex shop online] LoveHoney lançou no mercado o vibrador Mr. Big, em homenagem ao personagem amado e desamado de Carrie Bradshaw. Nos EUA, que tem na China o principal fornecedor destes instrumentos, o recurso a sex toys é tão comum que até a popular Amazon.com se tornou, como se acredita, a principal fonte de aquisição, bastando clicar em Health and Personal Care para encontrar uma panóplia infindável de brinquedos sexuais. Assim, a Amazon.com passou a rivalizar com a velha e pioneira empresa de venda a retalho destes e de outros objectos sexuais, a Good Vibrations, de S. Francisco.
Os norte-americanos e os britânicos parecem ser os dois grandes consumidores de sex toys, a avaliar pela nossa pesquisa. Ambos chegam a realizar eventos em que as mulheres se sentem livres de usar esses brinquedos, como é o caso da famosa Cake, sedeada em Nova Iorque e Londres, que é a anfitriã de festas mensais nas quais se fazem demonstrações e vendas de dildos e de outros sex toys às mulheres, e a popularidade é tanta que até a Vanity Fair lhe fez referência num artigo.
E se em Portugal o uso de brinquedos sexuais aparentemente não existe, a edição inglesa da Cosmopolitan divulgou que, na intimidade, 54 por cento dos britânicos inquiridos na sondagem sobre sexo encomendada por aquela publicação admitiram usar brinquedos sexuais na intimidade do lar.
No nosso país, as estatísticas não existem e os sex toys aparentam ser uma questão de somenos importância. Não deixa de ser curioso verificar que foi um assunto secundarizado pelas mulheres no livro Fantasias Eróticas – Segredos das Mulheres Portuguesas, de Isabel Freire (A Esfera dos Livros). A obra, que compila 65 biografias sexuais de um total de 95 mulheres entrevistadas, conforme explica a autora, tinha duas questões sobre sex toys (40. Já entrou em alguma sex-shop? Com que frequência? O que adquiriu/consumiu? Utiliza os objectos sozinha ou acompanhada?; 41. Já comprou algum objecto estimulador via Internet? Qual?). Muitas das mulheres entrevistadas não responderam às perguntas números 40 e 41.
Das que responderam, há diferentes posições sobre o assunto, como seria de esperar: “Já tive vontade de entrar numa sex shop, só que ainda não consegui, apesar da curiosidade, e tenho pena que o meu parceiro não se sinta muito à vontade com essas coisas”, comenta uma heterossexual, de 44 anos. Outra, de 49 anos, conta: “Utilizo alguns objectos, mas compro pela Internet – é uma montra de informação a que também recorro para procurar casais swingers.”
Enquanto, em Portugal, começávamos a dar os primeiros passos numa sociedade livre (estávamos em 1976), nos EUA, Shere Hite já provocava os mais conservadores lançando um livro sobre um tema tabu para os americanos: o Relatório Hite sobre a Sexualidade Feminina (edição de autor), um estudo em que também se aborda a importância da estimulação do clítoris e a masturbação. Por cá, ainda teríamos de esperar muitos anos para falar naturalmente sobre sexualidade, e sobretudo de alguns temas específicos, como por exemplo o que diz respeito aos brinquedos sexuais que, noutras paragens, se tornaram corriqueiros a ponto de, nos recentes desfiles de apresentação das colecções Outono/Inverno 2010/2011, em Paris, o criador de moda alemão Bernhard Willhelm ter posto modelos a desfilar segurando sex toys.
Seja como for, os portugueses estão a comprar cada vez mais estes instrumentos de prazer, fazendo-o junto das sex shops ou no anonimato da Internet, em sites próprios. Mas este prazer não vive apenas de vibradores. Só numa sensual store de Lisboa, a Eroteca Sexto Sentido, podem encontra-se vários objectos de estimulação, com variadíssimas formas e várias vibrações, bem como diferentes anéis vibratórios e dildos, com preços que oscilam entre os 22.50 e 175 euros. Isto em Lisboa, porque quem puder viajar até Nova Iorque ou Las Vegas, conta com espaços de luxo para aquisição destes e de outros objectos eróticos, como a loja Kiki de Montparnasse, onde um destes objectos de prazer pode custar entre 95 e 375 dólares. De qualquer forma, há sempre o recurso ao site da marca. Para os mais afortunados ou excêntricos, há ainda o vibrador de ouro branco com 11 diamantes, fabricado pelos joalheiros parisienses Maison Victor, que custa 40 mil euros. O futebolista David Beckham optou por um com cristais Swarovski no valor sete mil euros. Diz-se que Victoria, a mulher, adorou!
De simples artefacto de plástico ou silicone a peça de joalharia, os vibradores e outros instrumentos de prazer existem, pois, entre outras condições da vida íntima – há que ser criativo quando a paixão arrefece e a rotina se instala. Pelo menos, é o que garantem alguns casais que passam por esta fase e encontram no recurso aos sex toys a solução para “apimentar” a relação.
Nos espaços de venda de artigos eróticos é frequente ficar a conhecer-se as motivações dos compradores, pelo que nos é assegurado que os brinquedos sexuais também servem como meio de auto-erotismo “para quem está só”.
Ana Oliveira, dona da Eroteca Sexto Sentido, diz que todos os dias recebe a visita de homens e mulheres de todas as idades, “com mais ou menos recurso económicos, mas geralmente com um nível cultural elevado”. Os vibradores são os artigos com mais saída, “e são adquiridos tanto por casais como por pessoas que estão sós, sem parceiros”.
Algumas teses sobre o papel dos sex toys na sexualidade asseguram que as mulheres que os usam ficam a conhecer melhor as suas zonas erógenas, estão mais familiarizadas com o seu corpo e, por isso, tiram maior partido das relações sexuais, pois podem guiar os parceiros de forma a obterem mais prazer. Mas não se pode dizer que haja uma associação entre a utilização de brinquedos sexuais e a qualidade da saúde sexual feminina. Pelo menos, é o que garante Patricia Pascoal, terapeuta sexual e membro da direcção da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica. Explica que, em contexto terapêutico, o assunto é abordado da mesma forma que são abordados outros, sem que a utilização dos sex toys, acessórios ou materiais faça parte de qualquer protocolo de intervenção. “A terapia vai ao encontro das necessidades das mulheres e do seu pedido de ajuda, contextualizando-o”, observa, defendendo que “não se deve prescrever formas de expressão sexual ou criar novas ‘tiranias’ mascaradas de libertação sexual.”
O acesso aos brinquedos sexuais está hoje facilitado e ainda bem, diz, para que as mulheres que se interessem pelo assunto e sintam que a sua vida sexual melhora com a sua utilização possam optar nesse sentido, mas alerta para um facto que nos passa muitas vezes ao lado: a utilização destes objectos “com materiais com pouca qualidade pode ser prejudicial e tóxico”. E a especialista deixa uma última nota: “É importante distinguir a recusa de utilização de brinquedos por inibição e a recusa como manifestação de auto-conhecimento erótico e demonstração de autonomia sexual da mulher.”
À DISTÂNCIA DE UM CLIC
Eroteca Sexto Sentido www.6sentido.pt
A Maleta Vermelha www.amaletavermelha.com
Kiki de Montparnasse www.kikidm.com
Myla www.Myla.com
Ann Summers www.annsummers.com
LoveHoney www.lovehoney.co.uk
Good Vibrations www.goodvibs.com
Cake www.cakenyc.com
Maison Victor www.victor-paris.com
OS CAMINHOS DO PRAZER
Esclarecemos as grandes questões em torno dos brinquedos sexuais com o psicoterapeuta Alexandre Nunes de Albuquerque:
A ‘banalização’ do sexo tornou algumas práticas consideradas arrojadas em algo que se deseja experimentar. O uso dos brinquedos sexuais é uma delas. Concorda?
Sim, sem dúvida. Mas sempre houve a utilização de objectos inanimados para fins excitatórios. Desde que temos capacidade de pegar em objectos, usamo-los não só para comer, mas também para outras satisfações de prazer. E, portanto, também de prazer sexual. Agora com a sofisticação dos objectos e a tomada de um lugar próprio no comércio consciente dos objectos sexuais, aumentou o seu consumo.
Ainda persiste a ideia de que as pessoas usam os brinquedos porque se sentem insatisfeitas na relação ou não têm uma...
É verdade, mas posso dizer-lhe, com base nas minhas consultas de sexologia, que a realidade é outra. As pessoas não usam só os brinquedos porque têm necessidade deles, mas porque precisam de explorar mais, dentro de uma relação que passa pelo jogo com o outro. E, nesse sentido, há cada vez mais casais a comprar brinquedos sexuais.
Há mulheres que gostariam de os trazer para a relação, mas têm pudor de o propor ao companheiro. É o peso da religião?
Sem dúvida. Em Portugal temos uma religião da culpa, em que o desejo não deve ser vivido como isento de pecado, a não ser que tenha uma funcionalidade. Por exemplo, a reprodução.
Os homens também têm tabus relativamente a este assunto?
Eles têm muitos tabus em relação à utilização de brinquedos, sobretudo porque a maioria dos objectos são representativos do pénis. E, por isso, em vez de se relacionarem de uma forma lúdica com os brinquedos, têm medo de se sentir em competição.
Os sex toys podem apimentar uma relação? O desejo e o prazer sexual podem melhorar?
Podem e vão melhorar. Os sex toys apimentam, estimulam e desenvolvem o desejo e o prazer sexual. Quando as pessoas se permitem explorar a sexualidade, percebem que existem outras formas de ir buscar prazer – e aí, os objectos aparecem como uma ajuda interessante para tridimensionar a sexualidade.
* com Manuel Dias Coelho
