O nosso website armazena cookies no seu equipamento que são utilizados para assegurar funcionalidades que lhe permitem uma melhor experiência de navegação e utilização. Ao prosseguir com a navegação está a consentir a sua utilização. Para saber mais sobre cookies ou para os desativar consulte a Politica de Cookies Medialivre
Atual

O FOMO está out?

O medo de “ficar de fora” – de uma festa estupenda, daquele filme que todos falam, da notícia de há dois minutos, ou, mesmo, de uma reunião de trabalho – invadiu as nossas vidas como um vírus que é agravado pelas redes sociais. Como já dizia António Variações: "só se está bem onde não se está, só se quer ir aonde não se vai".

13 de março de 2018 às 09:24 Pureza Fleming

São 19 horas e 30 minutos de uma sexta-feira e chove copiosamente. Numa das zonas mais trendy da cidade de Lisboa, o Príncipe Real, o cenário já acusa a diversão que tão bem caracteriza este dia da semana. Apesar da chuva, uma exaustiva afluência de carros com as suas luzes amarelas e encarnadas lutam por um dos escassos lugares de estacionamento, transportando dezenas de pessoas até aos bares e restaurantes mais cool do momento. Afinal, é o dia mais aguardado e, como me dizia uma amiga daquelas que não perde uma oportunidade, "a chuva nunca matou alguém". Da minha parte, os planos para essa noite "Mais uma igual a tantas outras" é o meu mote incluem não ter planos. No máximo dos máximos, um mergulho no sofá e um tête-à-tête com a minha mais recente aquisição da Amazon, um livro daqueles que promete melhor companhia do que qualquer lugar apinhado de gente e a devida confusão daí prometida. Confortável no meu sofá e, ainda mais, na minha decisão, pouco demora até que um scrolling no Instagram me relembre daquilo em que eu não estou a participar: uma festa, onde amigos meus partilham de uma euforia desmedida, via vídeos animadíssimos; um jantar fino e requintado de perfeitos estranhos que sigo através das redes sociais, onde só os talheres me fazem querer deitar fora o meu serviço da Ikea e, por favor, substituí-lo por algo mais decente. É o FOMO a dar de si. A realidade é que nunca estivemos tão conscientes daquilo que ‘não’ estamos a fazer. Ainda que as redes sociais tenham vindo a agravar esta ansiedade social, não nos podemos esquecer que, há mais de trinta anos, o cantor português António Variações descrevia bem esta insatisfação com a vida no êxito Estou Além, lamentando que só estava bem onde não estava e que só queria ir aonde não ia. Mas porquê esta insatisfação crónica que roça o infantil (de acordo com a Psicologia, o medo da exclusão começa por volta dos oito, nove anos), tão presente na pessoa adulta? Para o psicólogo António Tomás, o fenómeno psíquico que pode gerar graves casos de ansiedade tem a ver com a sensação de exclusão que, por sua vez, se prende com questões de fraca auto-estima, assim como insegurança por parte do paciente que sofre (verdadeiramente) de FOMO. "É uma forma idílica de vida, onde se procura o máximo de felicidade possível. Constantemente. Além disso, uma pessoa que está em todo o lado, a toda a hora, torna-se escrava de uma agenda impossível de gerir que resulta em sérios quadros de ansiedade." Comum à pessoa que sofre de FOMO é também a ideia de querer agradar a gregos e a troianos, sentindo que, aderindo a tudo e mais alguma coisa que se lhe apresenta, está a fazer parte de um grupo. O pior é que, no geral, a pessoa esquece-se daquilo que genuinamente quer e gosta de fazer como ficar em casa, numa sexta-feira chuvosa, a ler um livro e a comer pizza. Aquilo a que, no seu íntimo, faz sentido dispensar tempo e energia porque, convenhamos, "ir a todas" requer doses industriais de vigor, de boa disposição e de alegria.

As vidas bem vestidas da Internet

É fácil identificar, hoje em dia, uma pessoa que sofra de FOMO: ligamos o Facebook ou o Instagram e lá está ela. A saltitar de festa em festa, de evento em evento, do Instagram deste para o Instagram daquele, sempre com um sorriso estampado no rosto e uma catrefada de hashtags a acompanhar as imagens, a citar #bff, #friends, #nonstopfun entre outros que demonstrem o quanto este indivíduo está aí para o mundo. Chamo-lhe a pessoa omnipresente. Mesmo em termos de amizade, esta estranha forma de vida é anti-natura. Tal como dizia Aristóteles, "um amigo de todos é amigo de nenhum", o que significa que por mais K de amigos que se tenha no Instagram, a amizade verdadeira obriga a um singelo número que dificilmente ultrapassa os dedos das mãos. Quando tentei falar com algumas dessas pessoas, a maioria não consentiu, rejeitando a ideia de que poderiam sofrer desta síndrome. António Tomás explica que, além dos problemas de auto-estima e de insegurança de quem valoriza uma vida virada para o exterior logo, socialmente aceite , em detrimento do seu interior, a pessoa que sofre de FOMO é alguém com grandes dificuldades em dizer que não (à excepção de colaborar comigo neste artigo, é certo); acontece, ainda, que mesmo que essa pessoa marque presença em tudo o que é acontecimento, ela não se consegue sentir bem em lado algum, considerando, sempre, que está a perder algo melhor. Além disso, existe, conforme explica o psicólogo, uma procura por aquilo a que ele chama de Validação da Normalidade: "Elas sentem-se normais porque fazem aquilo que os outros estão a fazer, o que é, precisamente, o oposto daquilo que ditam as leis da felicidade." Ora, se este fenómeno já vem de traz, remontando aos tempos de António Variações e mais além, porque é que, só agora, a sigla FOMO, estabelecida em 2000 pelo marketeer norte-americano Dan Herman, tem vindo a ganhar terreno? "Naturalmente, as redes sociais em muito contribuem para o boom deste transtorno", aponta António Tomás. O mundo actual oferece-nos um leque de possibilidades como jamais o fez. Estamos a par de tudo o que está a acontecer à nossa volta quer queiramos quer não. Se o FOMO sempre existiu, as redes sociais tornaram-no viral. O Twitter, o Facebook e o Instagram são os "mosquitos" que distribuem o "vírus" FOMO, do qual dificilmente conseguimos escapar. No livro Alone Together (2011), de Sherry Turkle, a autora considera que todos sofremos de FOMO e que "é preciso atentar para o que a pessoa representa online". Nas redes sociais encontram-se, apenas, as versões idealizadas daquilo que as pessoas estão a fazer. Porque a Internet é excelente a mostrar o lado bonito da vida, mas terrível a mostrar a vida propriamente dita. Na mais recente noite de passagem de ano, eu e as minhas irmãs tivemos uma discussão. Somos três e bastante próximas, mas quando a coisa "aquece" resulta numa "explosão" e foi o que se passou na noite idílica de 31 de Dezembro. Horas depois, quando tudo estava mais calmo e até animado, começámos a publicar empolgantes stories no Instagram. Nada apontava para a discussão que havíamos tido umas horas antes. Serve isto para dizer que na Internet nem tudo o que parece é. Tenho uma amiga que está a passar por sérias complicações no seu casamento, mas quem não a conhece e a segue no Instagram, acredita, piamente, que tudo é um "mar de rosas" na sua vida porque ela só mostra o casamento perfeito, os filhos lindos e bem vestidos qual ¡Hola! espanhola , a casa impecavelmente adornada. Enfim, o teatro da vida real que a Internet passou a tornar possível e que provoca nos inseguros internautas uma constante sensação de vazio nas suas vidas. A galinha da vizinha passou a ser, sempre e invariavelmente, melhor que a minha. Outra agravante deste problema é que impede as pessoas de viverem o momento presente. Estamos sempre com a cabeça no lugar que não é o nosso. Seria bom recordar mandamentos como a máxima do Carpe Diem (aproveitar o dia) e, até, alguma literatura New Age que defende, com unhas e dentes, que o segredo para a felicidade é estar no aqui e no agora. Em The Grant Study (1938), um estudo realizado pela Universidade de Harvard e efectuado ao longo de oito décadas que procurou descobrir a chave para a felicidade, não foi a beleza, o sucesso profissional e nem sequer a inteligência que se destacaram. Muito pelo contrário, o que este estudo provou é que não há nada tão poderoso como as relações humanas fortes e sinceras em detrimento das relações com os telemóveis. Ainda que as intenções das redes sociais sejam as melhores, permitindo que haja uma melhor e mais fácil conectividade entre pessoas, a questão é que o descontrolo no seu uso só tem tornado a vida de cada ser humano absolutamente miserável. As aparências iludem. E depois desiludem.

MOMO: o Mistério de Ficar de Fora

À velocidade a que as coisas acontecem no mundo internauta, não seria de admirar que, na sequência do FOMO, rapidamente viesse a emergir um novo fenómeno que se caracteriza pelo pânico sentido quando alguém deixa de fazer publicações. Sabe-se que essa pessoa continua por aí a fazer os programas mais apelativos, mas não os está a partilhar. Porquê? Deixou de gostar de mim? Corre por aí algum segredo de que eu não esteja a par? Terá posto fim ao Instagram e terá, agora, uma nova e mais sofisticada app? As dúvidas surgem em catadupa e com elas o medo de se ter sido excluído do círculo dos Quatro Mosqueteiros. Tudo porque alguém resolveu fazer uma pausa na sua vida digital. Falamos do MOMO, o mistério de ficar de fora. Isabel, de 31 anos, conta-me: "Tenho umas quantas contas preferidas que visito, religiosamente, todas as manhãs. Se estas ficam ‘em silêncio’, eu fico com MOMO." Admite que entra em stress, imaginando que estes instagramers possam estar a fazer alguma coisa mais interessante do que ela. "Penso: ‘O que é que pode ser tão espectacular que eles nem sequer partilham?’" "Inserindo-se num novo contexto, o MOMO não é novidade", explica Terri Apter, psicóloga na Universidade de Cambridge, num artigo do The Daily Telegraph. "Está provado que mais do que ter o essencial para sobreviver ou até para nos sentirmos confortáveis precisamos de coisas que nos façam sentir parte de uma cultura. E isso inclui informação." Habituámos-nos a saber tudo a relação que X terminou e o emprego que Y começou e, de repente, tiram-nos isso e entramos em colapso. "Os nossos avós ou pais podem estar habituados a não saber o que se passa, mas as novas gerações não", conclui. Felizmente, são cada vez mais as pessoas que não só não publicam todos os passos que dão nas redes sociais como se recusam a comparecer em tudo o que são solicitações sociais. Estar out começa, finalmente, a ser in. Na noite dos mais recentes Globos de Ouro, a Vogue espanhola publicou um vídeo que mostrava Jennifer Lawrence (a actriz não tem Twitter, nem Instagram, deixando os fãs com crises de MOMO) com metade do rosto maquilhado e a outra metade natural. Entre risos, ela dizia à amiga, a também actriz Emma Stone: "Sabes porque estou [com a cara] assim? Íamos juntas à festa [dos Globos de Ouro], mas mudaste de ideias e pediste-me para ficarmos antes em tua casa." E assim foi. As duas coqueluches de Hollywood trocaram a festa por um descontraído serão, assim como os longos vestidos pretos por trajes quentes e despreocupados. A bem dizer, a experienciarem um lisonjeiro estado de JOMO (Joy of Missing Out). Isto é, a alegria de ficar de fora. 

Artigo publicado na edição de março da revista.

Leia também

Sabia que há pessoas pagas para dormir?

Já dizia Confúcio, “escolhe um trabalho de que gostes, e não terás de trabalhar um dia na vida”. Conheça 10 empregos de sonho que afinal são reais. E prepare o seu CV.

Tem a certeza que quer desligar?

Num universo veloz, onde as cabeças vivem mergulhadas em dispositivos electrónicos e o mundo real começa a perder relevância, a urgência de parar e viver ganha proporções clínicas. O momento é de desconectar, seja através de um detox digital, seja por via de um mero shut down. Isso e voltar a ser humano.

O poder de um período sabático

Fazer um balanço de vida, redescobrir o que é essencial, realinhar propósitos, recarregar baterias ou preparar-se para um próximo ciclo. São muitas as motivações para se tirar um período sabático. Se um dia nos disseram que parar é morrer, o mundo de hoje exige-nos o contrário: parar não só não é morrer como se revelou vital.

Os miúdos estão bem?

O que leva uma mãe a criar um espaço online baseado nos filhos? Expondo a vida familiar – com fins comerciais ou não – como combate a um dos lados mais negros do digital: haters, pedófilos e outros perigos que se escondem por trás dele?

Como tirar boas selfies?

Desengane-se: não basta apontar a câmara e tirar a foto. Conversámos com três bloggers – verdadeiras profissionais do mundo digital – que nos contaram os seus truques.

As Mais Lidas