O ator alta-costura
Este sobredotado de 24 anos encarna Yves Saint Laurent no filme biográfico de Jalil Lespert. Fotografado por Hedi Slimane, diretor artístico da mítica casa, Pierre Niney fala-nos da sua metamorfose.

É um galã de contrastes. Figura esbelta – simultaneamente moderna e clássica –, dicção de teatro, uma postura sustentada provavelmente por uma excelente educação. Nem trash nem convencional, Pierre Niney parece capaz de tudo e destinado a todas as cobiças. O ator acaba de encarnar Yves Saint Laurent, contracenando com Guillaume Gallienne no papel de Pierre Bergé, no muito esperado filme biográfico que Jalil Lespert dedica ao costureiro.

Pierre Niney, 24 anos, jovem ator da Comédie-Française, revelado no ecrã por J’aime regarder les filles, de Frédéric Louf, Comme des frères, de Hugo Gélin, ou Vingt ans d’écart, de David Moreau, é descontraído, trocista, sobredotado. Encantador. Casting(s), a minissérie que escreveu com os seus amigos Ali Marhyar e Igor Gotesman, e Yves Saint Laurent, aprovado por Pierre Bergé, num papel acelerador de carreira, vão certamente valer-lhe um grande reconhecimento. Entrevista com um jovem que mantém os pés na terra.
Considera ter pontos em comum com Yves Saint Laurent?

Em algumas fotos de Saint Laurent, parece-me estar a ver o meu pai quando fez o serviço militar. Este elo criou logo uma certa intimidade quase familiar com ele. Tenho a sensação de o conhecer. Para mim, Yves Saint Laurent confunde-se com a ideia da perfeição. Embora o temperamento dele pareça ser muito diferente do meu, a vontade de criar e uma certa precocidade fazem com que nos pareçamos. Tal como ele, também eu sou impaciente. Ele emociona-me. O seu magnífico discurso de adeus à moda causa-me uma forte emoção. Desempenho este papel com o coração.
É possível recusar um projeto destes?
Encontrei-me com Jalil Lespert com uma cerveja à frente depois de um ensaio na Comédie-Française. Não o senti particularmente fascinado pela moda. Eu também não o sou, mas temos ambos em comum uma grande curiosidade pela personagem e pela sua história de amor com Pierre Bergé. Jalil falou-me do seu projeto de uma forma muito íntima e muito francesa. Mas, ao mesmo tempo, não exclui o filme biográfico à americana. O filme conta a genialidade de um jovem. Reporta-se aos anos 1958-1976. Começa com Yves na casa Dior – com 21 anos – e termina com o desfile dos Ballets Russes que os especialistas consideram o mais belo de sempre – tinha ele 40 anos.
Qual foi o seu método de trabalho?
Decidi adotar o método buldózer. Ler tudo. Ver tudo. O meu apartamento ameaça ruir sob os montes de fotografias e de livros. No primeiro dia de filmagens, estava impaciente. Elaborei uma playlist desde o início da preparação. Ouvir Retrograde, o trecho de James Blake, ajudou-me. Fui até à caverna de Ali Babá da Avenida Marceau. O cão do Yves ainda lá está. Na minha primeira visita, Pierre Bergé estava à minha espera. Falou-me do Yves, do seu sentido de humor, do casal que eram. Mostrou-me documentos relacionados com o aspeto mais privado de Saint Laurent, como o questionário de Proust filmado por Jeanloup Sieff, do qual podemos ver alguns fragmentos em Yves Saint Laurent-Pierre Bergé, l’amour fou, de Pierre Thoretton. Yves, de cabelo comprido, abre-se como nunca.
Esteve com outras pessoas próximas de Yves Saint Laurent?
Betty Catroux [NR: musa do costureiro] foi uma ajuda preciosa. Tem sentido de humor e elegância – uma qualidade partilhada por todos quantos rodeavam o costureiro e que tende a desaparecer. Betty diz muitas coisas que os outros calam. Ela desempenhou junto dele os papéis antiéticos de demónio e anjo da guarda.
Yves, o extralúcido, viveu a descida aos infernos da depressão, das anfetaminas, dos tranquilizantes… Perdeu-se por maus caminhos. Betty esteve muitas vezes com ele ao telefone quando ele não estava bem. Saía com ele no seu pequeno automóvel quando estava mais sereno.
O facto de ser Guillaume Gallienne a desempenhar o papel de Pierre Bergé contribuiu para lhe dar segurança?
Eu conheço o Guillaume – excelente ator, homem de caráter, bondoso mesmo – graças às peças que vemos um do outro, pois nunca tínhamos trabalhado juntos.
Jalil desejava concentrar-se na paixão deles. O filme termina em 1976 porque eles põem fim à sua história… sem verdadeiramente porem fim. Trata-se, sem dúvida, do meu maior investimento na representação de uma personagem, mas o filme deve manter-se um divertimento lúdico no sentido mais nobre do termo.
Harvey Weinstein será o distribuidor da longa-metragem de Jalil Lespert nos Estados Unidos. Conheceu-o?
No último Festival de Cannes, por volta das 2h30 da manhã, numa praia improvável, vieram dizer-me: “O Harvey Weinstein quer falar consigo.” Ultrapassei a barreira de quinze gorilas – uma cena de filme – e conversámos. Ele tinha o argumento do filme na cabeça, acabara de ver Vingt ans d’écart, evocámos Saint Laurent. É incontestavelmente uma personagem.
O que é que o atraía na profissão de ator?
Tive essa intuição quando vi François Morel na peça Les pieds dans l’eau. Tinha seis anos, nenhuma inibição e comecei a falar com ele. Ele respondeu-me improvisando e fez rir todos na sala. Os meus pais ficaram embaraçados. Achei que ter a capacidade de estar em cena e reagir era uma espécie de superpoder. E os bastidores fascinavam-me. Não posso contar-lhe o que se passa ali, iria matar a magia, mas é fantástico ter o direito de lá estar. Alguns atores muito aplicados ensaiam sozinhos os seus textos, outros barafustam porque a cena não correu como desejavam. Outros ainda jogam xadrez, escrevem um livro ou ensaiam a sua próxima peça. E também há coisas muito banais. Na verdade, foram os bastidores que me levaram a fazer teatro.
E ainda por cima na Comédie-Française…
Gosto da noção de fidelidade a um grupo, nomeadamente no mundo das artes.
Provém também de uma família de criadores…
A minha mãe é artista plástica. O meu pai, professor na escola de cinema Femis, realizava documentários. Devo-lhes muito. O meu pai mostrou-me desde muito cedo os filmes de Hitchcock e de Chris Marker. Nos nossos almoços de domingo, havia na minha família – eu era o único rapaz – uma verdadeira relação com a poesia. Lá em casa não se encontrava um único filme da Disney, antes O rei e o pássaro, de Paul Grimaud.
Diz-se que tem um jogo estranho com os seus amigos…
Sim. Desde a escola primária que lançamos desafios uns aos outros – um exercício excelente. Onde quer que estejamos, colocamos um chapéu no chão e tiramos à sorte o desafio do dia. Tomámos duche em cuecas com gel de duche, em plena Time Square. Ficámos dias inteiros sem falar e aí era preciso recorrer a subterfúgios. Quando éramos mais novos, entrávamos em festas fingindo ser quem não éramos – empresário, advogado – e contávamos o número de convidados que tínhamos conseguido enganar.
Peças de teatro, uma minissérie televisiva, parece multifacetado… Como é que se escreve uma peça aos 18 anos sobre os imigrantes ilegais?
Escrevi Tão perto de Ceuta depois de ter visto as imagens de uma tentativa de passagem ilegal de imigrantes nos dois enclaves espanhóis do Norte de África em 2007. Na rede tinham ficado presos pedaços de pele e de roupa. Era um local de troca e de não troca, um meio-termo, um no man’s land ao estilo de Koltès. Mas também gosto de Jean Dujardin e daqueles grandes depressivos que são Jim Carrey e Benoît Poelvoorde. Trabalho neste momento num filme sobre o riso. E tenho projetos de longas-metragens em inglês. Atualmente, tenho a sorte de receber propostas de argumentos e de papéis.
Muriel Mayette, diretora da Comédie-Française, refere a sua desobediência. O que quer ela dizer com isso?
[Enigmático] Por vezes é preciso saber desobedecer para levar o trabalho mais longe.
Como é que imagina a sua evolução?
Um dia atrás do outro, ou seja, tranquilamente.
