“O amor supera qualquer preconceito.” Ana Cabral e Cristiana Branquinho, atrizes revelação no filme ‘Lobo e Cão’
‘Lobo e Cão’, filme inesquecível de Cláudia Varejão, chegou aos cinemas. Aborda o final da adolescência e como jovens queer fazem face ao quotidiano num lugar remoto e extremamente religioso. Conversa e questionário com as duas protagonistas.
Na ficção, Ana e Cristiana vivem uma paixão à qual não podem escapar. Estão à nossa frente numa chamada de Zoom sentadas em casa, já longe dos Açores onde decorre a ação de Lobo e Cão. Ana estuda engenharia no Porto há cinco anos. Cristiana foi arrebatada pelo que viveu nas filmagens, dedica-se ao teatro a tempo inteiro, tem 19 anos, estuda nas Caldas da Rainha. "Eu sempre gostei de performance e de ter público, só que eu tinha medo de falar, muito medo mesmo", diz.


Mesmo com a distância de uma chamada Zoom, sentimos em Cristiana uma personalidade forte, uma energia fora do comum. Tem sotaque da ilha, a voz alegre e espontânea: "a Cláudia Varejão estava a fazer o casting e foi ver uma aula de dança onde eu estava, disse-me para fazer de conta que ela não estava ali, é claro que eu me empinei logo toda, e não fiz nada do que me disse", diz entre risos. A protagonista, Ana Cabral, está praticamente em todos os planos do filme, a sua presença lembra-nos a atriz Rita Durão nas obras de João César Monteiro ou José Álvaro Morais, um rosto que ilumina o ecrã, um corpo que respira Cinema.

Lobo e Cão relata o quotidiano de jovens LGBTQI+ nos Açores. Como vivem e são aceites pelas famílias, o que os faz sonhar numa ilha cheia de crenças religiosas, onde o horizonte acaba no mar e os faz inevitavelmente pensar em partir. "Essa ideia de sair está sempre presente na nossa infância e adolescência", diz Ana, "crescer em São Miguel, não é como estar numa aldeia do continente e apanhar o autocarro para ir a Lisboa. E não tem só a ver com a distância geográfica, há o fator económico e há um isolamento diferente. Eu tive a oportunidade de sair de lá, há pessoas que não podem ter esse sonho, estão mesmo presas na ilha."


Cristiana lembra que só viu uma peça de teatro em São Miguel. "Nunca mais me esqueci, quase não vão lá espetáculos." A música pop vinda da América fazia com que se imaginasse bailarina de Ariana Grande, "eu queria fazer Arte, mas pensava que tinha de ser fora de Portugal, por ser um país onde as Artes ainda não são muito apoiadas. Ainda assim, o meu coração continua na ilha. Na minha opinião (e é só a minha opinião), penso que para ser alguém é preciso sair... Nos Açores são sempre as mesmas pessoas, as mesmas oportunidades", remata.


A narrativa do filme de Cláudia Varejão foi escrita a partir de vivências do elenco, há atores muito jovens e rostos mais velhos marcados pelo trabalho no mar. É fascinante a verdade desses adultos. "O filme é muito especial, não tenta demonizar ninguém, não tenta apontar o dedo e dizer que estes são os vilões. Há muita empatia pela humanidade, e é abordada a necessidade da comunidade queer em sentir espiritualidade e que pode ser aceite num círculo daqueles", diz Ana num raciocíno pausado.
O filme ganhou o prémio principal da secção Giornate degli Autori, paralela ao Festival Internacional de Cinema de Veneza, "eu ainda não acredito que fui", diz a espontânea Cristiana. A equipa descobriu as imagens ao mesmo tempo que o público de Veneza, emocionados, ficaram abraçados em grupo no final da projeção. Já em São Miguel houve uma estreia com toda a equipa e familiares dos atores. Cristiana conta a reação da avó. "Ela é muito religiosa e quando houve a parte em que nós nos beijamos as duas, a sala ficou completamente em silêncio, e eu ouvi um barulho com a boca (faz um estalo de língua) ... Sei que era ela, a minha avó faz aquele barulho... Mas quando o filme acabou ela veio ter comigo e estava a chorar, disse-me que gostou muito." Cristiana acrescenta com vivacidade, "este filme vai ser capaz de abrir outras mentalidades porque o amor supera qualquer preconceito."


Questionário Proust - Ana Cabral
Qual é o teu ideal de felicidade?
A felicidade nunca é algo que se atinge. Acaba por ser a aceitação de que felicidade não é uma meta.
A pessoa viva que mais admiras?
A minha mãe.
Qual é a coisa mais excêntrica na tua personalidade?
Eu não como fruta. Eu tenho fobia a fruta, vai para além do que posso controlar.
Qual é o teu herói de ficção preferido?
Acho que não tenho um herói de ficção.
Qual é o teu maior medo?
Falhar.
O teu objeto mais precioso qual é?
É um colar que a minha mãe usou durante a vida toda. Deram-mo a mim quando eu nasci, mas foi a minha mãe que o usou a vida toda. Agora o colar passou para mim.
O teu passatempo preferido?
Ver filmes, comer e ouvir música.
Onde gostavas de viver?
Quero viver onde sinta que estou a fazer algo de que goste e que me preencha. Um sítio ao qual possa chamar casa tem ambos os critérios.
Qual é o teu mote para a vida?
Não tenho.

Questionário Proust - Cristiana Branquinho
Qual é o teu ideal de felicidade?
Ter estabilidade no máximo de parâmetros possíveis. Emprego, relacionamentos familiares. As mudanças chocam comigo.
A pessoa viva que mais admiras?
A minha mãe.
Qual é a coisa mais excêntrica na tua personalidade?
Quando fico nervosa não paro de falar.
Qual é o teu herói de ficção preferido?
O Capitão América por causa do Chris Evans.
Qual é o teu maior medo?
Falhar.
O teu objeto mais precioso qual é?
No funeral do meu pai pus-lhe um género de um terço como pulseira. Agora ando com isso para todo o lado, é como se fosse um objeto da sorte.
O teu passatempo preferido?
Aprender coreografias.
Onde gostavas de viver?
Quando for mais velha gostava de ter uma casa à beira-mar mesmo em São Miguel, nos Açores.
Qual é o teu mote para a vida?
Levanta a cabeça senão o cu aparece.
