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"Na altura, os modelos não eram bem vistos, tal como são agora", conta Mi Romano

Emília Romano ou Mi Romano, como é carinhosamente tratada por todos, exala uma aura de graciosidade que contagia todos em seu redor. Denota uma serenidade e uma beleza genuínas que mantém intactas.

Foto: Pedro Ferreira
08 de agosto de 2019 às 07:00 Máxima

Ex-modelo profissional, Mi foi dos primeiros rostos portugueses a trabalhar como modelo além-fronteiras e, entre várias campanhas de sucesso, fez um editorial de moda para a marca Chanel. Nas aventuras profissionais acompanhou-a o também ex-modelo Tó Romano, de quem é companheira de negócio na agência Central Models que ambos fundaram, em Portugal, nos anos oitenta. Mi Romano é também a mãe de Afonso e de Gustavo, psicóloga e uma mulher do mundo. Sempre com um sorriso, narra-nos as aventuras da sua vida. Partindo do momento em que se tornou modelo devido a um acaso, numa época em que sê-lo ainda não era um desejo admirável, até ao momento em que escolheu o outro lado do espelho.

Mi Romano nasceu no Porto, onde estudou Psicologia (curso que só terminaria depois de os dois filhos terem crescido e saído de casa), uma área de conhecimento que a apaixonou, desde sempre. Mas a vida trocou-lhe positivamente as voltas e acabou por se tornar modelo, aos 19 anos, profissão onde conheceu o marido Tó Romano (começaram a namorar em 1982 e casariam em 1998). Viajou pelo mundo, conheceu outras culturas, alargou horizontes. Com o marido fundou agência de modelos Central, em 1989. Ao longo de três décadas, os dois catapultaram para o sucesso modelos, talentos, influencers… Destacando-se, nos primeiros tempos da agência, a modelo Júlia Schonberg, que acabou por se focar na carreira internacional, desfilando para criadores como Jean Paul Gaultier.

Surgiram nomes, entre muitos outros, como Paulo Pires e a mulher, Astrid Werdnig, os irmãos Pedro e Ricardo Guedes, Luís Borges, Francisco Henriques e, claro, Sara Sampaio (que Tó Romano descobriu num casting quando a modelo tinha 15 anos). Ao longo de gerações de modelos, Mi continua, desde o primeiro dia, a educá-los e a transmitir-lhes os valores em que acredita, atenta àqueles que sonham com um futuro no estrelato.

Mi, é verdade que ter sido modelo foi um acaso?

Eu nunca pensei ser modelo. Eu era tímida. Mas, um dia, uma colega pediu-me para a substituir [num casting] quando eu tinha 19 anos. Lá fiz [o casting]… E foi um outro cliente que me chamou para trabalhar. No primeiro dia em que comecei a colaborar com essa marca, conheci o Tó [Romano] e estava muito atrapalhada… Disseram-me que na sala ao lado estava um modelo no mesmo estado [nervoso] que eu! Fui à sala e vi um rapaz louro que estava, de facto, muito atrapalhado e a mastigar uma "chiclete" e a olhar para o chão [risos]. Tínhamos ambos caído lá de "paraquedas"…

Como é que tudo evolui a partir daí?

Por coincidência, ambos começámos a trabalhar para a [marca portuguesa] Traffic, coincidindo com a altura em que começámos a namorar. Tínhamos 20 anos… O Tó estava no curso de Arquitetura e eu no curso de Psicologia. Na altura, os modelos não eram bem vistos, tal como são agora, mas o dinheiro era aliciante e começámos a aceitar trabalhos e a gostar do que fazíamos, especialmente quando começámos a conhecer pessoas. Desfilávamos juntos nas feiras da PORTEX [feira representativa da indústria nacional de vestuário, no Porto] e da MOCAP [Mostra de Calçado Português]. Entretanto, em Portugal não havia uma agência de modelos, pois o que mais havia era desfiles e showrooms. Não havia revistas de moda [portuguesas].

Foi nessa altura que ambos foram à procura de uma agência?

Sim. Juntámos dinheiro e fomos a Espanha encontrar uma agência-mãe. Arranjámos a Olé (mais tarde passámos para a Group, que já não existe) e viajámos juntos durante cinco anos, a trabalhar, por Espanha, por Itália, pelo Brasil e pelo Japão… Essa agência permitiu-nos ter um portefólio, um composite... Adorávamos viajar e sentíamo-nos afortunados. O Japão foi uma experiência incrível porque nos ajudou muito a pensar "fora da caixa", a conhecer outras culturas, outras pessoas, outras agências, outros mercados, outros modelos… Como vivíamos nesses sítios, podíamos ter todo esse conhecimento. Como eu sempre tive a paixão por Psicologia, andava fascinada com isso tudo. E o Tó com a Arquitetura! Nessa altura, há bem mais de 30 anos, ele também já pensava: "Porque não havemos de abrir uma agência nossa?"

Acabam por fazê-lo, em 1989. O que recorda dos primeiros tempos da Central?

No fim das viagens, eu pensei que não iria acabar o curso de psicologia, tanto mais que o Tó queria abrir a nossa agência naquele momento. Mas foi o momento exato. Deu-se a "explosão" dos canais de televisão, das revistas de moda, da ModaLisboa… O Tó tinha mais essa noção do que eu, que não percebia o porquê de tanta pressa, pois tinha tido o nosso filho Afonso, há dois meses! E começámos assim: eu, o Tó, um telefone e um fax… Foi assim que a agência abriu, situada no Bairro Alto, na Rua João Pereira da Rosa. Hoje, é impensável abrir-se alguma coisa dessa forma. Os nossos colegas eram os nossos agenciados e, a partir daí, começámos a habituar os clientes às tabelas de preços, [para os trabalhos] levávamos a maquilhagem, os acessórios, tratávamos dos cabelos e fazíamos portefólios. Na altura, reunimos os fotógrafos que mais achávamos que tinham o "olhar" para a moda: o Paulo Valente, o Daniel Blaufuks, o Carlos Ramos, o Pedro Cláudio. E fizemos uma exposição.

Como é ter vivido tudo isso sem a era do digital e ter testemunhado essa mudança?

Na altura foi inovador trabalharmos com os portefólios e com os composites [dos agenciados]. Todos os meses mandávamos imprimir dois mil composites de nove modelos e depois fazíamos conjuntos para mandar aos clientes e às revistas. Porque ainda não havia telemóveis, os modelos tinham de nos ligar todos os dias, ao final da manhã e ao final da tarde, para saber se nós precisávamos de alguma coisa. Eles precisavam de andar sempre com moedas para fazer telefonemas nas cabines telefónicas. Às vezes, nós mandávamos telegramas a dizer: "Liga-nos com urgência!"

O que é que a Psicologia lhe trouxe de bom para o trabalho com esses jovens promissores?

Quando eu entrei para Psicologia só havia Psicologia Clínica e não me interessava tanto ir por aí. Quando retomei o curso, até as lágrimas me vieram aos olhos porque já havia uma série de tipos de psicologia em áreas diferentes, como a social, a positiva… E acabei por ir para recursos humanos. Adorei! Depois apaixonei-me pela Psicologia Positiva, onde há uma faculdade, em Harvard, que a leciona há mais de dez anos! Agora o nosso produto, em termos de empresa, são seres humanos [e a Psicologia] deu-me mais sensibilidade e deixou-me mais alerta. Eu aprofundei temas que me ajudam muito no dia a dia. Tento ensinar as modelos e os modelos a gostar, a aprender e a viver com a altura que têm, bem como a respeitar o próprio corpo. Não queremos transformar corpos. Nós motivamos os modelos para que estejam no seu melhor. A personalidade é muito importante e a moda é uma fatia pequena de tudo o que um modelo pode fazer.

Um dos últimos editoriais de moda que fez como modelo foi para a Máxima. Recorda-se?

Eu tenho esse editorial em nossa casa! Foi feito, em abril de 1989, pela então diretora de moda da Máxima, [Maria da] Assunção Avilez, com o fotógrafo Paulo Valente. Estava grávida de dois meses e isso ainda não se notava. Era a minha primeira gravidez... Lembro-me que me pediram para subir a um telhado e estava com tanto medo de cair que nunca mais me esqueci.

O que mais mudou no sector da moda, em geral, em Portugal?

Ganhou-se mais autoestima e confiança. É lindo de se ver modelos a dar cartas lá fora. Não só modelos, como também marcas. São bons exemplos portugueses. Finalmente!

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