Margarida Correia, CEO da Amorim Fashion. “É mais fácil dizermos o que o luxo não é. Não é marca, não é logo, não é preço."
Uma das mentes por detrás do Grupo Amorim Luxury, Margarida fala à Máxima sobre os desafios da liderança num setor como o do luxo, agora que a House of Capricorn, de Paula Amorim, se estreia na Maison&Objet.
No final de 2024, visitámos a nova localização da Fashion Clinic Home, onde acabava de chegar boa parte das peças que compõem a recém-lançada marca de Paula Amorim, a House of Capricorn.
Para falar sobre a marca, o luxo e os desafios da maternidade enquanto se é CEO de uma empresa como a Amorim Luxury, no segmento de Fashion, Margarida Correia sentou-se com a Máxima. No cargo há dois anos, esteve 12 anos na Boston Consulting Group como líder de projeto e mais tarde como sócia, tendo antes passado pela sociedade de advogados Cuatrecasas.

A House of Capricorn, que estará presente na Maison&Objet, tem, entre outras peças, exemplares elaborados à mão por savoir-faire português, como os desenhos de Viana ou os bordados da Madeira, aplicados a peças únicas como coleções inteiras de pratos ou mesas de cozinha por encomenda. Margarida Correia reforça que a marca é fruto de vários anos a pensar em como fazer nascer uma marca de raiz, sendo que "é uma paixão da fundadora, a Paula, apaixonada por Moda."
A Margarida vem de uma indústria muito diferente desta, que é a alimentar. O que é para si o luxo?
A definição do luxo é uma definição difícil. É mais fácil dizermos o que o luxo não é. O luxo não é marca, o luxo não é logo, o luxo não é preço. O luxo é, muitas vezes, desejo, e o desejo é muito subjetivo. O desejo passa por ter uma camisola confortável e intemporal. Ou passa por uma manhã com as crianças num pequeno-almoço tranquilo. Passa por nós, de facto, nos encontrarmos bem. E há muitas formas, muletas, para esse conforto, não é? Muletas emocionais, muletas quotidianas. A pessoa poder chegar ao escritório rápido, sem o metro avariar. Mas, de facto, o luxo também são os objetos, que tornam o nosso quotidiano especial. O desejo de uma pessoa poder chegar a casa e ver uma coisa bonita. O desejo de uma pessoa se olhar ao espelho e sentir-se bem. E, na realidade, este desejo é evolutivo. O que para mim é luxo hoje não vai ser o que é o luxo para mim amanhã. Ou para ti, ou para qualquer pessoa. E também não vai ser o que foi ontem. Até mesmo enquanto sociedade, o luxo é evolutivo. Acho que, no pós-covid, apesar de nós quase nos termos esquecido que ele existiu, houve um bocadinho aqui um recentrar do que para nós é importante. O luxo enquanto os valores fundamentais. O luxo enquanto aquilo que nós achamos que é basilar. Na nossa vida e na sociedade. E esperemos que essa definição também se mantenha por mais tempo.




Pessoalmente, qual é o balanço destes dois anos como CEO da Amorim Fashion?
Na realidade, tem sido espetacular, tem superado as minhas expetativas em todos os elementos. Fui, durante muitos anos, uma prestadora de serviços, fui advogada durante cinco anos, depois fiz um MBA, fiz consultoria durante 12, por isso estive uma vida inteira a dizer aos outros o que fazer, mas sem na realidade ter essa responsabilidade de fazer acontecer, não é? Uma coisa é dizer, ‘ok, vocês têm de fazer isto’. Depois uma pessoa vai-se embora e deixa lá as pessoas a fazer as coisas, o que é um bocadinho diferente. Além de que eu, quando estava na BCG (Boston Consulting Group), fazia retalho e retalho alimentar. Quando saí, e vim para o grupo, foi preciso repensar, reflorescer, impuseram-se decisões mais corporativas, mais massivas. E o facto disto ser uma indústria bonita, ser um sítio em que há uma dimensão em que nós podemos fazer a diferença, porque numa empresa gigantesca és mais um. Aquilo que eu faço aqui tem real impacto – com o apoio e a confiança e seguindo a visão da Paula, que é uma fundadora e uma fundadora muito presente. E isso é muito recompensador. Naturalmente, é bom trabalhar em sítios bonitos, o que eu aprecio. É melhor do que trabalhar num open space com uma luz florescente num sítio qualquer. E também ter uma equipa extraordinária, porque existe muito pouco luxo em Portugal, mas existem muitos portugueses lá fora. E quando um português quer voltar para Portugal e fez luxo lá fora, veio, não sei, de uma YSL ou de uma Balenciaga, o que quer que seja, e quer continuar a fazer luxo, não há muitos sítios para ir. Isso dá-nos um privilégio extraordinário: podemos, de facto, escolher pessoas que tiveram uma experiência espetacular lá fora e que querem fazer luxo. Faz com que tenhamos uma equipa excepcional.
Como é que é um dia na sua vida, desde que acorda até ir dormir?
Isso é altamente variável. Tenho quatro filhos, e isso faz com que haja sempre coisas agitadas, não é? Mas, primeiro tento arrancá-los da cama e despachá-los para a escola. Os nossos escritórios são ali no 244 da avenida da Liberdade, onde estou com a equipa. E é um dia sempre com pessoas, é um dia a acompanhar a equipa, é um dia a garantir que as coisas são feitas. É preciso garantir pouco, a equipa é extraordinária, por isso na realidade, o meu objetivo é tornar-me obsoleta, já várias pessoas me ouviram dizer isto. Porque está tudo bem, está tudo a funcionar espetacularmente. Acho que um dia, quando nós estivermos a abrir coisas novas e a investir em novos negócios, vai ser possível eu tornar-me obsoleta.

Como é que define o seu estilo?
Eu venho de um ambiente muito cinzento. Todos os meus anteriores colegas deviam achar que eu era uma fashionista, o que não era, ok? (ri-se). Pronto, quando eu cheguei aqui, percebi que claramente não era. E depois esquece isto. Sim, acho que apresentares-te bem é uma forma de cuidado para com o outro. É uma forma de educação. Eu não sou uma buyer, uma modelo, o meu estilo também é um estilo mais sóbrio, acho que tenho de me vestir para que a minha mensagem passe corretamente. Isso é fundamental.
E falando na dimensão mulher versus homem, ainda se exige mais às mulheres do ponto de vista da apresentação estética?
Tenho quatro filhos e sou uma feminista, mesmo, digo a toda a gente que se eu puder recrutar mulheres, só trabalho com mulheres. A nossa equipa é uma equipa de mulheres, todos os meus reports diretos são mulheres. Durante muito tempo, algumas coisas enervaram-me profundamente, mas agora acho que com a idade tenho uma perspetiva mais ponderada sobre o tema. O facto de uma mulher ser socialmente válida, de uma mulher produzir-se, andar bonita, ser vaidosa, deve ser algo encarado como um privilégio. E se os homens querem andar como se fossem todos de fato treino, sinceramente, problema deles. Não acho que seja, ‘ah, eles não precisam de se arranjar.’ Não, pá, que tristeza. Por isso, é verdade, acho que há um peso muito superior, há uma exigência muito superior sobre o aspeto feminino do que o aspeto masculino, mas acho que nós devemos encarar isso como um privilégio e não como um ónus.
Nesta indústria, que é a indústria do luxo, que é um nicho, na verdade, o bom gosto é essencial? É o segredo para o sucesso das coisas, é a fronteira que nos diz o que é ou não luxo?
O bom gosto é essencial, é um skill muito difícil de treinar, muito difícil, e que pressupõe que se tenha uma cultura visual brutal. Ou se tem ou não se tem. E depois, atenção, pode-se trabalhar durante muitos anos, décadas. Para se ser uma buyer, para se ser um diretor criativo, uma diretora criativa, é preciso ter esse bom gosto. Como é que isso treina? Não sei, não faço ideia. Vai viajar pelo mundo quando és nova, vai ver coisas, lê revistas, expõe-te a coisas bonitas. E só se consegue fazer isso, de facto, se a pessoa tiver um interesse extraordinário no tema em que está especializado. É a coisa mais difícil de encontrar. Esta cultura visual e este bom gosto. Super difícil.

Como ocupa esse tempo dedicado a enriquecer a cultura visual?
A coisa que eu mais gosto de fazer é ler. Mas eu não acho que me dê cultura visual. Sim. Acho que me dá outros skills. Gosto muito de ler ficção, acho que a literatura nos dá uma compreensão sobre a natureza humana brutal.
Que novidades é que chegam em 2025, para o Grupo Amorim Luxury?
Nós somos conhecidos por estar sempre a fazer coisas, por isso 2025 vai ser, na realidade, como todos os anos, cheio de novidades. De uma perspetiva mais da moda, que é aquela que eu tenho mais capacidade para debater, gostava de destacar três grandes áreas. A primeira é que nós temos uma loja maravilhosa nova de Home, que faz parte do grande investimento do grupo. Depois de termos, durante muitos anos, investido em moda de uma perspetiva de "vestir para o exterior", recentrarmo-nos na secção Home, que é quase como um reflexo da nossa interioridade, aquela coisa de chegarmos a casa e nos sentirmos bem, e essa é uma das grandes apostas do grupo. É tudo o que é o homewear. Garantir que nós estamos tão bem em casa como estamos na rua. O segundo grande investimento é, naturalmente, a nossa marca House of Capricorn, que foi desenvolvida com esta vocação internacional. Com o desejo de fazermos uma marca de vocação mundial, expandindo o know-how português, expandindo as nossas capacidades.
Como foi criar esta marca de raiz?
É super difícil. Parece que aquilo é assim, parece que não acontece nada e depois acontece tudo ao mesmo tempo. Até porque tudo o que implica fábrica, desenvolvimento com fornecedores e artesãos, são coisas muito longas, que têm um período de desenvolvimento de seis meses, nove meses. Do momento em que se pensa na peça até que ela se veja, são meses. Essa parte é a parte que é mais difícil: é tu conseguires perceber que, apesar não estar a acontecer nada, ou aparentemente não estar a acontecer nada, está a acontecer tudo. A House of Capricorn é o resultado de nove meses de trabalho. Chegou tudo ao mesmo tempo para a Maison&Object. Mas é muito interessante, porque as visões criativas são... são plurais, há vários caminhos. Desenhar-se uma coleção – e eu digo isto pelo que observo na equipa criativa – é um sem fim de dizer não, de fechar portas, e isso às vezes é super difícil. É dizeres: ‘eu não tenho capacidade hoje para fazer esta coleção de pratos. Eu não tenho capacidade hoje para fazer trinta sofás.’
