Manahel precisa de ajuda. A história de uma árabe que tenta salvar a irmã da prisão
Estamos no século XXI, mas a cronologia não tem igual significado ao mesmo tempo em toda a parte. Por exemplo, na Arábia Saudita, país riquíssimo que apresenta para o exterior uma imagem de opulência e de modernidade, há três irmãs constantemente perseguidas pelas autoridades de um estado profundamente machista e retrógrado pelo simples facto de quererem ter vidas normais. São as irmãs al-Otaibi. Uma delas continua presa.

"Manahel, a minha irmã mais nova; Mariam, a minha irmã mais velha; Fawziah é o meu nome." É assim que a irmã do meio esclarece a forma de escrever os nomes próprios das três irmãs al-Otaibi. A imprensa internacional tem sido incoerente quanto à maneira de os soletrar, e a própria Fawziah, ao longo desta entrevista, acabou por escrevê-los de maneiras diferentes - Fawzia, Manahal, Maryam, por exemplo -, pelo que era importante tirar a limpo o modo correto de alinhar estes nomes que deviam merecer mais atenção do mundo do que aquela que têm obtido. A incoerência da escrita tem explicação, trata-se de nomes árabes, precisam de ser transliterados para o alfabeto latino de modo a que possamos lê-los e compreender os seus sons. Já o motivo por que devemos dar atenção aos casos das irmãs al-Otaibi não tem explicação fácil em pleno séc. XXI.
Em maio deste ano, foi notícia a condenação de Manahel al-Otaibi a 11 anos de prisão, depois de dada como provada a acusação de "ofensas terroristas" pela Justiça da Arábia Saudita. As "ofensas terroristas" provadas pelas autoridades sauditas consistem em situações tão graves como surgir em público com a cabeça destapada e fazer publicações nas redes sociais defendendo os direitos e a emancipação das mulheres no país. Este, o de Manahel, é o caso mais extremo e com a mais grave sanção e consequência para uma das três irmãs al-Otaibi. Contudo, as três têm sido intensamente perseguidas pelas autoridades da Arábia Saudita desde 2016; todas foram, em algum momento, detidas e não fosse a intervenção e a pressão de organizações de Direitos Humanos, bem como o estatuto social e a condição financeira da família relativamente elevados, talvez nenhuma delas estivesse em liberdade.

Fawziah al-Otaibi fugiu da Arábia Saudita mais do que uma vez. Depois de ter deixado o país pela primeira vez, em 2019, foi seduzida pelas autoridades a regressar, com a promessa de que não se repetiriam as perseguições. Todavia, não demorou a perceber que se tratava de uma cilada e que, se não abandonasse rapidamente o território, o seu destino seria semelhante ao de Manahel, que foi detida preventivamente em 2022 e, este ano, foi condenada à tal pena de 11 anos. Fawziah fugiu para o Bahrein na véspera de as autoridades decretarem a proibição de sair da Arábia Saudita. Conseguimos localizá-la na Escócia, onde hoje reside. Diz que tem uma "vida muito melhor" do que antes. "Pelo menos agora, sou conhecida, tenho contactos fortes e não posso ser silenciada", afirma.

DESDE MUITO CEDO
"O meu pai era polícia, mas passou a negociar ações [bolsistas], alcançando conforto financeiro. Cresci numa situação económica privilegiada, com ajuda doméstica, desde tenra idade até à licenciatura", conta Fawziah para nos contextualizar quanto ao estatuto sócioeconómico da família. "Vivíamos em Qassim, uma região altamente conservadora com uma cultura diferente da nossa, e a maior parte da minha família e eu não nos conseguimos integrar. Como resultado, crescemos um pouco isolados da sociedade. Concluímos todas as etapas educativas na Arábia Saudita e a grande parte dos currículos eram, na nossa opinião, religiosamente extremistas."
Este contexto cultural na região onde cresceram acabou por criar-lhes problemas desde muito cedo. "Os problemas começaram com questões relacionadas com a escola, pois eu e as minhas irmãs debatíamo-nos por não aceitar o currículo saudita. Era chocante para nós, pois promovia explicitamente o ódio contra diferentes crenças e seitas. As escolas seguiam uma abordagem que educava as raparigas para se submeterem e serem subservientes aos homens, retratando as mulheres como intelectualmente inferiores, devendo obedecer aos homens durante toda a vida. Os professores obrigavam-nos a usar abayas [uma peça de vestuário tradicionalmente usado pelas mulheres de parte do mundo muçulmano] e a cobrir o rosto desde os 10 anos. Mesmo quando éramos crianças, havia professores que ficavam à porta da escola para impedir que qualquer rapariga saísse, a menos que a sua família trouxesse uma abaya de casa. Rejeitámos este tipo de educação e a cultura submissa, que era incompatível comigo e com a minha família. Éramos frequentemente castigadas, obrigadas a assinar compromissos, expulsas e transferidas várias vezes. Os meus pais foram obrigados a inscrever-me numa escola privada aos 15 anos, pagando-a eles próprios, porque oferecia um grau de liberdade um pouco maior."
Em casa, a educação era substancialmente diferente daquela que tinham na escola. A família, muito mais liberal nos costumes do que a sociedade em que os al-Otaibi se inseriam, promovia uma noção de igualdade entre homens e mulheres. "Em casa, gozávamos de muita liberdade, tínhamos conversas abertas sobre os nossos sonhos e as nossas aspirações e ninguém me menosprezava por ser mulher. As minhas irmãs e eu íamos ao ginásio e saíamos com os amigos livremente."
SER MULHER NA ARÁBIA
"Viver em Qassim era particularmente difícil para uma mulher. Todos os setores eram muito conservadores, mesmo o sistema de saúde, que se recusava a servir as mulheres sem um tutor masculino. A polícia não aceitava a queixa de uma mulher se esta não estivesse acompanhada por um familiar do sexo masculino, mesmo em casos de abuso." Este tipo de relato parece não bater muito certo com a imagem que a Arábia Saudita tem pretendido passar para o exterior, atraindo cada vez mais estrangeiros para o país, seja como turistas ou como imigrantes. Pensemos, por exemplo, no caso do futebol, que tem funcionado como espelho de uma certa modernidade, alimentada pela presença de grandes estrelas mundiais da modalidade, pagas a peso de ouro - a expressão transforma-se em hipossemia se considerarmos que futebolistas como Cristiano Ronaldo, Neymar ou Benzema decerto receberiam substancialmente menos, caso os respetivos pesos fossem literalmente pagos em ouro, em vez de auferirem conforme os contratos multimilionários que cada um deles assinou.
Haverá, com certeza, diferenças entre ser mulher na Arábia Saudita e ser uma mulher estrangeira que se mudou para o país. "Não creio que as mulheres estrangeiras enfrentem os mesmos desafios. Pelo contrário, recebem um tratamento excelente com que nós sonhamos", afirma Fawziah. "Não se trata de estatuto financeiro; eu tinha uma situação económica excelente, mas mesmo assim enfrentei opressão. O que está em causa é o desejo do governo saudita de continuar a controlar as mulheres sauditas."
Fawziah al-Otaibi continua a descrição e a apreciação em relação à imagem passada para o exterior. "Ser mulher na Arábia Saudita foi, e continua a ser, um pesadelo para mim, do qual escapei após uma longa e difícil luta. E continuarei a lutar para salvar as minhas irmãs. Tornou- se claro para mim que o governo saudita não quer uma verdadeira mudança. Apenas procura branquear a sua imagem, manchada por violações dos Direitos Humanos, especialmente contra as mulheres. Limitam-se a encenar um mau desempenho do apartheid contra os seus cidadãos, enquanto concedem aos estrangeiros os seus direitos e liberdades para polir a sua imagem no estrangeiro. Entretanto, continuam a perseguir, reprimir e aterrorizar os cidadãos que anseiam por mudanças e por uma vida melhor.
A MAIS TERRÍVEL PROPOSTA
Quando as notícias sobre a condenação de Manahel começaram a circular na imprensa internacional, foi divulgada a informação de que teria sido proposto à família que, para limpar a honra dos al-Otaibi, o irmão de Fawziah, Manahel e Mariam assassinasse as três com a cobertura e a conivência do governo, uma espécie de "don’t ask, don’t tell", ninguém viu. O regime considerava que também a família se sentia desonrada pela conduta das filhas - uma conduta que, repetimos, consistia em pretender uma vida normal e cujo ativismo consistia em publicações simples nas redes sociais. A família terá rejeitado. Queremos saber se esta história, que parece surreal de tão obscena, é mesmo verdade. Fawziah diz que sim. "Depois de falharem todas as tentativas de nos perseguir, prender, fabricar acusações políticas contra nós, lançar campanhas de difamação nas redes sociais, incitar ao ódio contra nós e rotular-nos de traidoras através de contas afiliadas ao governo - de cada vez que o governo prendia uma de nós, provocava um escândalo internacional e levava a intervenções dos Direitos Humanos e a nível mundial -, o chefe da polícia incitou o meu pai, empurrando o meu irmão [o mais velho, a seguir a Mariam] a matar-nos e a livrar-se de nós."
Só a ideia parece ter origem no argumento de um filme sanguinário acerca de uma associação criminosa sem escrúpulos. Mas não, é a realidade de um regime legítimo, embora também sem escrúpulos. Fawziah fornece mais detalhes. "O aparelho de Estado prometeu assegurar que ele não seria punido e que o caso seria encerrado estrategicamente, fazendo com que parecesse uma disputa familiar. No entanto, o meu pai entrou em pânico perante o pedido do chefe da polícia e a sua tentativa de utilizar o meu irmão como instrumento para cometer um assassínio. Aterrorizado com as exigências, o meu pai cortou todas as formas de comunicação com a polícia, desligou o telefone, isolou-se e recusou-se, terminantemente, a ser usado para satisfazer os desejos do governo."
Recusar a ideia de que os desejos de um governo são ordens tem um preço. Afinal, o chefe da polícia tinha feito uma proposta que o pai das três irmãs não podia recusar. Só que ele recusou e isso teve consequências. "Isto fez com que o governo voltasse a visar-nos a todos, mas, desta vez, com a intenção de nos atrair e prender a todos ao mesmo tempo, para evitar que outro escândalo chegasse aos meios de comunicação social mundiais. A esquadra da polícia convocou-me a mim e à minha irmã Manahel para nos apresentarmos ao mesmo tempo, dizendo-nos que se tratava de uma simples investigação e pedindo-nos que nos apresentássemos sem advogado. No entanto, apercebi-me do perigo e fugi da Arábia Saudita um dia antes da minha tentativa de detenção. Entretanto, conseguiram prender a minha irmã Manahel quando ela apareceu à hora marcada. Quando se aperceberam do meu atraso, acrescentaram imediatamente o meu nome à lista das pessoas proibidas de sair do país. Eles acreditavam que eu ainda estava na Arábia Saudita e foram extremamente cautelosos em impedir-me de sair. Mas eu já tinha previsto as suas ações e deixei a Arábia Saudita por precaução."
EXPERIÊNCIA PRÓPRIA
Fawziah al-Otaibi chegou a estar presa. Pedimos-lhe que partilhe connosco a história da sua experiência. "A minha detenção não foi apenas uma detenção - foi mais um rapto da minha casa pela polícia de Al-Rass de uma forma brutal. Dois dias depois de a minha irmã Mariam ter sido detida, em 2016, publiquei um artigo sobre a sua detenção nos meios de comunicação social, chamando a atenção de organizações dos Direitos Humanos. Um grupo de polícias começou a perseguir-me, quando eu ia a caminho de um exame universitário. Receei que me raptassem, por isso regressei a casa e telefonei ao diretor da polícia para informar que um carro da polícia me estava a seguir. Disseram-me que vinham registar a minha queixa. Quando o grupo chegou a minha casa, pensei que estavam ali para recolher o meu depoimento, mas fiquei chocada quando entrou outro grupo, constituído por mulheres com abayas pretas e algemas. Apercebi-me de que estavam ali para me prender e não para ouvir a minha queixa. Tudo ficou escuro quando elas me agarraram e arrastaram violentamente. Nunca mais me vou esquecer ou recuperar desse momento. Obrigaram-me a entrar no carro da polícia, em direção a uma prisão chamada Dar Al-Raya, noutra cidade, a mais de uma hora de distância. Perdi a vontade de viver e procurei um objeto afiado dentro do carro para acabar com a minha vida. Quando nos aproximávamos da prisão, um funcionário recebeu uma chamada, informando-me de que eu ia regressar a casa. Não acreditei até ver a minha mãe a chorar e a rezar por mim. A polícia tinha dito à minha família que eu era uma ameaça à segurança nacional e que pretendia derrubar o regime, proibindo-os de intervir. Quando regressei a casa, descobri que as organizações internacionais tinham pressionado as autoridades, obrigando-as a libertar-me."
O INÍCIO DO TERROR
A origem da perseguição das autoridades sauditas a Fawziah e às suas irmãs tem motivos que, em 2024, num mundo civilizado, poderíamos considerar fúteis. "Como é que tudo isto começou? Em 2016, eu e as minhas irmãs, Mariam e Manahel, começámos a defender os direitos das mulheres no Twitter, sob pseudónimos. O nosso principal objetivo era abolir as leis de tutela masculina, pois queríamos viajar para o estrangeiro e perseguir os nossos sonhos, que eram impedidos por essas leis. Não podíamos viver livremente na Arábia Saudita, não podíamos obter um passaporte nem viajar sem autorização masculina. Criei um hashtag que se tornou muito popular na Arábia Saudita, ganhando um apoio maciço à nossa causa." Até aqui, tudo parece inofensivo e não constituir matéria para preocupação por parte das autoridades, ainda menos para considerar que podia tratar-se de terrorismo. Porém, o regime saudita não pensou da mesma forma e montou a sua própria estratégia para resolver a situação.
"As autoridades sauditas retaliaram no Twitter, espalhando rumores de que não éramos sauditas e desafiando-nos a revelar as nossas identidades. A minha irmã Mariam revelou a sua identidade para desmentir estas afirmações." Erro. "Pouco tempo depois, Mariam foi presa devido ao seu ativismo. A minha outra irmã, Manahel, e eu partilhámos a notícia no Twitter, e a detenção de Mariam tornou-se um trending topic na Arábia Saudita. A polícia fez uma rusga à nossa casa e prendeu-me também, da maneira que descrevi. A nossa irmã Manahel continuou a espalhar a notícia, o que levou a uma pressão internacional sobre as autoridades sauditas. Estas acabaram por obrigá-las a libertar-nos."
Só que isso não era o fim. Pelo contrário: era só o começo. "As autoridades continuaram a assediar-nos com intimações policiais quase constantes e ameaças de prisão, visando o nosso ativismo pelos direitos das mulheres. A minha irmã mais velha, Mariam, em particular, enfrentou uma perseguição implacável, especialmente por parte da polícia de Al-Rass. Decidiu mudar-se para Riade, em 2017, para escapar à opressão, acreditando que poderia começar de novo. Mas, passadas duas semanas, foi detida, já em Riade, por ‘viver de forma independente’, apesar de ter 30 anos. Nesse mesmo ano, Mariam foi acusada de perturbação da ordem pública e esteve presa em Al-Malaz durante quatro meses. A minha irmã Manahel e eu espalhámos a notícia da sua detenção, causando, mais uma vez, pressão internacional, o que levou à sua libertação ao fim de quatro meses." E a perseguição pelas autoridades sauditas continuou e continua até hoje.
"Em 2019, a Arábia Saudita organizou o seu primeiro evento de DJ em grande escala com artistas internacionais, com o objetivo de apresentar uma imagem moderna." Mas, de novo, a preocupação em projetar uma imagem de abertura e progresso não correspondia ao que, de facto, se passava no país. "Fui com o meu marido [ao evento] e partilhei um vídeo no Twitter em que eu dançava. Pouco depois, fui chamada pela polícia, tratada como uma criminosa e multada em três mil reais sauditas [€715] por ‘insinuação sexual’, uma acusação falsa." A par da multa, veio de novo o cerco social, com a pretensão de transformar a mulher em propriedade do marido – e de fazer o marido sentir-se fraco aos olhos do mundo por ter uma mulher com ideias livres. "Pressionaram o meu marido para me ‘disciplinar’. Esta experiência fez-me perceber que a vida na Arábia Saudita se tinha tornado insuportável, levando-me a abandonar o país. Mariam, a minha irmã, foi mais tarde impedida de sair da Arábia Saudita."
MANAHEL PRECISA DE AJUDA
Por altura dos eventos relatados acima, o tal festival de DJ, Manahel al-Otaibi, a irmã mais nova de Fawziah, já se tinha mudado para o estrangeiro, para viver sem a opressão do regime do seu país. Só que, mesmo assim, as autoridades sauditas não estavam descansadas, porque Manahel continuava a publicar vídeos nas redes sociais em que mostrava a sua prática desportiva, o boxe, juntamente com outros conteúdos que apelavam à emancipação da mulher saudita, mesmo que de formas suavizadas ou discretas. "Durante esse período, o Saudi Youth Boxing Club atraiu Manahel de volta ao país, prometendo apoiar a sua paixão pelo desporto e afirmando que as coisas tinham mudado. Acreditando nas promessas, Manahel regressou." E, novamente, o convite revelou-se um estratagema, uma armadilha. "Foi detida em novembro de 2022, devido ao seu anterior ativismo pelos direitos das mulheres. Em janeiro de 2023, teve lugar a sua primeira sessão no tribunal, que a acusou de ‘terrorismo’ pela sua defesa e pelo incumprimento do uso da abaya." Durante meses, o destino de Manahel permaneceu incerto para a família. "Após cinco meses sem qualquer comunicação, contactámos organizações de defesa dos Direitos Humanos, o que levou a uma pressão internacional."
Os contactos entre Manahel e familiares não são frequentes, muito menos animadores. A mais nova das irmãs al-Otaibi, que lutam pelos mais elementares direitos da Mulher, continua presa e os seus relatos são de abuso, de tortura e de constantes ameaças. "Em abril de 2023, Manahel contactou-nos e revelou que tinha sido sujeita a graves torturas físicas e psicológicas, incluindo ter a perna partida e ser enfiada na solitária sem cuidados médicos. Também lhe foi negada comida. Apesar das nossas tentativas de divulgar os maus-tratos sofridos, a comunicação com ela foi novamente cortada. Apresentámos queixas a vários organismos governamentais sauditas, mas não obtivemos qualquer resposta. Por fim, procurámos a ajuda das Nações Unidas."
Às escuras, sem informação adicional, a família de Manahel forçou a pressão internacional sobre as autoridades. As revelações foram ainda mais chocantes do que o próprio silêncio. "Em abril de 2024, ficámos chocados com a resposta das autoridades sauditas a um inquérito de um representante da ONU, revelando que, em janeiro de 2024, Manahel tinha sido condenada a 11 anos de prisão por acusações de terrorismo. Nunca fomos informados do veredito e não nos foi permitido comunicar com ela." Após meses de pressão por parte de organizações dos Direitos Humanos, Manahel foi finalmente autorizada a contactar novamente a família. Fawziah conta que a irmã mais nova "explicou que, durante o seu isolamento, foi continuamente espancada e presa numa pequena sala, completamente isolada do mundo exterior". E, no fim, mais uma ameaça. "Só lhe foi permitido falar connosco para nos avisar que não divulgássemos a sua situação, caso contrário, seria ainda mais torturada. Não tinha conhecimento do que se passava no exterior e só tinha instruções para nos dizer que parássemos com os nossos esforços, caso contrário enfrentaria um castigo mais severo." Manahel continua presa até hoje e, caso cumpra a totalidade da pena, será libertada, na melhor das hipóteses, em 2031. Por se ter recusado a usar abaya.
UMA ÚLTIMA MENSAGEM
Fawziah al-Otaibi diz que ainda usa redes sociais, embora a perseguição do regime saudita, a ela e às irmãs, tenha começado precisamente por aí. Conta que, agora, usa menos do que usava na época, explica que não é por medo, mas porque trabalha com canais de televisão e várias organizações de Dreitos Humanos para tentar salvar as irmãs.
Porém, a sua situação não a deixa mais tranquila, confessando os seus maiores receios e lançando acusações. "O meu maior receio é que o governo saudita continue as suas violações e crimes contra os Direitos Humanos, recorrendo à violência, ignorando os métodos diplomáticos e persistindo na crença de que pode cometer crimes e escapar à responsabilização comprando a lealdade de pessoas e governos de países desenvolvidos com a riqueza petrolífera da qual se apoderou. Utilizam essa riqueza para cometer crimes hediondos e depois branqueiam a sua reputação, em vez de construírem um Estado que proteja os nossos direitos e liberdades." E refuta com veemência a ideia que a Arábia Saudita tenta passar para o exterior de que quer maior abertura e igualdade de direitos para as mulheres. "Receio, também, que as pessoas acreditem na falsa propaganda da Arábia Saudita sobre o seu desejo de melhorar o estatuto das mulheres. Quem deseja genuinamente a reforma dos direitos das mulheres não atrai e retalia sistematicamente os ativistas dos direitos das mulheres, como o governo saudita está a fazer agora."
Texto originalmente publicado na revista anual da Máxima, de novembro de 2024.
