Histórias de Amor Moderno: “Desiludida, procurei a numerologia. E encontrei o Simón Karma”
“Quando não encontras a solução na lógica razoável das coisas do mundo, viras-te para o inexplicável, para o que não se vê nem se pode provar.” Todos os sábados, a Máxima publica um conto sobre o amor no século XXI, a partir de um caso real.

"Simón Karma." Vi o letreiro junto à porta do prédio e pronunciei baixinho o nome lentamente, "Si-món Kar-ma", e ouvi uma voz por trás de mim que me corrigia: "ximón, esse ésse lê-se ch." Era ele, o próprio, Simón - lê-se Ximón - Karma, percebi logo. O nome verdadeiro, vim a saber mais tarde, era Simão e Karma não era, de todo, o seu apelido. Esse era Santos, "mas Santos é apelativo para alguém que procura um mestre em numerologia?", perguntou-me Simão quando, tempos depois desse nosso primeiro encontro, me explicou por que escolheu o nome. "O próprio Santo Agostinho afirmava que ‘os números são a linguagem universal ofertada por Deus aos humanos’", disse-me. Quando se lida com tamanha oferenda, como o dom de interpretar os números de uma maneira que funde a matemática e a magia, uma pessoa não se pode simplesmente chamar Simão Santos.
O Simão contou-me a sua história. Entrou na faculdade para estudar Sociologia e as coisas nem corriam mal, até que se deparou com uma cadeira do curso que lhe dificultou a vida. "Lógica", disse-me ele, "nunca na vida estudes Lógica". A Lógica é, para ele, um trauma e uma mágoa, muito mais do que uma ciência do pensamento. Acabou por se atrasar no curso, não conseguia terminar a licenciatura por causa do diabo da Lógica, então começou a trabalhar. Primeiro, como repositor num supermercado de bairro, depois como caixa desse mesmo estabelecimento. Farto do emprego que tinha e crente em que merecia e conseguia mais e melhor do que aquilo, mas ao mesmo tempo travado na vida por causa da cadeira da faculdade que lhe parecia impossível concluir, Simão começou a desesperar. E, enquanto desesperava, lia livros. Lia indefinida e aleatoriamente, tudo o que apanhava. Foi dar à Numerologia. "Eu não acreditava em nada disto", contou-me. Penso que ainda não acredita. É racional, cerebral - um ser da lógica, no fundo, o que não deixa de ser irónico. Eu não sei se acredito, mas, tratando-se de magia e números, é possível que faça sentido.

Quando eu conheci o Simão - o Simón - não foi por acaso. Eu procurei-o. Não a ele especificamente, porque o karma não funcionou comigo de uma maneira assim tão explícita e clara. O que eu quero dizer é que o procurei porque procurava um numerólogo que me pudesse ajudar. A minha vida estava, nessa altura, completamente do avesso. Tinha-me separado, terminado uma relação de quase dez anos, e foi muito mais que doloroso - foi burocrático, trabalhoso, intenso, desgastante. Quando pensamos no fim das relações, tendemos a imaginar o peso da dor, a angústia de uma coisa que ficou por concretizar, a ausência do cumprimento das promessas mais singelas, como "quero envelhecer contigo", a dor da perda, porque há sempre alguma coisa que se perde. Mas numa relação longa essa é apenas uma das dimensões do dano, uma das faces do fardo. E não sei se é a maior delas. O lado material faz-nos compreender que andámos a construir tudo, não em cima de nós, indivíduos, mas antes sobre uma combinação de pessoas que começa, logo à partida, por ser uma equipa de dois. E logo se acrescenta o lado social, onde se juntam familiares e amigos próximos, primeiro, e depois todo os mundos que daí derivam e que, em nós, acabam por se fundir. E toda a construção material e social que resulta daí fica subitamente desatualizada, deixa de funcionar. "Não quero mais estar contigo" significa "vou rasurar toda esta secção da minha vida e recomeçar ali adiante, de outra maneira".
A minha separação não me puxou para baixo: deixou-me à deriva, desnorteada. Eu sabia que não queria voltar atrás, sabia muito bem, na verdade, aquilo que não queria. Eu não sabia era o que queria, ao certo, muito menos a ordem das coisas, a prioridade dos desejos e dos objetivos. Tornei-me errante. Perdi o norte à gestão das contas, do meu trabalho, dos horários, dos amigos, até dos homens. Saía sem critério, como se procurasse alguma coisa em qualquer um, mas sem saber bem o que procurava. Talvez fosse só atenção, ou então companhia. A minha primeira psicóloga dizia-me que eu só procurava provar a mim mesma que era capaz de ser interessante para os homens. Já a segunda entendia que o que eu tinha era outro tipo de carência, mais profunda e mais emocional.
Quando cheguei ao terceiro psicólogo, já confusa e frustrada, ele disse-me que o que eu tinha era provavelmente um grande apetite sexual e que precisava de me controlar para não causar danos, nem a mim nem a terceiros. Mas eu queria lá saber de terceiros. E de companheiros sexuais, já agora. Fui eu própria que me diagnostiquei - não façam isto em casa, eu fiz porque tive sorte: estava a fugir daquele passado recente que me tinha deixado marcas de mais que uma maneira, e que me tinha doído, primeiro, porque me tinha acontecido, e, segundo, porque tinha deixado de me acontecer. O que eu estava a fazer era a matar o tempo, o meu tempo, a gastar vida, a desperdiçar-me. Precisava de parar.

Sentia-me só, e era difícil explicar a quem me era próximo - e eram cada vez menos as pessoas que me eram próximas - o que eu sentia. Era como se a vida tivesse perdido valor e encanto, como se não houvesse objetivos nem desejos, apenas um dia atrás do outro, sem deslumbramento, sem felicidade nem tristeza, só o tempo a passar. "Take it as it comes", dizem os sábios acerca da vida e da forma ideal de a encarar. Eu percebo a ideia, mas discordo. Pelo menos, se a filosofia for assim tão incompleta. Tem de haver qualquer coisa que nos mova, que nos afete, que nos entusiasme, que nos inspire. Não podemos ser só receptáculos do que acontece, como baldes dispostos no quintal à espera da chuva.
Falharam-me os psicólogos, as medicações e os conselhos de amigas e de amigos, os abraços da minha mãe e as mensagens de apoio que recebia nas redes sociais. Eu era um farrapo. E então procurei outras ajudas. Virei-me para as ciências esotéricas. Quando não encontras a solução na lógica razoável das coisas do mundo, viras-te para o inexplicável, para o que não se vê nem se pode provar. A vida nem sempre tem lógica, e a maneira como nós a entendemos e encaramos ainda menos. Tentei astrologia, tarot e búzios. Tudo me dizia o que me diziam os psicólogos e a minha mãe, e as minhas amigas, que era preciso ter calma, dar um passo atrás, respirar fundo, deixar de pensar demasiado, deixar de temer e ficar ansiosa só porque havia lá fora mais um dia por viver.
Desiludida, procurei a numerologia. E encontrei o Simón Karma, que se lê Ximón e que se chama Simão. E ele fez-me as contas à vida e ao universo. E enquanto ele tentava interpretar aqueles gatafunhos e associá-los a episódios da minha vida, procurando explicar assim o caos que eu fui criando, parou, calou-se e olhou-me nos olhos. Depois perguntou-me "o que é que nós estamos aqui a fazer?" E eu fiz que sim com a cabeça, como se percebesse a profundidade daquela questão existencialista. E ele acrescentou "não, a sério, o que é que nós estamos aqui a fazer? Eu não percebo nada disto, li uns livros, uns sites, coisas soltas. Mas o que é mesmo isso da numerologia?" Pegou-me na mão, "tu precisas de um abraço, e eu também, já agora". Afinal, estávamos os dois à deriva. Abraçámo-nos, e foi como se todas as contas com todos os números dessem resto zero; não eram precisas mais subtrações nem adições. Voltei no dia seguinte, mas sem consulta marcada. E depois voltei todos os dias. Voltámos os dois, na verdade, um para o outro. Um mais um. É a conta certa.

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