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A cientista portuguesa que está a combater a malária no mundo

Maria Manuel Mota foi a primeira mulher portuguesa galardoada com o Prémio Sanofi-Institut Pasteur pelas suas descobertas sobre a fisiologia do parasita que causa a malária. Entrevistamo-la para saber mais sobre o seu trabalho e a sua paixão pela Ciência.

04 de fevereiro de 2019 às 17:05 Aline Fernandez

Maria Manuel Mota, diretora executiva do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, em Lisboa, foi galardoada com o Prémio Sanofi-Institut Pasteur, em Paris, a 15 de novembro de 2018. Foi a primeira vez que este prémio foi atribuído a uma portuguesa, distinguida pelas suas descobertas sobre a fisiologia do parasita Plasmodium, que causa a malária, e a adaptação do ciclo de vida deste com os hospedeiros. Maria Mota e o seu grupo de investigação estudam-no há mais de 20 anos. Conversámos com a cientista para saber mais sobre o seu trabalho e os seus próximos passos.

A partir do momento em que a equipa conseguiu detetar a fisiologia do parasita, como se chega à fase seguinte?

Maria Mota: Nós vamos fazendo pequenas descobertas sobre o parasita, que por definição é um organismo que depende de outro. Portanto, o que nós estamos a fazer são descobertas sobre o tipo de fisiologia e o tipo de características que o parasita tem e que lhe permite viver dentro de nós. E ao mesmo tempo nós queremos descobrir o que nós, como hospedeiros, lhe oferecemos. Quando descobrirmos realmente o que lhe é essencial, o que poderemos fazer é desenhar um fármaco, uma vacina, algo que simplesmente pare esse fornecimento de que ele precisa. No fundo, o que nós queremos entender é o que o nosso inimigo – aquele que nos causa a doença – precisa de nós. Quando soubermos e cortarmos esse fornecimento, ele acaba por não se conseguir multiplicar. Portanto, o que nós fazemos no laboratório é um puzzle. Claro que nós já temos muitas peças desse puzzle, mas muitas vezes não sabemos exatamente onde as colocar. O prémio vem porque já descobrimos muitas dessas peças e permite-nos ter dinheiro para encontrar onde as colocar, encontrar mais peças e tentar construir o puzzle por completo. Obviamente que esta construção é feita pela nossa equipa e por várias equipas no mundo, nós não somos os únicos a trabalhar a malária.

A Maria estuda há mais de 20 anos este parasita. É muito tempo?

Maria Mota: Temos que pensar que há mais de cem anos que se estuda este parasita. E dizendo isso, pensa-se: "o que é que fazem e como é que não resolvem esta situação?" Mas a verdade é que a situação já está resolvida em muitos locais. Antes dos anos 50, até à Segunda Guerra Mundial, tínhamos malária praticamente no mundo inteiro, nos Estados Unidos, exceto no Alasca, tínhamos malária em grande parte dos países europeus... Claro que conseguimos controlar a doença nos lugares onde a transmissão era mais baixa, mas temos de ter noção que, obviamente, já fizemos algo maravilhoso. Além disso, nos últimos quase 20 anos, desde a passagem do milénio, o ser humano salvou milhões e milhões de vidas, porque reduziu imenso a mortalidade pela doença. Há 20 anos atrás, morriam mais de um milhão de crianças por ano de malária. Neste momento morrem menos de 500 mil [o equivalente a uma criança a cada um minuto e meio no mundo]. Houve uma diminuição enorme usando ferramentas e métodos que foram descobertos por cientistas há décadas atrás. O que nós agora percebemos é que não vamos chegar lá apenas com estas ferramentas. É preciso criar novos métodos, novos fármacos, provavelmente uma vacina, algo que nos permita diminuir mais e, obviamente, o grande sonho, é chegar com os números a zero e não haver uma única criança que morra de malária no mundo. É importante perceberem, que apesar de ainda não estar totalmente controlado, o número de mortes que se tem a reduzir é enorme e tem salvo milhões de vidas ao longo dos últimos 20 anos com o controlo que tem sido feito contra a malária.

Como se tornou cientista?

Maria Mota: Eu não fazia a mínima ideia do que era ser cientista. Eu não tenho ninguém cientista na família, nem perto de mim. E sempre gostei mais das áreas da Matemática, das Ciências, portanto eu sabia que queria algo ligado às Ciências, mas provavelmente quando era miúda queria ser professora. Mas havia uma coisa que eu adorava: estar ao microscópio e ver coisas pequenas. Depois, quando fui para Biologia [o curso de Biologia da Faculdade de Ciências de Universidade do Porto] percebi que não queria apenas ensinar – eu gosto muito de ensinar – mas queria descobrir algo e trabalhar com microscópios. No final do curso, tive uma oportunidade para ir fazer um mestrado e aí sim conheci muitos cientistas e foi durante esse ano que eu percebi que queria ser cientista, que gostava de fazer essa vida, descobri que queria trabalhar com parasitas, a tentar perceber como é que dois organismos vivem juntos e se adaptam a viver um com o outro. No fundo, é isso que eu faço. E desde essa altura nunca mais tive dúvidas. Na verdade eu sinto que ser cientista é a minha forma de estar na vida, porque ser cientista é usar o método científico para questionarmos e tentarmos responder a nossa curiosidade. E eu não fiz mais do que isso, que foi tentar questionar a minha curiosidade. É isso que eu faço todos os dias e aprendi um método de como o fazer.

Então os bons cientistas são também grandes curiosos?

Maria Mota: São pessoas que querem descobrir coisas novas. Há sim pessoas mais tímidas, mas há outras extremamente extrovertidas, que gostam de festa. Há espaço para sermos de todos os tipos. A verdade é que eu acho que até os que são mais tímidos sofrem um bocadinho mais, como em todo lado, porque para ser cientista também é preciso angariar fundos, no fundo convencer pessoas que as nossas ideias são melhores que as dos outros. Quano uma pessoa é muito mais tímida e não gosta desse tipo de exposição, mas qeu acho que é super inteligente e tem as melhores ideias, faz parte do papel do instituto arranjar um pouco mais de dinheiro para essa pessoa poder desenvolvê-las. Em todo o lado esses sofrem, porque o mundo, neste momento, está um bocadinho virado para aqueles que tem capacidade de explicar o que fazem, como fazem e o porque o querem fazer. Nós tentamos proteger todos, porque o nosso objetivo é ter as pessoas mais criativas, as mais extraordinárias independentemente da forma como são ou como vestem, se são homens ou mulheres ou das suas preferências sexuais. Nós queremos a maior diversidade possível e esta é uma comunidade extremamente diversa.

Como conseguir mais pequenas cientistas em Portugal?

Maria Mota: Eu acho que qualquer criança que seja muito curiosa, que goste de observar o mundo à sua volta e que se questione sobre ele deve tentar e pode vir a ser cientista. Mas acima de tudo, é fazer com que as crianças percebam que podem ser o que quiserem. Sejam tímidas ou não, o que é importante é que sejam muito ambiciosas. E também é importante incentivar qualquer criança, independentemente dos seus sonhos. No fundo, é importante que tenham possibilidade de fazer tudo o que lhe apetecer, que possam desenvolver todas as suas ideias. Ser cientista não é mais difícil do que qualquer outra profissão. É preciso querer muito, é quase uma forma de estar na vida. E se uma criança é curiosa e quer saciar esta curiosidade, a Ciência é uma boa ferramenta. E obviamente é preciso estudar para isso, dedicar-se, mas, como costuma-se dizer muitas vezes em Portugal: "quem anda com gosto não cansa."