Elle Macpherson sobre o alcoolismo: "Enfiava os dedos na garganta e fazia questão de vomitar três vezes antes de dormir"
A supermodelo revela um lado íntimo e desconhecido da sua história no novo livro "Elle – Vida, Lições e Como Aprender a Confiar em Si Própria". Num excerto partilhado com a Máxima, "Recuperação. Chamo-me Elle e sou alcoólica", Elle abre o coração sobre a jornada de superação e autoconhecimento, abordando a luta contra o alcoolismo e o caminho para a recuperação.

"RECUPERAÇÃO
Chamo-me Elle e sou alcoólica

Deus, concede-me serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, as coisas que posso e sabedoria para saber a diferença.
O meu coração batia acelerado quando entrei na grande sala de «adultos» para a reunião dos Alcoólicos Anónimos, numa igreja de Knightsbridge, em Londres.
Quando me pediram pela primeira vez para partilhar a minha história com o grupo, estávamos quase no final de 2003. Eu estava sóbria há dois meses. Há uma regra tácita nos Alcoólicos Anónimos de que quando nos pedem para fazer alguma coisa, não se diz não.


Eu disse sim.
Eu sentia um misto de expectativa, empolgamento e tremor ao ir a esta reunião em particular. Era como ir a um exame, eu perguntava-me se tinha estudado o suficiente para passar. A reunião era diferente naquele dia. Não se realizava no grande salão, como normalmente teria sido. Era na creche, no andar de baixo, no que parecia ser a cripta da igreja.

Sentamo-nos em círculo, o que era invulgar porque normalmente sentavamo-nos em filas, com o orador à frente. Quando comecei a ir às reuniões, eu sentava-me ao fundo da sala, tentando misturar-me com os outros, ser invisível. Mas cheguei atrasada certa noite e, como a sala estava apinhada, tive de me sentar à frente. Depois disso, disseram-me para me sentar sempre ali, para poder estar verdadeiramente presente e não me distrair com os outros. Assim, poderia concentrar-me totalmente no orador, olhar em frente, de ouvidos e coração abertos.
Nessa reunião, quando chegou a minha vez de me apresentar, disse:
– Eu sou a Mac e sou alcoólica.

O meu amigo dos Alcoólicos Anónimos, sentado ao meu lado, olhou para mim com curiosidade e perguntou:
– Mac?
– Sim – sussurrei. – Eu era a Mac na clínica de reabilitação e o nome pegou. A minha madrinha até me chama assim.
Ele ergueu uma sobrancelha e lembro-me de me sentir quente e ruborizada. Soube então que não devia tentar esconder-me mais. Mas tentei convence-lo do contrário, mesmo assim, dizendo:
– Não, não, não é o que estás a pensar. É só uma alcunha.
Ele olhou para mim e sorriu.
Porém, a interrogação dele mexeu comigo e, da próxima vez que fui a uma reunião, assumi-me. Quando chegou a minha vez de me apresentar, eu disse:
– Chamo-me Elle.
Nessa noite, a minha noite de partilha, estava a falar para uma sala cheia. Algumas pessoas estavam a beber uma chávena de chá e todos conversavam. Fui sentar-me ao lado da secretária. A mera perspetiva de partilhar a minha história era angustiante, principalmente porque eu própria não a entendia bem.
Na noite anterior, tinha sonhado com o que ia dizer. Claro que queria que fizesse todo o sentido e queria falar calorosamente, com sabedoria e clareza, como aconteceu com tantas experiências de outras pessoas que eu tinha ouvido em reuniões dos Alcoólicos Anónimos, em que todas tocaram o meu coração.
Tinha as mãos peganhentas e estava a começar a suar. Com medo de que a minha voz tremesse e traísse a força que eu sentia realmente na minha alma, perguntava-me se faria sentido. Será que me iria lembrar dos pontos que queria referir? Teria uma branca antes de terminar? Iria chorar quando me aproximasse muito da verdade do meu coração? Seria capaz de ficar no momento ou correria mentalmente à procura de formular a história de uma maneira «simpática»?
Nervosa, levantei-me e fui à casa de banho. Olhei-me ao espelho, perguntando-me quem era aquela rapariga que me olhava. Tinha na mão a ficha que recebi na reabilitação. Essa primeira ficha foi preciosa para mim, pois significava que eu estava sóbria há trinta dias. Isso, só por si, era um milagre. Por um instante, aproveitei para fazer uma oração. Pedi ajuda aos Reinos Superiores, para me darem clareza e força para partilhar a minha verdade.
Antes de sair da casa de banho, liguei para a minha madrinha dos Alcoólicos Anónimos.
– Olá, é a Mac. Estou prestes a partilhar pela primeira vez e não sei o que dizer. Não sei por onde começar.
A minha madrinha respondeu:
– Solta-te e deixa Deus falar através de ti. Partilha a tua história como a sentes hoje. Sê a Luz. Sê tu mesma.
Ela assegurou-me de que eu só tinha de ser eu mesma.
Ser «eu» mesma? Continuava sem saber ao certo quem era «eu» nesta sobriedade recem-descoberta. O «eu» que era? O «eu» que queria ser? Ou que tinha esperança de ser?
Percebi que a única coisa que podia fazer era ser o «eu» que era naquele dia. Caso resolvido.
Voltei para a sala lotada e sentei-me. Vi no grupo alguns dos meus novos amigos dos Alcoólicos Anónimos. O simples facto de saber que eles estavam lá ajudou-me e senti-me grata pelo seu amor e apoio.
Um silêncio abateu-se sobre a reunião imediatamente antes das dezoito horas. Eu sentia a energia na sala aumentar. Depois,a campainha tocou.
Respirando profundamente, apertei a ficha. Varri a sala com o olhar, em busca de rostos sorridentes e tranquilizadores, e tentei não tremer. Rezei para não chorar. Mas chorei. Choro sempre. Algo tão profundo dentro de mim é sempre movido pelo desejo de ajudar os outros, de partilhar a verdade da minha experiência pessoal de vida.
As lágrimas escorreram silenciosamente pelo meu rosto e o meu coração batia com força, enquanto a energia me atravessava. Ouvi o presidente da mesa dizer:
– Bem-vindos à reunião das dezoito horas dos Alcoólicos Anónimos. Hoje temos a Elle a partilhar a sua experiência, força e esperança. Deem, por favor, as boas-vindas à Elle.
Todos bateram palmas enquanto eu sorria nervosamente.
Engoli em seco, com força. Eu estava tão tensa que sentia a voz embargada e comecei a suar outra vez. Respirei fundo, lembrei-me das primeiras palavras do que queria dizer e depois tudo fluiu.
– Boa noite a todos. Chamo-me Elle e sou alcoólica.
» Um pouco sobre mim. Em 1998, vim para Inglaterra com o meu companheiro e o meu filho de três meses, depois de ter vivido nos Estados Unidos durante catorze anos. O meu filho ficou doente. Desde muito pequeno que é um entra e sai do hospital. Ele tinha um sistema imunológico frágil e, à medida que a sua saúde se deteriorava, fui ficando preocupada e stressada com a eventualidade de lhe acontecer alguma coisa séria. O meu companheiro estava fora durante a semana, a trabalhar em Genebra, portanto éramos só eu e o meu filho em casa. À noite, depois de o pôr na cama, eu relaxava com uma vodca.
Chegar a esta admissão abriu uma enxurrada de pensamentos e entendimento, a partir de um poço fundo de memórias, e parecia que as palavras fluíam, simplesmente. Expliquei como, com o passar do tempo, fiquei assoberbada; como eu, juntamente com o pai dos meus filhos, vivia uma vida acelerada e ia a muitos compromissos sociais e, sempre que podíamos, também viajávamos. A nossa vida era tão intensa. A par de tudo isso, tentei ser uma boa mãe, sem esquecer que tinha um negócio para gerir.
Olhando para o rosto dos presentes na reunião, continuei:
– A minha vida parecia incrível a toda a gente. Por fora, eu estava a fazer um belo trabalho, mas, bem lá no fundo, estava com sérias dificuldades. A minha intuição dizia-me que havia alguma coisa terrivelmente errada, mas eu não tinha a certeza do quê. Queria descobrir e queria entender porque me sentia assim. E também queria saber mais sobre mim; entender quem eu era. Por isso, decidi ir fazer terapia.
Não estava a justificar-me ou a arranjar desculpas, porque aqueles rostos na reunião dos Alcoólicos Anónimos perceberam do que se tratava. Senti que aquilo que eu queria dizer era que precisava de ajuda. Eu tinha procurado terapia e isso foi realmente um ponto de viragem, quando uma parte de mim percebeu que precisava de resolver os meus problemas. Foi a parte de mim que assumiu a responsabilidade e a transformou em ação.
– A minha terapeuta viu que eu estava a passar por um momento difícil, a lidar com a doença do meu filho, a ser mãe do meu segundo filho, já para não falar nas exigências da minha própria vida e do trabalho, que pareciam extremamente stressantes.
Fiz uma pausa... e olhei em redor da sala. Toda a gente me observava, à espera que eu continuasse. Lembrei-me de que era difícil, porque eu não conhecia a maior parte daquelas pessoas. Estava a abrir-me e a conversar com desconhecidos sobre a minha vida privada e a partilhar as minhas memórias, os meus pensamentos e sentimentos mais pessoais. Apertei a ficha com mais força e continuei:
– Durante as minhas sessões com a terapeuta, falei de como me tinha esforçado para ser uma boa esposa para o meu companheiro. Confidenciei-lhe as minhas paranoias relativamente à minha imagem corporal e como era difícil e doloroso o meu compromisso com o perfecionismo. Falei com ela sobre as minhas tendências obsessivo-compulsivas e sobre ter de ter tudo alinhado, separado por cores e rotulado. Sentia que tudo tinha de estar no seu lugar. Partilhei que isso era doloroso em muitos sentidos. Era como se organizar tudo por fora me ajudasse a sentir-me mais resolvida por dentro.
As pessoas diziam-me que era muito organizada. Eu estava muito orgulhosa disso. Acho que tinha de ser organizada porque bebia e eu nunca quis que ninguém soubesse. Portanto, assegurava-me de que a casa estava limpa e arrumada, assegurava-me de que tinha uma aparência ótima e assegurava-me de que as crianças estavam perfeitas. Assegurava-me de nunca deixar passar uma reunião de negócios ou qualquer compromisso dos meus filhos. Vivia a vida como se fosse uma máquina bem lubrificada.
Depois do nascimento do meu segundo filho, houve uma escalada de bebida e comecei a beber muito, principalmente aos fins de semana, porque dava por mim a não gerir as coisas. Dizia a mim mesma: «Ah, são só uns copos numa noite de sexta-feira. Está tudo bem.» Mas, eu sentia, em parte, um tremendo desconforto porque intuitivamente sabia que estava errado. A minha voz interior sussurrava-me que não estava bem. E é certo que não me sentia bem. Não era só o facto de eu saber, era que não me estava a ouvir. Eu não estava a confiar em mim mesma. Esforcei-me por entorpecer as emoções que acompanhavam essa perceção. Sentia-me fragmentada e desligada da minha alma. Estava a viver a minha vida sem uma ligação espiritual consciente à Fonte.
A minha vida era intensa e beber aliviava-me e ajudava-me a relaxar. Era sempre a mesma desculpa: eu queria beber porque tinha tido um dia difícil e precisava de descomprimir. Era uma recompensa para mim. Bebia depois de ir pôr os meus filhos na cama. Sentava-me sozinha a beber shots de vodca e depois escrevia. Fazia a lida da casa, ouvia música até por volta das onze da noite e depois caía morta na cama. Levantava-me de manhã, corria dez quilómetros e bebia uma chávena de café ao pequeno-almoco.
Quando eu bebia, estava apenas a sentir a sensação de estar embriagada, de sentimentos entorpecidos, e adorava. Finalmente... finalmente podia respirar. Não achava que estivesse a fazer nada de mal, porque eu era perfeitamente responsável em todos os outros pontos da minha vida. Fazia também parte do meu estilo de vida social e durante muito tempo foi difícil para mim identificar que bebia demais.
Beber tirava-me a ansiedade que eu sentia por o meu filho estar doente, sem falar no malabarismo que era o nascimento do meu novo filho, aliado ao desequilíbrio hormonal após o nascimento; de tentar ser uma esposa perfeita e uma mãe perfeita e uma modelo perfeita e uma mulher de negócios perfeita. E foi tudo muito difícil. A minha ansiedade era tão grande que, se eu bebesse uns copos, podia relaxar e desfrutar simplesmente de um pouco de paz. Mas, no fundo, eu sabia que não estava a ser fiel a mim própria.
A dada altura, dei por mim a ter brancas. Mas não considerei que o fossem. Ou, se considerei, ignorei-as. Estava a falar com alguém e esquecia-me do que estava a dizer. Olhavam para mim com curiosidade, como que à espera que eu respondesse.
Conscientemente, eu olhava para eles e perguntava: «O que é que acabei de dizer?» Preocupados, eles perguntavam: «Sentes-te bem?» Eu hesitava. «Não me lembro do que acabei de dizer.» Então, diziam-me: «Disseste isto e aquilo e aqueloutro…»
» Eu mantinha conversas, mas não me lembrava de nada. Estava tudo em branco. Pensava para comigo: Não sei se esta vodca e esta cocaína combinam bem, porque parece que me estão a fazer alguma coisa ao cérebro e talvez eu só precise de consumir ou uma coisa ou outra, mas não as duas.
Para quem cresceu em Nova Iorque durante os anos oitenta e noventa, as drogas eram comuns. Faziam parte e sempre se disse que viciavam! Às vezes, eu consumia microdoses, como um café expresso, para me manter durante longos dias e noites. Acho que quando se tem uma tendência para o vício, qualquer coisa se pode tornar uma muleta que nos livrar de termos de tatear o nosso caminho pela vida.
Então, estão a ver, o problema era: eu bebia uns copos e depois sentia que precisava de contrabalançar isso com estimulantes du jour, que eram tão tóxicos e me alteravam a consciência como o álcool. Portanto, estavam interligados. Eram tipo Oreos com leite. A consequência era que, às vezes, não me lembrava das coisas. De manhã, depois de acordar de uma noite a beber, eu olhava à volta e via que tinha a roupa bem dobrada e estava tudo impecável. Eu não era nem um pouco desleixada. Desenlaçava a memória e dizia: «Pois foi, cheguei a casa e pendurei a roupa, pus ali a mala e guardei o relógio no cofre.» Fazia uma lista de verificação e tentava revisitar os passos da noite anterior.
Mas também tinha rotinas. Enfiava os dedos na garganta e fazia questão de vomitar três vezes antes de dormir. Era sempre três vezes. Nunca foi duas vezes e nunca foi apenas uma vez. Depois bebia um litro de água e ia para a cama a pensar que ia limpar o meu sistema.
Ri nervosamente ao dar-me conta de como tudo isto era ridículo. O grupo dos Alcoólicos Anónimos sorriu de volta para mim. Encorajada, continuei.
– Era assim que me organizava e não achava que houvesse nada de mal nisso. Mas, debaixo da superfície, eu sabia a verdade.
Foi muito doloroso, porque senti que tinha de tentar manter todos os pratos no ar. Não falei com ninguém. Nem contei à minha terapeuta, no início. Eu não sabia com quem falar sobre o assunto, nem sequer se queria contar a alguém. Eu só sabia que a minha vida não podia continuar assim.
Em silêncio, pedi ajuda ao Universo. Respondeu com um alerta que mudou a minha vida.
Foi neste ponto da minha história que houve uma enxurrada de memórias. O coração martelava no meu peito enquanto eu olhava à volta da sala. Estava em silêncio e não se ouvia um pio. Perguntei-me se alguém ouviria o bater do meu coração. Prossegui.
– Depois do nascimento do meu segundo filho, as minhas profissionais de saúde vinham regularmente a casa tratar-me a pneumonia e outras doenças. Estavam muito preocupadas com o meu bem-estar e por mais que tentassem tratar-me, eu estava sempre a adoecer novamente. Com o passar do tempo, desconfiaram que o que me afligia era autoinduzido. Perceberam que eu tinha um problema mais profundo que precisava de ser resolvido, portanto optaram por não me tratar mais. Entendo agora que isso veio de um sentimento de amor duro excruciante, mas na altura senti-me perdida. Elas desconfiaram de que eu tinha dependência do álcool e encaminharam-me para uma terapeuta.
Depois de algumas sessões, a minha nova terapeuta disse-me que, por mais que ela tentasse ajudar-me, eu estava a prejudicar-me com a bebida. Ela disse que isso precisava de ser resolvido; estava ciente de que eu entorpecia os meus sentimentos e nunca poderíamos realmente fazer quaisquer progressos, porque eu estava tão fechada. Também disse que não continuaria com as nossas sessões, a menos que eu procurasse tratamento. Aconselhou-me a ir para reabilitação.
Então, não só os meus médicos me disseram que não me tratariam, como agora a minha terapeuta me dizia a mesma coisa. Eu tinha formado rapidamente um vínculo com esta terapeuta e a ideia de não poder continuar a terapia com ela perturbou-me profundamente. Ponderei no que ela disse e falei com o meu companheiro sobre isso.
Aceitei ir para reabilitação, mas, antes de ir, decidi passar o verão em Ibiza com a minha família. A minha terapeuta disse-me:
«Elle, não acho sensato ir de férias antes de entrar em tratamento. Se o fizer, e tiver bebido o verão todo, vai ter de entrar em desintoxicação. Quer isso dizer que, em vez de ficar quarenta dias, vai ficar cinquenta. Terá de passar dez dias em desintoxicação. Quer ficar tanto tempo longe dos seus filhos?»
Eu não queria ouvir aquilo. Sabia o que estava a fazer. Portanto disse: «Boa. Entendi. Vou para Ibiza e não vou beber.» Ao que ela respondeu: «Muito bem, vamos ver como isso funciona.»
Dava para ver, pelos rostos na reunião dos Alcoólicos Anónimos, que todos eles se identificavam com o consumo controlado. Eu via o reconhecimento no seu olhar. Uns quantos sorriram, sabendo do que eu estava a falar. Apertei a moeda com mais força.
– Nas primeiras semanas em Ibiza, não bebi. Telefonava à minha terapeuta às terças e quintas para as nossas sessões. Todas as semanas lhe dizia: «Estou bem. Não estou a beber.» Pensei e acreditei que tinha resolvido o problema. Mas depois, um fim de semana, toda a gente saiu à noite. Eu sabia que iam para o Space Night Club, que era um dos lugares da moda na cidade. Disse a mim mesma: «Não posso ir.» Estava tão infeliz por me sentir excluída e lembro-me de ter posto os meninos na cama naquela noite sentindo-me muito sozinha e a sentir realmente a falta do meu companheiro e dos meus amigos. Estava incomodada e a chafurdar em pena de mim mesma, a pensar para comigo que a minha vida tinha chegado ao fim. Soube o que ia fazer antes mesmo de o fazer. Optei por ignorar os sussurros da minha voz interior, que dizia: «Não faças isso.»
Entrei na cozinha e tentei abrir uma garrafa de vodca. As garrafas de vodca são muito estranhas lá. Não abrem facilmente.
Tem de se pegar numa faca e tipo quebrar o selo de alumínio. Eu torci a tampa e ela deu voltas e voltas, mas não abriu. Quando decidi beber, fiquei muito irritada por não conseguir abrir a garrafa. Fartei-me de tentar e comecei a sacudir a garrafa, de frustração. E tremia, para pôr aquele álcool dentro de mim. E também tremia por estar muito chateada comigo mesma por querer beber.
Não consegui abri-la, portanto esmaguei a parte de cima da garrafa. Servi-me à pressa de uma pequena dose que devia estar cheia de estilhaços. E bebi. «Ahhhh!» Aquela sensação de calor veio do alto da minha cabeça e atravessou-me o corpo todo. Lembro-me de pensar: «Adoro esta sensação.» Senti taaaanto a falta dela. Toda a ansiedade e toda a sensação de que eu não era boa o suficiente; toda a sensação de estar sozinha e abandonada, de não saber lidar com as coisas, se esvaiu. Aquela sensação calorosa desceu sobre mim e eu queria outro shot. Então, bebi-o. E outro. Depois, percebi que tinha bebido três shots e queria mais.
Bastou esse pensamento para me pôr sóbria. Eu estava tão furiosa comigo mesma. Cuspi de dentes cerrados. «Mas que porra é que eu estou a fazer? Acabou.» Peguei na garrafa e despejei a vodca pelo lava-louca.Tremi o tempo todo, ao fazê-lo. Percebi que a minha terapeuta tinha razão: eu era viciada em álcool. Fiquei horrorizada.
Corriam pensamentos e memórias pela minha cabeça quando conscientemente comecei a pensar na minha vida. Lembrei-me de que saía para jantar com amigos e, ao tomar um par de vodcas, ficava bem. Não tinha de acabar com a garrafa. Mas depois percebi que, quando se inflama a bebida com uma reação emocional, é como se um gatilho disparasse e nunca houvesse álcool suficiente para preencher o vazio. Eu tinha continuado a beber, pensando que iria eliminar a sensação de não me inserir. Mas isso nunca acontece, até se desmaiar, basicamente. Era do género, se eu não estivesse com uma forte carga emocional, podia beber normalmente. Eu podia beber sem parar se me estivesse a sentir sozinha. Podia beber sem parar se sentisse que não tinha mais nada para fazer. Eu podia beber sem parar. Portanto, havia sempre uma razão para eu poder beber sem parar.
Também percebi que, quando começava, não queria parar. Eu não tinha alcançado isso antes. Não sabia se era a combinação do gatilho emocional com o álcool que implicava que eu não parasse. Mas naquele dia tive um grito de alerta e solucei sem parar. A minha terapeuta tinha razão. Parecia não haver maneira de eu ficar sem beber. Percebi que o álcool era sintoma de um problema subjacente, muito mais intenso, dentro da minha alma. Percebi que usava o álcool como muleta; que o usava para me anestesiar e não abordar a dor do meu «eu» perdido. Precisava mesmo de ir para a clínica de reabilitação. E queria descobrir por que razão me sentia espiritualmente estéril, fragmentada e desconectada.
Ali mesmo, mudei por dentro. Com uma clareza consciente, soube que estava pronta para ir e que tinha de fazer aquilo por mim mesma. Sabia que não podia ficar um mês inteiro sem beber. Não era capaz. Voltei de avião para Londres, enquanto a minha família ficou em Ibiza. O meu filho mais novo tinha apenas seis meses e o mais velho, cinco anos e meio.
Eu queria partir no dia 31 de agosto. Escolhi essa data porque era o aniversário da minha avó. Ela era a minha conexão espiritual. Foi ela quem me ensinou sobre Deus e era a ela que eu era mais chegada. Em honra da minha avó, senti que recebi força para o fazer naquele dia e senti-a ao meu lado, a ajudar-me. Foi quase como um presente de aniversário para ela. A minha avó foi uma poderosa influência espiritual na minha juventude. Agora percebia que não tinha escutado o meu sentido interior e que fui contra esse saber interior a que ela me apresentou. Toda a turbulência emocional turvara o meu sexto sentido... até tudo ficar tão ruidoso que eu já não podia ignorá-lo mais.
O meu primeiro dia sóbrio foi no dia 1 de setembro. Marquei um sítio no Arizona. A minha mãe veio a Londres ver-me antes de eu partir. Foi tão amorosa e apoiou-me tanto. Lembro-me de fazer a mala na véspera da partida à noite e perceber que não tinha roupa adequada e de querer ter um ar fixe na clínica de reabilitação. Sim, é a modelo que há em mim! Tinha alguma roupa informal, então levei o que pude. Deram-me uma lista de coisas que me era permitido usar ou não usar. Não podia usar nada que fosse muito revelador ou decotado. Se usasse leggings, tinha de ter uma camisa suficientemente comprida para me tapar as ancas e o traseiro, porque também havia viciados em sexo no centro de tratamento. Eu tinha alguma roupa informal, por isso levei o que pude.
Na manhã da partida, antes de ir para o aeroporto, bebi umas cervejas. Era a única coisa que senti que podia beber sem chatear a minha mãe. Queria mesmo beber uma vodca, mas não bebi. Queria beber champanhe com gelo, ou talvez champanhe e vodca, mas é certo que não queria cerveja. E assim, sem mais nem menos, o meu tempo acabou e bebi a minha última bebida insatisfatória. Peguei na mala com uma determinação nervosa e saí pela porta. A minha mãe levou-me ao aeroporto. Dei-lhe um abraço apertado e ela olhou para mim e disse: «Amo-te, Elle. Tu és capaz de fazer isto.»
Escorriam-me pela cara lágrimas quentes. Respirei fundo e continuei a minha partilha:
– Mal podia esperar para ir para a reabilitação, porque eu só queria e precisava de tempo para mim. Queria uma pausa na minha vida. Precisava de ponderar no que estava a fazer e na pessoa em que me tinha tornado. Sentia-me algo empolgada. Havia apreensão, claro, porque era tudo tão estranho, desconhecido. Senti que seria um novo começo para a minha vida."
"Elle - Vida, lições e como aprender a confiar em si própria", de Elle Macpherson, é editado pela Casa das Letras.
