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Ela escapou aos abusos do pai, o líder da maior seita poligâmica dos EUA

Filha do Profeta é o livro onde Rachel Jeffs conta tudo. Confira a conversa exclusiva com a Máxima.

15 de junho de 2018 às 20:00 Rita Silva Avelar

É comum ouvir a expressão "a minha vida dava um filme". Mas poucos serão os casos tão dramáticos como o de Rachel Jeffs, a filha de um dos dez homens mais procurados pelo FBI. Agora em prisão perpétua, Warren Jeffs foi o líder da maior seita poligâmica dos Estados Unidos e o "Profeta" do culto fundamentalista mórmon e líder da Igreja FLDS* que casou com mais de 70 mulheres – a segunda delas, mãe de Rachel. Depois de anos presa nesta rede (casou, inclusive, com um homem que não conhecia e que já tinha duas mulheres) e de ter sido abusada sexualmente pelo pai desde os oito anos, Rachel conseguiu escapar ao terror com os seus cinco filhos, voltou a casar e tornou-se professora de violino. Filha do Profeta (Breaking Free, editado em Portugal pela Planeta) é o livro onde conta tudo – da infância à fuga.

Qual é a sua mais memória mais antiga?

Ver o líder da nossa igreja, Leroy Johnson, dentro de um caixão. Lembro-me de o meu pai dizer: "Rachel, nunca te esqueças que viste o melhor homem do mundo."

Como descreve a sua infância?

Foi uma infância feliz, pelo menos até os abusos começarem. Adorava ter imensos irmãos e irmãs. Não entendia os desafios da poligamia até eu própria ser uma mulher poligâmica casada, mas, olhando para trás, vejo que as mulheres do meu pai sofreram muito e, em algumas ocasiões, descarregavam as suas frustrações em nós, crianças.

Na quinta onde viviam era suposto toda a gente estar feliz e em harmonia. Como se sentia ao sufocar emoções como a ansiedade e a raiva dentro de si?

Todos aprendemos a controlar os nossos sentimentos. Ser crente em Deus ajudou-me a sentir que Ele me ajudava a sobreviver e a estar controlada.

Todos eram submetidos a regras rígidas. Quais eram as mais estranhas?

Quase todas. Mas quando as restrições alimentares ficavam mais rígidas, era cada vez mais difícil pensar em refeições. Era difícil não mostrar amor pelo nosso marido e não ter o amor dele. As longas horas em oração faziam com que as crianças ficassem doentes de tanto fazê-lo.

Qual era a punição para quem se recusava a cumprir as regras?

Eram afastados das famílias para sempre.

Viviam à parte da sociedade. O que faziam quando ficavam gravemente doentes?

Aprendemos a lidar com as doenças ao recorrer a várias ervas curativas, à medicina natural.

Quando tomou consciência do verdadeiro significado da poligamia?

Desde muito cedo percebi que um homem poligâmico tinha mais do que uma mulher.

Aos oito anos começou a ser abusada pelo seu pai. Contou à sua mãe apenas dois anos depois. Sabia que isto se passava com mais meninas na família?

Só muitos anos depois descobri que isso acontecia com as minhas irmãs, mas na altura achava mesmo que o meu pai só me molestava a mim.

Anos depois foi forçada a casar com um homem que apenas conheceu na véspera do casamento. Quais eram as suas expectativas?

Esperava encontrar amor. Eu sabia que teria de criar muitas crianças e, em geral, ser uma mãe confinada à casa e à maternidade.

O que sentiu quando foi mãe pela primeira vez?

Feliz. Adoro ser mãe e os meus filhos são a minha vida.

Onde foi buscar forças para fugir do ciclo de poligamia em que estava presa?

A minha motivação foi procurar uma vida melhor para os meus filhos.

O seu pai tornou-se um dos dez homens mais procurados pelo FBI. Mesmo quando foi preso, continuou a dar ordens "para fora". Acreditava na sua inocência?

Durante toda a nossa vida, os líderes da Igreja FLDS ensinaram-nos que o líder, o seu Profeta, Warren Jeffs, o meu pai, não poderia praticar o mal. Ensinaram-nos que ele estava na prisão como resultado de uma perseguição religiosa à Igreja.

O que mudaria hoje, se pudesse?

O facto de a minha família acreditar que as ações do meu pai estão fora do pecado. Gostava de ajudá-los a ver e a saber a verdade.

Qual é a sua mensagem para todas as vítimas de uma situação de abuso de poder?

Que podem ser fortes e escapar de qualquer situação má em que estejam. Que não precisam de estar sob controlo obsessivo de alguém nem de cooperar com qualquer tipo de abuso. Qualquer um pode conquistar aquilo que quiser.

Qual é a sua maior força, depois de um passado marcado por uma história tão trágica?

Somos donos do nosso futuro. E todos os dias temos o poder de decidir fazer a melhor escolha em qualquer situação. A minha maior força é a minha fé em Deus.

 

 

*Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (no original Fundamentalist Church of Jesus Christ of Latter Day Saints), a igreja que Warren Jeffs liderava com princípios de fundamentalismo mórmon e uma das maiores seitas poligâmicas organizadas dos Estados Unidos e do mundo.

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