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A propósito das conferências Discursos do Cérebro, a acontecer ao longo deste mês na Culturgest, fomos conhecer algumas das mais recentes revelações no campo das neurociências, em especial na sua relação com a obesidade.

O cérebro humano é, talvez, a estrutura mais complexa de um ser vivo. Através dele, conseguimos armazenar mais informação que qualquer computador e a verdade é que dele depende muito a forma como percecionamos e reagimos ao mundo. Nomeadamente, a forma como nos alimentamos, que está intrinsecamente ligada ao nosso cérebro.

De acordo com um estudo recente, divulgado pela Organização Mundial de Saúde, ficamos a saber que Portugal é o quinto país com mais crianças obesas na Europa. Este é um facto preocupante, no entanto, neste momento, já é claro para muitos investigadores que o problema da obesidade é transversal a quase todas as sociedades. A tendência global é de crescimento: o mundo está a engordar – e em todos os sentidos. Hoje, existem países onde já é mais raro ter um peso ‘normal’ do que ser obeso, daí que este esteja a ser encarado como um desafio social enorme e urgente.

Albino Oliveira-Maia, diretor da Unidade de Neuropsiquiatria no Centro Clínico Champalimaud (da Fundação com o mesmo nome), esteve presente numa destas conferências e revelou os dados mais recentes da investigação que tem dirigido sobre o tema. Quisemos saber mais.

Qual o objeto de estudo principal da investigação que o trouxe a estas conferências da Culturgest?

Está relacionado com a forma como o consumo de alimentos provoca prazer, os mecanismos neurobiológicos que estão subjacentes a esse fenómeno e a importância tanto do fenómeno como desses mecanismos numa tentativa de perceber melhor a ocorrência de obesidade como um problema de saúde muito relevante hoje em dia. Por outro lado, está também relacionado com os efeitos de alguns tratamentos que estão a ser realizados em quem sofre de obesidade – de que forma é que poderão estar a ser mediados por uma alteração destas sensações de prazer e da neurobiologia que lhe está subjacente.

Que tratamentos são esses?

Sabemos que o único tratamento que tem um efeito muito significativo no peso das pessoas obesas, e que esse efeito dura muitos anos, é a cirurgia bariátrica (a cirurgia gástrica para perda de peso). Vou falar dos estudos que temos vindo a fazer para tentar perceber como é que a cirurgia para a perda de peso modifica a recompensa alimentar.

De que forma o nosso cérebro controla a forma como nos alimentamos?

O cérebro tem uns circuitos – os circuitos homeoestáticos – que regulam as necessidades nutricionais que temos. E, portanto, se há determinado nutriente que está em necessidade, com níveis baixos, o cérebro ativa esses circuitos para nos levar a procurar alimentos onde esse nutriente exista. Por outro lado, o cérebro tem mecanismos para o caso de termos excesso daquele nutriente, de forma a reduzir a nossa procura do mesmo.

Claro que se esse sistema funcionasse de forma perfeita, nós não teríamos obesidade. O sistema, por exemplo, para regulação do nível de gordura no organismo iria impedir que nós comêssemos mais quando tínhamos um elevado nível de adiposidade/gordura.

Há então alguma coisa que falha nesse processo do nosso cérebro?

A verdade é que, no mundo todo, há uma proporção muito significativa de pessoas que têm dificuldade em regular a sua alimentação nessa perspetiva. E a ideia aqui é que um dos elementos que está a dificultar esse controlo é o facto de nós comermos não só para regular os níveis de nutrientes no organismo mas também porque este é um comportamento que está associado a sensações de prazer. Sabemos que essas sensações estão, em geral, muito associadas à libertação de um neurotransmissor no sistema nervoso central, que é a dopamina. Que é o mesmo neurotransmissor que está envolvido nas respostas a uma série de substâncias que nós também temos muita dificuldade em controlar, como a nicotina, o álcool, a cocaína, a heroína, etc. E, portanto, estes circuitos estimulam o consumo, podem estar desregulados em algumas pessoas e essa desregulação pode ser um elemento importante na ocorrência de obesidade.

Há uma parte genética também ela significativa nas causas da obesidade?

Isso não é claro que se possa dizer. Os genes que temos atualmente são muito pouco diferentes dos genes dos nossos bisavós, trisavós… E hoje temos níveis de obesidade que são muito distintos dos níveis de obesidade de há 50, 100, 300 anos. Vivemos todos num mesmo ambiente, que nos oferece determinados alimentos, ricos em calorias, e que são também muito agradáveis. Mas a maior parte das pessoas não fica obesa. Assim sendo, há seguramente alguns elementos individuais que poderão ser pelo menos em parte genéticos e que contribuem para a ocorrência deste problema. Mas não são só os genes…

 

Como é que estas novas descobertas, a curto prazo, podem ajudar no combate à obesidade?

De nenhuma forma. Neste momento, na minha opinião, este conhecimento é útil para nos ajudar a perceber o problema. E tal como eu estou a conceptualizar o problema, com base nesta questão dos circuitos de recompensa, haverá outros investigadores que poderão estar a conceptualizar o problema de forma diferente. Eu presumo que este seja um problema cuja origem esteja distribuída por diferentes mecanismos. Provavelmente, nem todas as pessoas que são obesas são-no pelo mesmo motivo.

A fase em que estamos, transversal a muitas áreas ligadas às alterações do comportamento, é uma fase de compreensão. E na minha opinião é uma fase fundamental para pensar em soluções. Mas neste momento não estão em cima da mesa soluções que possam utilizar de forma inteligente este conhecimento.

Qual o maior desafio que se coloca neste momento a quem investiga o cérebro?

A complexidade. O cérebro é um órgão de extraordinária complexidade que reside num organismo que é igualmente complexo e interage com ele. Por sua vez, este organismo vive num ambiente também ele cheio de complexidade. Portanto, a maior dificuldade é reduzirmos o problema que estamos a estudar a um nível que mantenha a importância daquele estudo. Nós reduzimos a questão que estamos a colocar para uma questão que consigamos responder experimentalmente. E esse é um enorme desafio. 

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Albino Oliveira-Maia, Diretor da Unidade de Neuropsiquiatria no Centro Clínico Champalimaud
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