A vingança serve-se com bisturi
Os divórcios aumentam e, com eles, o trabalho dos cirurgiões estéticos também. A relação entre os dois fatores tem uma explicação: revenge surgery, uma nova estratégia para ultrapassar relações com final infeliz.

Sexo, dinheiro e poder. A trilogia sagrada de religiosos e ateus. O mantra de ocidentais e orientais desde que o mundo é mundo e muito antes de Copérnico ter ardido na fogueira por defender que a Terra gira em torno do Sol. Um trio promíscuo e fechado sobre si próprio: o sexo facilita o dinheiro e o poder; o dinheiro compra o sexo e o poder; e o poder é garantia de sexo e de dinheiro. Obviamente, isto é um problema para as mulheres, que, mesmo nas sociedades ditas civilizadas, continuam a ter menos poder e dinheiro do que os homens. Sexo, deste lado do mundo, já podem ter tanto quanto eles. E aqui vingam-se: para elas ainda é mais fácil obterem-no sem compromisso – e sem pagamento – do que para eles.
PODEROSOS MALUCOS POR SEXO

Sexólogos e psicólogos concordam: a compulsão sexual de alguns homens poderosos é provocada por um mito alimentado pelos próprios – eles podem ter tudo o que quiserem. Mesmo que isso implique sacrificar outras pessoas. Porquê? Por julgarem que as regras morais não se aplicam a criaturas tão especiais como eles...
O que faz um homem com dinheiro e sem sexo? Compra uma mulher. O que faz uma mulher com poder e sem sexo? Seduz um homem. É isto? Não, não é. Pelo menos se estivermos a falar de pessoas recém-divorciadas.
Um artigo publicado recentemente no Daily Mail revelou uma estranha tendência: maridos e mulheres britânicos vingam-se dos ex-parceiros com a ajuda do bisturi. Uma moda que está a dar muito trabalho aos cirurgiões plásticos. Os ingleses até criaram o termo revenge surgery para definir operações estéticas que se destinam a castigar os antigos cônjuges, mais não seja mostrando-lhe o que acabaram de perder.
É verdade. Quase um quarto das mulheres que desde o ano passado se submeteram a uma plástica na Transform Plastic Surgery Group – instituição que reclama a liderança do mercado da cirurgia estética no Reino Unido, com dois hospitais e 27 clínicas – divorciaram-se recentemente. E 11% das operações feitas por aquele gigante médico tiveram como pacientes homens acabados de se separar.
A vingança cirúrgica (que não é fria, mas sangrenta, como o Bloody Mary) foi importada dos Estados Unidos, onde o aumento constante do número de divórcios ameaça transformar os cirurgiões plásticos nos novos psicólogos.
O que diz Henry Kissinger
O 56.º secretário de Estado norte-americano e prémio Nobel da Paz (pelo seu papel no fim da guerra do Vietname) é o responsável por uma das mais famosas definições de poder. Disse esta frase em 1971, em entrevista ao New York Times. Mas tem outras igualmente certeiras...
“O poder é o último afrodisíaco.”
“Noventa por cento dos políticos dão aos 10% restantes uma péssima reputação.”
“A falta de alternativas clarifica maravilhosamente a mente.”
“Até os paranoicos têm inimigos reais.”
“Ninguém jamais vencerá a guerra dos sexos: há muita confraternização entre os inimigos.”
“A Europa? Qual é mesmo o prefixo do telefone?”
Aí, a febre é de tal ordem que algumas clínicas criaram pacotes pós-divórcio com diversos procedimentos cirúrgicos e vales de desconto.
É normal que, logo após a separação, as mulheres emagreçam, mudem de penteado e comprem roupa nova. Não só porque precisam de recuperar a autoestima (que desce para níveis tanto menores quanto mais baixa for a idade da sua sucessora) como também por terem direito a encontrar um novo parceiro. Simplificando: estão de volta ao mercado e isso tem de se notar. O que talvez não seja assim tão saudável é que, para ostentar um novo look, tenham de ganhar nódoas negras e passar por pós-operatórios complicados.
Parece mentira haver quem acredite que atenuando as rugas e aspirando a gordura das coxas reconquista o seu amor. Mas acontece. As pessoas aguentam dores e até se endividam um pouco mais, mas quando acordam (da operação, mas sobretudo do sonho) e percebem que está tudo igual, viram-se contra aqueles que julgavam milagreiros: os cirurgiões. É compreensível que os médicos tenham medo destes doentes.
Brent Moelleken, cirurgião plástico citado pelo Daily Mail, afirmou àquele jornal: “Pessoalmente, acredito que a vontade de mudar radicalmente faz parte do processo de luto quando uma relação termina.” Porém, sublinha: “Nunca é boa ideia fazer uma cirurgia pelas razões erradas, ou por causa de alguém.”
João Anacleto, cirurgião plástico português, diz que prefere perder um cliente a pactuar com uma ilusão. “Uma mulher não é as suas mamas. É um todo. Se viver mal consigo própria e tiver um marido que está sempre a elogiar as maminhas da vizinha porque são grandes, se calhar não tem de trocar de mamas mas sim de marido – porque ele nunca ficará contente com as suas.”
Vale a perna recordar que a beleza física é um atributo muito mais valorizado por homens do que por mulheres? É preciso sublinhar que desde os primórdios da civilização que as fêmeas preferem a segurança à estética? (Daí frases como: “Não há homens feios com grandes contas bancárias?”) Isso explica que, perante a rejeição, elas reajam correndo atrás da arma que lhes coube na História: a beleza. Querem parecer mais bonitas, mais novas, mais sedutoras.
E eles? O que fazem eles quando são deixados para trás? Provavelmente, tentam arranjar dinheiro para comprar um carro novo, coisa que – a avaliar por diversos estudos – revelará o aumento do seu poder (e sobretudo do rendimento líquido). Claro que existem exceções: lembram-se dos 11% de britânicos que pediram ajuda ao bisturi para lidar com o divórcio? Pois, esses provavelmente já perceberam que as regras estão a mudar ou que as fêmeas do seu target já arranjaram uma situação suficientemente confortável do ponto de vista económico para poderem exigir outros atributos, mais físicos.
A ideia de que a estética pode salvar a relação não acode apenas nas situações de rutura. Existem maridos e mulheres que encaram a medicina estética como terapeuta familiar, conselheira matrimonial e até mesmo como embalagem de Viagra.
'A ideia de que a estética pode salvar a relação não acode apenas nas situações de rutura'
João Anacleto admite que já apanhou de tudo no seu consultório, quando os clientes aparecem aos pares. “Maridos que falam em vez das mulheres – e elas ficam caladas sem que a gente perceba o que pensam daquilo que vão fazer ao seu corpo; maridos brincalhões que se metem mas a gente percebe que não mandam nada; e mulheres que ficam zangadas porque querem que os maridos corrijam isto ou aquilo e eles recusam.” O médico recorda um casal que lhe apareceu na consulta, com a mulher a exigir que o marido fizesse uma lipoaspiração: “Acabou furiosa porque eu disse que não tocava no homem antes de ele fazer dieta e exercício.”
Um exemplo de despotismo, habitualmente mais atribuído aos homens do que às mulheres. O que não quer dizer que o mundo não esteja cheio de ditadoras. E de taradas. Mas assim de repente, excetuando a clássica Cleópatra, não parecem abundar os exemplos de lascivas poderosas (ver caixa Poderosos malucos por sexo). A própria Cleo, famosa pelos tratamentos estéticos da altura – banhos de leite de burra –, só exerceu completamente o poder quando fez uso pleno do sexo – Júlio César que o diga. Afinal, talvez a igualdade de géneros só seja efetivamente possível quando homens e mulheres usarem as mesmas armas. O que equivale a dizer: quando os dois obtiverem dinheiro e poder recorrendo apenas... ao sexo.
