O que dizem os desenhos do seu filho?
É consensual que os desenhos expressam a visão que a criança tem de si própria e do mundo. São uma ferramenta reconhecida por psicólogos, educadores e arte-terapeutas, mas é preciso algum cuidado com os diagnósticos apressados. Em caso de dúvida, pergunte-lhe: só o seu filho tem a chave do enigma.

O primeiro gesto de Bobby Kennedy quando tomou posse da pasta da Justiça norte-americana foi redecorar o gabinete. Até aqui nada de novo. Mas o irmão do Presidente dos EUA preferiu pendurar os desenhos dos seus filhos, aos habituais quadros de artistas famosos. Nos anos 60, a ideia chocou o mundo e foi notícia, conta o filosofo Alain de Botton. Mas hoje enchemos o frigorífico, o escritório ou o consultório de obras de arte infantis e ninguém se lembraria de dar primeira página ao assunto. E, no entanto, a pergunta torna-se mais atual do que nunca: o que nos fascina tanto nos desenhos das crianças, o que procuramos descobrir através deles?
Jacqueline Goodnow, uma das maiores especialistas em desenho infantil, garante que não espanta que nos apaixonem. Afinal, diz, "a maior parte deles possui encanto, novidade, simplicidade e uma apresentação fresca que é fonte de prazer puro", ou seja, valem por si mesmos. Mas para a investigadora os desenhos podem também ser vistos como uma expressão da nossa procura de ordem no mundo, como exemplo de comunicação, como pistas para entender a sociedade em que vivemos e, acima de tudo, como expressão da alma. "O consenso final é de que os desenhos são, sem dúvida, mais naturais que imitativos – eles emergem de dentro", explica Goodwon, enquanto Alain de Botton conclui que é exatamente por revelarem tanto sobre a vida interna das crianças que vemos neles "bocadinhos da nossa personalidade em exílio". Deixam-nos entrever bocadinhos da criatividade, espontaneidade, inocência e sensibilidade de que fomos abdicando para nos encaixarmos melhor num mundo de precisão, trabalho, concentração e valorização de um caminho sem atalhos. Lembram-nos de quem fomos.

A magia dos lápis
Mas se nos traços de uma criança nos encontramos a nós mesmos, será que isso significa que através deles podemos conhecer quem os desenhou? Traduzem, de facto, o que a criança está a sentir, uma espécie de voz do inconsciente? E se sim, há uma linguagem que lhes é própria, um significado para as cores utilizadas, para o facto de pintarem num canto da página ou ao centro, em grande ou em pequenino, ou devemos aceitar essas explicações com o mesmo ceticismo com que muitos de nós lemos os horóscopos?
Vamos começar pelo princípio. Todos os bebés, por volta dos 18 meses, começam por descobrir o lápis ou a caneta, ou até uma pedra que usada contra uma superfície faz riscos. Os sofás e as paredes de casa costumam ser os primeiros suportes para esta curiosidade sem fim, onde não existe outro objetivo senão riscar pelo prazer do movimento e de ver linhas a aparecer. Chamadas de "garatujas", são a princípio aleatórias, para se tornarem cada vez mais ordenadas. Pouco mais tarde, e à medida que a linguagem se desenvolve, dão-lhes nomes e significado (que para o mesmo rabisco podem variar muito rapidamente), revelando já muito sobre o que conhecem e percebem do mundo. As crianças, ainda nesta fase de ‘rabiscos’, começam a desenhar círculos, independentemente da cultura em que nascem. O pediatra Joseph Di Leo, que dedicou a vida inteira ao estudo do desenho infantil, constatou que todas elas começam por desenhar um círculo (que interpretava como a cabeça do pai) e daí faziam linhas para baixo, evoluindo para o que se considera a "Figura do Girino". Nesta fase, que se dá por volta dos 3-4 anos, passam a representar a figura humana: um pai, uma mãe, um Eu, que vai ficando com mais membros e detalhes à medida que a criança os vai interiorizando. Agora a sua motivação não é só preencher a folha, é retratar as coisas do mundo que vê e que sente, procurando retratar parecenças. Passa então, pelos 5-6 anos, à fase do simbolismo, usando os símbolos que representam o seu ambiente: e é aqui que começamos a ver sempre a casinha, com um chão em baixo e um céu em cima. A partir daí a intencionalidade dos desenhos começa a ser, progressivamente, muito maior, e os temas do desenho mais concretos. Os especialistas concordam que neste processo o desenvolvimento motor e cognitivo andam a par e passo, mas há muitos que acreditam que mais do que apenas reflexo dessa maturação, como afirmava Piaget, são uma janela para o inconsciente.

Uma familia de ursos
Quando o Tomás, de cinco anos, saiu da "prova de admissão" feita pela psicóloga da escola onde os pais o queriam matricular, Catarina bombardeou nervosamente o filho com perguntas, na esperança de perceber o que se passara naquela hora. Afinal, ainda há dois dias a dita psicóloga chamara uma mãe para lhe dizer que a filha estava certamente deprimida porque desenhara nuvens pretas e muita chuva. Assim, quando o Tomás lhe contou que desenhara uma família, suspirou de alívio. Que melhor podia haver do que o retrato de uma família unida e feliz? O sossego só durou um segundo porque o Tomás rematou: "Desenhei uma família de ursos, mãe!" Hoje, conta a rir como sentiu o coração de mãe insegura cair-lhe aos pés: "Só me passavam pela cabeça as interpretações da psicóloga: ‘Ai meu Deus, vai pensar que somos todos muito agressivos, que ele despreza a família humana e preferia ter sido adotado por uma de ursos.’" O Tomás entrou, mas mãe e filho anos depois ainda riem com a história.
Contudo, a ideia feita de que num desenho infantil está "toda a verdade" é não só falsa como perigosa nas mãos de um técnico mal preparado ou de pais demasiado ansiosos. Por isso, os especialistas alertam que a interpretação do desenho infantil é apenas uma de muitas ferramentas de avaliação, não podendo ser utilizada nem sozinha, nem muito menos baseando-se num só desenho.

Como em tudo, é preciso um olhar treinado que sabe o que procurar e o que valorizar ou não. Joseph Di Leo afirma que se deve sempre olhar para o desenho no seu todo, fugindo a perguntas diretas do estilo "O que é isto", optando por questões abertas, como por exemplo "Fala-me lá do teu desenho", menos suscetível de sugestionar uma resposta. Alerta até os profissionais a terem cuidado, falando o menos possível e ouvindo se existem possíveis comentários da criança enquanto desenha que possam dar mais pistas. Às críticas dos que desvalorizam o interesse do desenho infantil por considerarem que depende sempre do observador, responde que "também não desvalorizamos um estetoscópio por dar azo a diferentes interpretações da informação que nos fornece".
Mostra-me o que desenhas e dir-te-ei quem és
Ressalvados todos os cuidados, Joseph Di Leo concluiu que há algumas características gerais que tendem a correlacionar-se com traços de personalidade. Por exemplo, diz, "as crianças seguras tendem a desenhar livremente, usando todo o espaço disponível, com pressão e continuidade no traço," e as inseguras, "a fazer desenhos pequenos, circunscritos a uma parte da folha, com linhas quebradas e ténues".
Também o facto de uma criança não se incluir no desenho da família pode indicar sentimentos de exclusão e de não pertença, assim como a falta de braços ou mãos pode revelar timidez. Os pés pequenos são considerados por muitos especialistas como símbolo de insegurança e o excesso do uso das sombras um sintoma de ansiedade.
Quanto às cores, as raparigas parecem preferir cores mais quentes e os rapazes as mais frias. E se o verde tem sido ligado à criatividade, o amarelo surge como felicidade e o encarnado é normalmente associado ao entusiasmo. Deb Shoeman, uma arte-terapeuta americana, é clara: "Existem alguns guias que atribuem um significado a cada cor, mas uso-os apenas como ponto de partida. Acima de tudo, conta a criança que temos à nossa frente."
Depois de um divórcio difícil, Joana, psicóloga, entrou em pânico quando vez após vez a filha de quatro anos lhe entregava desenhos em que a única cor que sobressaía era o vermelho. Ligou a uma colega, que a meio da história perguntou: "Tens a certeza que as outras canetas não estão gastas?" Quando Joana as foi testar, nem queria acreditar: só a encarnada, de facto, é que ainda pintava.
Goodwin alerta para erros frequentes deste tipo, recordando que ainda por cima as cores têm significados diferentes em culturas diferentes. "Acima de tudo", insiste, "é preciso compreender o contexto. E se houver alguma dúvida, sempre que possível, opte por perguntar!" Até porque, à medida que as crianças crescem, são expostas a mais influências do meio em que vivem, da sociedade em que se inserem e, claro, de uma vida mental cada vez mais elaborada, aprendendo igualmente a mascarar ou a disfarçar emoções e sentimentos. Por isso, sim, pendure os desenhos dos seus filhos no frigorífico, fotografe-os e guarde-os para sempre – são mesmo preciosos –, mas use-os sobretudo como ponto de partida para uma boa conversa.
