“Não procuro a perfeição”
É curioso. O homem que se confessa “pouco organizado” compôs um álbum intitulado Método. E explica-nos porquê com a mesma simplicidade com que revisita uma carreira profícua em sucessos. Mais de 30 anos depois dos primeiros acordes muito pode ter mudado, mas a vontade de criar é a mesma. E é também isso que faz de Rodrigo Leão o músico admirável que ele é.

Confessa-se algo indeciso, mas está sempre preparado para dar o passo seguinte. Assume uma certa insatisfação, mas admite que a mesma acaba por ser uma característica estimulante. Declara que se sente um ignorante em termos musicais, mas congratula-se pelo caminho percorrido. Pouco mais de uma hora de conversa deixou evidente a que será uma das principais características de Rodrigo Leão: a simplicidade. Com uma carreira a solo que conta 27 anos e 22 álbuns editados, incluindo bandas sonoras para filmes como The Butler ou A Gaiola Dourada, continua a acarinhar a ideia de que teve sorte. Como se a sorte não tivesse de ser conquistada. Na véspera dos concertos de apresentação de Método, um disco editado pela BMG Internacional, a 21 de fevereiro, e que já integra a playlist de uma rádio inglesa, desafiámos o músico para um ponto de situação. Tarefa difícil, já que Rodrigo Leão parece muito mais tentado a ensaiar o próximo passo do que a olhar para trás.
São 30 anos de música e muitos hinos eternos. O que é que este Método vem trazer a uma carreira tão sólida?
Este foi o disco que demorou mais tempo a ser elaborado, sobretudo se o comparar com álbuns como A Mãe, A Montanha Mágica ou Cinema, em que demorava, talvez, uns seis meses a procurar ideias e outros seis meses a concretizá-las. Este trabalho levou-me, provavelmente, uns dois anos e meio. Primeiro porque vinha no seguimento de três trabalhos muito diferentes: A Vida Secreta das Máquinas, onde fiz uma primeira aproximação à música eletrónica, concretizado em dois meses; o Retiro, feito em conjunto com a Orquestra da Gulbenkian; e Life is Long, com Scott Matthew, mais pop alternativa. Depois destas fases eu sabia que queria procurar um caminho diferente. Nos últimos anos tenho sido influenciado por compositores como o Nils Frahm, o Ólfafur [Arnalds], o Ludovico Einaudi e por uma nova corrente de músicos alemães e islandeses que utilizam a eletrónica, mas de uma forma mais discreta. Terá sido esse o meu ponto de partida. Depois, perdi o medo que tinha de tocar piano acústico. Eu não sou pianista, mas este é, talvez, o disco em que toquei mais piano. Também é curioso o facto de o disco ter acabado por ficar com o nome Método quando eu sou a pessoa com menos método a trabalhar. Mas é uma palavra que pode ter vários sentidos, um mais abstrato e filosófico e outro mais concreto que temos vindo a procurar ao longo dos últimos anos.
Fala no plural…
Sim, eu refiro-me a pessoas próximas de mim, amigos de longa data que produzem as ideias que vou tendo, como o Pedro Oliveira e o João Eleutério. O meu manager e amigo de há mais de 30 anos, António Cunha, há muito que insistia que nós deveríamos ter um elemento novo na equipa. Acabámos por escolher o Frederico Albanese, um pianista e compositor italiano que vive em Berlim e que trouxe uma mais-valia a este trabalho, nomeadamente na pesquisa de sons mais eletrónicos.
Beth Gibbons, Stuart Staples, Neil Hannon, Ryuichi Sakamoto, Ludovico Einaudi… São bem conhecidas as parcerias que estabeleceu ao longo da sua carreira. Como é que se vão escolhendo os parceiros de estrada?
É tudo muito intuitivo. A única canção deste disco em inglês é cantada pelo Casper Clausen [vocalista do grupo dinamarquês Efterklang] que se mudou para o Bairro Alto, há dois ou três anos. Isto para dizer que o disco tem um lado muito profissional de trabalho em estúdio com os músicos, mas que também tem outro muito simples e natural que envolve as pessoas que me são próximas, como a minha mulher e os meus filhos.
A Bailarina, o primeiro single do novo álbum, conta com a voz da sua filha mais nova.
Sim, eu trabalho muito em casa e, às vezes, chamo a Sofia ou a Rosa [as filhas]. Elas cantam ali mesmo e eu gravo. Às vezes até tentamos replicar a música em estúdio, mas não sai tão bem e acabamos por usar a gravação feita em casa que, apesar de não ter um som tão bom, tem mais energia. Eu tenho muito essa necessidade de ir mostrando às pessoas que me rodeiam as coisas em que vou trabalhando.
O que é que a escolha das pessoas de quem nos rodeamos diz de nós próprios?
É-me difícil responder porque é algo muito abstrato. Porque é que a Beth Gibbons [dos Portishead] colaborou connosco?! As coisas vão acontecendo por um conjunto de circunstâncias… Nós temos tido a sorte de ter tido respostas positivas sempre que desafiamos alguém. (…) É-me fácil associar os discos a momentos específicos da minha vida. O álbum A Mãe, por exemplo, foi dedicado à minha mãe que tinha morrido seis meses antes. Quando eu olho para trás ainda não faço ideia de como é que consegui fazer tantas coisas. Mas não procuro a perfeição. Se procurasse, se calhar, não tinha feito um terço do que fiz. Durante boa parte do tempo preocupo-me só em encontrar ideias. Depois, quando sinto que há um caminho, tento organizar tudo.
Há muita solidão envolvida no processo criativo?
É claro que sim porque nos primeiros momentos, que podem durar meses, eu estou sozinho, com auscultadores, das seis da tarde às cinco da manhã, e em casa ou no estúdio. Nesses momentos estou sempre só à procura de ideias. Se dividíssemos o processo em duas partes, uma delas seria influenciada pelos sítios onde eu estive, pelas coisas que eu vi e, depois, há algo de mais abstrato e difícil de explicar que vem de dentro de nós. Mas a minha inspiração vem de todo o lado: das pessoas, das viagens, dos filmes que vejo, dos livros que leio.
Ou seja, é algo subjetivo e pessoal, mas, ao mesmo tempo, muito permeável…
Exato, inclusive aos músicos com quem eu trabalho. Toda a gente acaba por colaborar de uma forma ou de outra. (…) Neste disco há outro elemento importante, o coro juvenil da Academia Musical dos Amigos das Crianças, onde os meus filhos estudam música, há muitos anos [o filho mais velho, António, está no primeiro ano de Piano, na Escola Superior de Música]. A minha mulher aprendeu a tocar piano em pequena e sempre foi ela quem acompanhou mais os nossos filhos nessa parte académica, até porque eu toco de uma forma diferente, pois não sei escrever, nem ler música. Sou um autodidata. Eu comecei a tocar no início dos anos 1980 com os Sétima Legião. Era uma altura em que estávamos fascinados com grupos como os New Order ou os Joy Division que tocavam mal, mas que faziam coisas fantásticas. Nessa altura, no liceu Rainha Dona Leonor, que eu frequentava, havia muitos músicos a querer tocar coisas dos The Beatles ou dos The Rolling Stones e nós, que tínhamos 14 ou 15 anos, queríamos fazer as nossas próprias músicas e gravávamos em casa as ideias que íamos tendo. Isto para lhe dizer que, ainda hoje, sou um músico tecnicamente limitado. Eu gosto de compor e de procurar ideias, e, depois, de tocar. Não me sinto um pianista capaz de tocar meia hora sozinho ou sequer cinco minutos. Acabei por criar este método de trabalho e sinto-me feliz por ter tido a sorte de poder fazer tantas coisas.
Além dessa simplicidade que lhe é característica, que muitos dos que trabalham consigo destacam, é um agregador. Como é que se leva isso tudo para o palco?
Eu creio que tem que ver com a minha maneira de ser. Eu não tenho o feitio de achar que tenho de ser eu a decidir tudo. Gosto de ouvir a opinião dos outros. Muitas vezes são eles que me dizem que é preciso melhorar. Sim, eu sou impaciente [risos]. Os concertos vão-se construindo com a prática. Ao fim de cinco [espetáculos] as coisas fluem, ao fim de 10 estão mais sólidas, mas são sempre diferentes, até em função do público. E isso é bom. Eu tenho uma necessidade de não estar sempre a fazer a mesma coisa. E talvez seja por isso que a minha música tenha influências tão diferentes e que vão da pop britânica ao tango, passando pela música clássica, pela francesa, pela brasileira… É importante sentir essas variações e não estar sempre a fazer as mesmas coisas com os mesmos cantores. Eu oiço muitos estilos de música e até gostava de ouvir mais [estilos]. Tenho coletâneas com músicas que os meus amigos fazem questão que eu oiça. Tenho muito bons amigos e essa é uma das coisas mais importantes. Amigos de infância e da adolescência.
Nos últimos anos tem trabalhado em projetos para cinema, para teatro, para exposições… Gosta desse diálogo artístico?
Sim. Eu estou sempre disponível para trabalhar com pessoas de outras áreas. Lembro-me, por exemplo, do documentário Portugal, Um Retrato Social [de 2007], do professor António Barreto e da realizadora Joana Pontes. Aprendi imenso sobre nós próprios. A mesma coisa aconteceu com a exposição da Vieira da Silva [que Rodrigo Leão musicou, em 2019]. Não conhecia boa parte daquelas obras…
Já referiu, por várias vezes, os Madredeus e os Sétima Legião, e toda a portugalidade a eles associada. De que forma é que esse fator impregna, hoje, a sua música?
Depois de 10 anos de Sétima Legião e de Madredeus, quando eu quis fazer as minhas primeiras composições [o primeiro disco a solo, Ave Mundi Luminar, foi editado em 1993], tentei romper um pouco com o português. As primeiras músicas eram cantadas em latim e era uma música mais minimalista, mais sinfónica. No álbum Alma Mater [de 2000] existe um tema cantado em português, mas com sotaque [A Casa, por Adriana Calcanhoto] e depois, em 2006, o tema Voltar. Mas é evidente que, mesmo no primeiro trabalho, existem alguns temas instrumentais em que se pode notar a influência de eu viver em Lisboa, perto do mar, e das viagens todas que fiz… Mas eu diria que os Madredeus e os Sétima Legião serão mais portugueses, na sua essência. Por outro lado, é claro que fico contente sempre que vou atuar no âmbito de qualquer representação de Portugal.
Falando em imagens… As ilustrações que vemos no vídeo no primeiro single de Método são suas. É um talento agora revelado?
Eu comecei por fazer uns desenhos muito abstratos. Mas limito-me a fazer meia dúzia de desenhos por ano, quase sempre quando estou a trabalhar, e não sai nada. Entretanto, surgiu uma relação entre os desenhos e alguns temas do novo trabalho e foi possível com o Óscar e com o Gaspar fazer a animação de três ou de quatro desenhos que fiz. E eu fiquei muito contente com o resultado. É uma área que eu gostava de explorar mais, mas sempre como autodidata.
Escreveram que a sua música era uma banda sonora para um filme que ainda não existe. Tem uma ideia de qual filme poderia ser?
Seriam tantos… Eu acho que a minha música, acima de tudo, terá esse papel de convite à reflexão e à tranquilidade. E que, por isso, pode convidar as pessoas a criar imagens associadas às minhas músicas…
Rodrigo Leão atua no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, a 27 de fevereiro, e na Casa da Música, no Porto, a 9 de março.
