The Rite of Trio: “o que nos juntou foi o querer fugir de estereótipos”

Uma conversa com o trio de jazz que virou todas as atenções para o palco do Jazz na Relva, durante o festival Vodafone Paredes de Coura.

Pedro Melo Alves (bateria), Filipe Louro (contrabaixo) e André Silva (guitarra) Foto: Dulce Daniel
20 de agosto de 2019 às 12:14 Rita Silva Avelar

Foi depois de assistirem a uma mostra de talentos europeus de jazz experimental em 2012, na cidade do Porto, e inspirados pela forma disruptiva como esses artistas espelharam a sua criatividade musical, que André Silva (guitarra), Pedro Melo Alves (bateria) e Filipe Louro (contrabaixo) decidiram fazer o mesmo. Ainda estudantes de jazz, quiseram aliaram o know-how e o background musical de cada um a um conceito muito específico: o de não ter regras. Assim nasceram os The Rite of Trio, cujo álbum de estreia Getting All  the  Evil  of  the  Piston  Collar! (editado pela Porta-Jazz) surgiu em 2015. E são precisamente as composições elegantemente inesperadas desse disco que acabamos por ter o prazer de ouvir no alinhamento musical Jazz na Relva, a mostra de jazz que acontece às margens do rio Tabuão durante as tardes do festival Vodafone Paredes de Coura. Durante esse mesmo concerto, que termina de forma épica com o guitarrista a mergulhar no rio, a audiência vai deixando de lado as histórias dos seus livros e das conversas que se cruzam na relva, desviando as atenções para um momento musical que foi tudo menos convencional, tudo menos expectável. Antes, sim, uma explosão sonora que emanou novidade e frescura. Assim como a conversa que se seguiu com o trio, que já passou por vários palcos nacionais e internacionais como a Gulbenkian ou como o festival Jazz Festival de Liubliana, na Eslovénia.

Como é que nasce este trio de jazz, que é tudo menos obediente "às regras"?

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André: Conhecemo-nos todos na ESMAE [Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo] em 2011, éramos amigos, tocávamos juntos e fizemos algumas coisas de jazz mais tradicional, demos alguns concertos. Até que tudo mudou em fevereiro de 2012, quando um festival internacional de novos talentos de jazz europeu, o 12 Points, vai à cidade do Porto. É um festival itinerante, e nesse ano calhou ser na Casa da Música do Porto. Vimos bandas e artistas que furaram todas as noções que tínhamos do jazz até à altura e que nos fizeram acreditar que era possível fazer coisas diferentes dentro do meio – para além do jazz tradicional e das tendências vigentes. E foi aí que chamei o Pedro [Melo Alves] e o Filipe [Louro], tinha uma ideia, e já estava a começar a escrever música…

Na vossa sonoridade há sempre a sensação de que quando chegam ao climax de uma música, "desconstroem" tudo. Esse experimentalismo constante está na génese da banda?

Pedro: Tem a ver com o espírito que nos une e que por acaso naquela altura criou esse tipo de música com esse género de elementos surpresa e gestão de espectativas. Agora como estamos a fazer um novo álbum, se calhar há outros elementos em jogo. É uma fase, mas não sinto que isso nos defina, foi mais o registo daquela altura relativo – aí sim – ao que nos une e que a ver com o facto de tudo ser possível. Estávamos a estudar jazz, que é um contexto académico de formação e é um contexto profissional de se ser músico, que tem parâmetros muito definidos, expectativas muito definidas, conceitos estilísticos muito definidos historicamente e nós já enquanto estudantes sentíamos que o problema era estarmos limitados por esses fatores tão concretos. E o que nos juntou foi o querer fugir de estereótipos e de constrangimentos. Foi a procura de uma forma de fazer música um pouco mais livre, que nos permitisse aceder ao nosso background de músicos e de amantes de música do passado, por isso é que o álbum tem tão presente o rock da nossa adolescência… Tudo é válido. Se tem elementos surpresa ou tem elementos de repetição isso já é só o registo ou a consequência desse espírito numa dada fase.

Nunca sentiram a pressão por fugirem à regra?

Felipe: Essa pressão até pode vir de nós, às vezes, e já tivemos essa conversa, sobre como é que essa normalidade pode aparecer também. Porque se tudo vale isso também vale. No início isso não nos passou pela cabeça, agora nesta fase já nos questionamos. Porque não termos uma canção na rádio?

André: Uma das grandes vantagens do grupo é que tentamos por aquilo que somos, ou o que somos na nossa essência, e tentamos ao máximo mandar fora os moldes do que define a música. Tentamos ao máximo tirar isso e tentar colocar aquela que é a nossa essência criativa mais pura, que é sempre um local difícil de aceder, mas também porque isto é uma relação de amizade.

Foi desafiante cruzar o universo criativo dos três no disco de estreia?

Pedro: Foi zero desafiante! Porque foi a coisa mais natural do mundo, e não é que isso signifique que tenhamos backgrounds iguais, de facto são diferentes, têm as suas particularidades, e ao longo  do tempo ainda mais particularidades passaram a ter, mas a convergência é a coisa mais orgânica. E se de vez em quando há discordâncias a resolução destas é imediata.

André: Um dos motes da nossa banda é que não iremos dizer que não a nada à partida, nenhuma ideia é demasiado escandalosa. E ao longo tempo podemos tender a ficar mais formatados, e de vez em quando tentamos relembrar-nos disso, que devemos experimentar e ver se é possível. Se não conseguirmos, descartamos a ideia.

Essa liberdade criativa é essencial a qualquer artista?

Pedro: Acho que não. Os artistas fazem a sua liberdade criativa da forma que acham justa para si próprios e há pessoas que são muito felizes com trâmites específicos e isso tem toda a liberdade do mundo. São felizes e a música que fazem é incrível. Ou seja, o facto de gostarmos muito desta liberdade e desta expansão não garante qualidade ou validade. É só diferente e é a música mais autêntica e genuína que podemos fazer, sobretudo juntos. Mas se por acaso nos tivéssemos juntado para fazer uma banda com um estilo muito concreto íamos fazê-lo o melhor que pudéssemos porque seria a expressão musical mais autêntica para nós.

E há um novo disco a sair em breve…

Pedro: Sim, à partida. É preciso também dizer que esta banda está espalhada em três sítios, o André vive em Nova Iorque, eu nos últimos anos estive a viver em Lisboa e o Filipe no Porto. Nos últimos anos temos estado ativos mas para desenvolver material novo não foi o ano mais produtivo. Agora estamos finalmente a focar energias, temos a editora interessada, e estamos a contar que 2020 seja o ano para lançar.

Quão importante foi passar pelo Jazz na Relva, no Vodafone Paredes de Coura?

Filipe: Já queríamos tocar neste palco há algum tempo. Até porque já vimos aqui bandas que adoramos, e pessoas que são nossos colegas e amigos. Sempre nos inspirou o objetivo de vir aqui tocar.

André: Aquilo que nós queríamos fazer já fizemos, que era tocar no festival que de certa forma nos originou, o 12 Points, e aqui. Daqui para a frente é muito mais do que aquilo que imaginámos. Entretanto tocámos na Bélgica, na Eslovénia… Mas falando de Paredes, para mim é um local especial porque em 16 anos foram raras as vezes em que não vim ao festival, e eu como compositor e como parte importante no desenvolvimento criativo da banda sei que fui muito inspirado por bandas que ouvi em Paredes enquanto estava a crescer musicalmente e como pessoa, também. Vir aqui tocar é como fechar um ciclo que se iniciou em 2003, quando vim a primeira com 16 anos.

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