Testemunho de Marta Morgado, uma sobrevivente do cancro do ovário

Aos 48 anos, a paciente conta como luta diariamente contra um cancro do ovário que lhe foi diagnosticado durante a pandemia, a propósito do Dia Mundial do Cancro de Ovário, que se assinalou a 8 de maio.

Foto: DR
14 de maio de 2024 às 07:00 Máxima

Sou a Marta Morgado, tenho 48 anos, divorciada, uma filha com 21 anos, diagnosticada com cancro do ovário desde 2020, ano da pandemia e vice presidente da MOG (Movimento Cancro do Ovário e outros Cancros Ginecológicos). Cerca de duas semanas depois de a minha mãe ter partido devido a uma leucemia, comecei a sentir um mal-estar generalizado, perda de peso abrupta e uma distensão abdominal fora do normal. Semelhante a uma gravidez, que estava certa de que não era.

Recorri ao médico de família que com urgência me solicitou exames e encarecidamente pediu que os realizasse naquele dia e os fosse mostrar. A notícia ainda não confirmada começava a surgir no meu destino, e mais tarde a confirmação em consulta no IPO de Lisboa que se tratava de cancro. Das primeiras frases que ouvi foi: "Pode correr bem, mas também pode correr muito mal… "como assim?" pensei. Ainda agora a vida começou, tenho uma filha e quero vê-la vingar pela vida fora. Quero ser avó! E foi a estes pensamentos que me agarrei. Aliás, por mais negra que esteja a cena, encontro sempre um copo meio cheio. E tem corrido bem.

PUB

A 31 de julho e 2020 fui operada. 8 horas de cirurgia. Histerectomia total e citorredução abdominal. Quando acordei tinha a anestesista ao meu lado a dizer que dores não eram permitidas. Senti que me tinham invadido. Estava muito dorida.

A recuperação foi lenta e dura. Até recuperar a autonomia tive de me exercitar muito mentalmente. Não conseguia pegar num saco de lixo diário. Para me sentar, andava com uma almofada na mochila. Era osso com osso. Recusei fazer quimioterapia pela magreza extrema em que me encontrava. Não senti que seria por ali a minha cura. Iniciei tratamento prescrito pelo IPO, mas por via oral. Um bloqueador a nível hormonal.

Durante 3 anos nunca me senti doente. Iniciei um curso de Técnica Especialista em Exercício Físico com ideia de me especializar em recuperação aplicada a doentes oncológicos. Queria partilhar a minha experiência de sucesso aquando da minha recuperação. Para além de alterar o meu estilo de vida e alimentação, a prática regular de exercício físico e as rotinas mindfulness, foram sem dúvida o motor para voltar a ter uma vida normal. O cancro trouxe-me isto. Mudei de vida. Para uma vida mais tranquila e com propósito.

PUB

O cancro é uma doença matreira. A probabilidade de recidivas é elevada tal como a taxa de mortalidade. As células têm memória. No verão de 2023 as minhas análises alteraram-se. Para pior. Muito pior. O índice tumoral tinha aumentado exponencialmente e a medicação deixou de fazer efeito. A equipa médica reuniu e decidiu tratar cirurgicamente. Os exames revelavam um grande número de metástases em vários órgãos. Esperava-me uma cirurgia de risco, com passagem pelos cuidados intensivos e com longo internamento.

E na moldura de todo este cenário, há uma família apreensiva, que se sente incapaz pela inconstância e gravidade da doença, disponibiliza-se a dar todo o apoio, mas o desgaste físico e psicológico é grande, sobretudo quando visita após visita, e eram feitas diariamente, não se vêm melhorias. Assiste-se a muitos imprevistos e onde a paciência e a esperança têm de ser as palavras de ordem.

Enquanto doente oncológica, não imagino o que sente e sentiu a minha Família. Viram-me entubada, sedada, a dormir dias seguidos sem saber quando iria acordar, com suporte de oxigénio. Deixei de andar, não conseguia falar nem escrever com clareza. Passarem-me ao lado datas importantes como as do meu aniversário.

PUB

Ter uma recidiva é algo muito mais penoso do que receber a notícia que se tem cancro. Senti que tudo voltou ao início, que a doença ainda existe, e a força parece já não ser a mesma. O cansaço desgasta e psicologicamente procura-se onde anda o copo meio cheio.

Estive internada três meses e meio com muitas complicações e imprevistos. Fui internada para uma cirurgia e acabei por ser submetida a três cirurgias todas com anestesia geral. Tive alta, mas passada uma semana estava de novo internada. A fraqueza apoderou-se de mim e apesar de transfusão atrás de transfusão, a anemia teimava em reinar e a instalar um cansaço generalizado. Ainda havia muito a recuperar.

Foquei-me com todas as forças e no período de um mês recuperei com terapias musculares e respiratórias bi-diárias rumo a uma alta que seria definitiva. Já estou em casa há cerca de um mês e continuo em recuperação ativa com técnicos especializados e as melhorias surgem dia após dia. O caminho é longo, não é um sprint, é uma maratona, mas estou cá e vou chegar à meta. Acreditar que não há impossíveis, que somos a nossa cura e aceitar todas as ajudas, faz-me afirmar que a vida é bela e ainda tenho muito para viver.

PUB

Chega de afirmar que cancro é uma sentença de morte! O cancro é um chamamento para a vida e pode trazer-nos coisas muito boas. Vivam!

leia também
PUB
PUB