Por que as mulheres indianas formaram uma barreira humana de 620 km?

Conheça o caso de proibição religiosa que levou milhares de mulheres a unirem-se num protesto em nome da igualdade de género no país.

Foto: AFP/Getty Images
07 de janeiro de 2019 às 19:25 Aline Fernandez

Do princípio

O templo Sabarimala Sree Dharma Sastha, dedicado ao Lord Ayyappa, é o mais famoso e proeminente entre todos os templos de Sastha no distrito de Pathanamthitta, Kerala, no sudeste da Índia. O templo está situado no topo da colina Sabarimala, cerca de 3000 pés acima do nível do mar. No site oficial do governo indiano, afirma-se que o templo está aberto a pessoas pertencentes a todas as religiões. E também se pontua que um aspeto único deste templo é que ele não está aberto durante todo o ano, só para adoração e apenas durante os dias de Mandala Pooja (em 2018 foi a 27 de dezembro), Makara Vilakku Mahotsavam (de 30 de dezembro de 2018 a 20 de janeiro de 2019) e Makara Vilakku (a 14 de janeiro). O local é considerado um dos mais sagrados do hinduísmo e recebe milhões de visitantes todos os anos.

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Então qual foi o problema?

Há uma proibição religiosa no templo adotada há séculos contra a entrada de mulheres em idade reprodutiva. Vale ressaltar que a maioria dos templos hindus não autorizam mulheres a entrarem quando estão menstruadas – porque, para esta religião, as mulheres menstruadas são consideradas impuras e, por isso, não lhes é dado o direito de participar em rituais religiosos –, contudo Sabarimala é um dos poucos santuários a proibir a entrada de todas as mulheres entre a puberdade e a menopausa dentro do espaço de culto à divindade, já que Lord Ayyappa era um celibatário e a proibição é motivada pela crença de que as mulheres podem expor a divindade à tentação.

Tal banimento foi revisto pela Supremo Tribunal da Índia, que ordenou em setembro de 2018 que as autoridades suspendessem esta proibição, considerada inconstitucional. A nova decisão provocou a revolta dos setores mais conservadores da sociedade.

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Divergências na decisão

Para o jurista indiano e ex-presidente do Supremo Tribunal de Patna e Deli, Dipak Misra, um lugar de culto público, onde qualquer homem entra uma mulher também deve poder entrar. Contudo, a opinião decidida pela maioria no tribunal não obteve o acordo da juíza do Supremo Tribunal Indu Malhotra, que defendeu que sentimentos religiosos profundos não deveriam sofrer interferência dos tribunais, porque, para ela, as práticas religiosas não podem ser analisadas apenas com base no direito à igualdade.

As divergências não aconteceram apenas no tribunal e, à revelia da decisão, algumas autoridades religiosas e devotos mantiveram a proibição. Nos últimos três meses de 2018, cresceram os confrontos por causa desta causa.

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Foto: AFP/Getty Images

O Muro das Mulheres

O primeiro dia do ano foi marcado pela saída à rua de milhares de mulheres que se uniram para apoiar a decisão judicial, formando um cordão humano de 620 quilómetros pelas autoestradas do estado.

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Durante cerca de 15 minutos, com os punhos erguidos, as ativistas gritaram pela defesa da igualdade de género, pelos direitos das mulheres e contra o secularismo. Mesmo contra o princípio da separação entre instituições governamentais e instituições religiosas, a manifestação teve o apoio do governo de esquerda local.

#WomenWall Scene from Mananchira Square, Calicut in Kerala. pic.twitter.com/5mG7BfXOne

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Então o que aconteceu?

Duas mulheres que tentaram exercerer o direito reconhecido pela justiça indiana desencadearam uma série de manifestações na região. Bindu Ammini, de 42 anos, e Kanaka Durga, de 44 anos, entraram no templo pouco antes do amanhecer e sob proteção policial, na quarta-feira, dia 2 de janeiro. A entrada foi confirmada pelo chefe do governo local de Kerala, Pinarayi Vijayan. Ao saber do facto, os religiosos "purificaram" o lugar, e anunciaram que este iria permanecer fechado por dois dias, em protesto contra a dupla.

Dezenas de mulheres tradicionalistas juntaram-se na capital do Estado, Thiruvananthapuram, e pediram a demissão de Vijayan, da coligação liderada pelo Partido Comunista da Índia, e foram apoiadas pelo Bharatiya Janata (BJP), o partido nacionalista do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, que também convocou protestos.

Na própria quarta-feira, dia 2, a polícia indiana utilizou gás lacrimogéneo, granadas atordoadoras e canhões de água contra os tradicionalistas hindus que se manifestavam contra a entrada de mulheres no santuário.

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No dia a seguir, os protestos pioraram. Em conferência de imprensa, Pinarayi Vijayan afirmou que os protestantes já haviam destruído sete veículos da polícia, 79 autocarros e haviam atacado 39 membros das forças de segurança e de órgãos de comunicação social, principalmente mulheres. Segundo a agência de notícias Efe, as manifestações violentas em pelo menos três distritos de Kerala causaram a morte de um militante do partido BJP na quarta-feira. No dia 4, já se noticiava que mais de 750 pessoas haviam sido detidas nas manifestações. E após fontes policiais declararem que uma terceira mulher – identificada pelas autoridades como Sasikala, de 47 anos, natural do Sri Lanka – foi ao santuário de Sabarimala, juntamente com o marido e sob escolta policial, o número subiu para mais de 1350 pessoas detidas. "A polícia continua extremamente vigilante. Há tensões, mas ainda está tranquilo", declarou à AFP V.P. Pramod Kumar, porta-voz da polícia.

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