Com milhares de seguidores no Instagram e no Tiktok, Carmo Sousa Lara escreveu, em 2023, o livro com o nome sugestivo de "Autoestima sem Tamanho". Em fevereiro, esta produtora de conteúdos digitais fez um vídeo nas suas redes sociais sobre as chamadas "picas milagrosas", que "não surgem só para tratar os diabetes, mas também a obesidade."
Por um lado, Carmo lembra que Portugal foi um dos primeiros países da União Europeia a reconhecer, no papel, a obesidade como doença, por outro é um dos países que não comparticipa a medicação para a doença.
Neste momento estão a ser comercializados Saxenda (liraglutide), Mounjaro (tirzepatida) e Wengovy com semaglutida, como o Ozempic, mas só este último é comparticipado pelo Serviço Nacional de Saúde.
Para contornar esta situação, Ana Costa consultou um clínico geral para lhe passar Ozempic, medicamento comparticipado para o combate de diabetes, atualmente em falta no mercado.
A história de Ana, empresária, é parecida com muitas que aparecem a anunciar uma dieta infalível. "Sempre tive peso em excesso e todas as dietas que fiz nunca funcionaram". Numa festa de aniversário encontrou um amigo e reparou no peso que este tinha perdido. Ele falou-lhe do Ozempic. Diabético crónico, tinha começado a fazer as injeções e tinha perdido mais de 20 quilos. "Achei-o rejuvenescido. Fui ao médico, assumi que estava deprimida, com falta de autoestima, e pedi-lhe que me passasse Ozempic. Em 2022, quando comecei a usar, ainda não havia carência do medicamento. Comecei a tomar em maio e em agosto tinha perdido mais de dez quilos sem fazer muito esforço. No dia da injeção ficava bastante nauseada e não comia, mas no resto da semana tenho a sensação que comia normalmente." Quando, no outono de 2022, a farmácia que frequenta começou a ter escassez do medicamento e soube que havia diabéticos que estavam sem acesso ao produto, resolveu inscrever-se num ginásio e reeducar os hábitos alimentares.
Já Carmo Sousa Lara defende que "a obesidade está presente no código genético de cada um" e que se deve pôr de parte a questão que "os gordos andam a tirar os remédios dos diabéticos, esses sim realmente doentes. Não se trata de ver quem é mais doente."
Ambas as patologias merecem atenção. Mas avisa que todo "este processo deve ser acompanhado por uma equipa médica." Uma caminhada que passa pelas vertentes física, psicológica e de nutrição.
Mafalda Galvão Teles, psicóloga e especialista em obesidade e comportamento alimentar, defende que é este o caminho. "O tratamento para a obesidade deve passar pela alteração do estilo de vida através da prática de atividade física e a adoção de uma alimentação saudável". No entanto, avança que "o Ozempic é visto como uma solução milagrosa para um problema que às vezes acompanha uma pessoa durante uma vida inteira." Apesar desta linha de fármacos ser bastante eficaz na perda de peso, porque inibe o apetite e diminui a velocidade da digestão, levando a uma menor ingestão calórica, a maior parte das pessoas, a partir do momento em que deixam de tomar, acabam por voltar a ganhar peso.
Foi que aconteceu a Ana Costa, que está a pensar em experimentar o Mounjaro, apesar de não ser comparticipado. "O medicamento custa cerca de 300 euros, mas dá para um mês. É um investimento que faço na minha saúde."
Elsa Rodrigues, diretora técnica de uma farmácia nos arredores de Lisboa, revela que tem muitos diabéticos e não tem Ozempic em stock. "Chegam aqui ao balcão diabéticos e não diabéticos. E sim, também vêm aqui à farmácia homens não diabéticos à procura de remédio para emagrecer, e nós recebemos em média uma caixa de Ozempic por mês."
Gonçalo Sampaio Viola, médico de família em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, com especialidade em medicina geral e familiar, vem ao encontro desta questão. "A experiência com o Ozempic é boa, mas o problema é que os utentes não conseguem fazer um tratamento continuado, porque é muito difícil encontrar o medicamento nas farmácias. Só há injeções para 10% da procura e há apenas uma farmacêutica a produzir o Ozempic. Penso que os países com mais poder de compra ficam com o grosso do produto. Vem muito pouco para Portugal. Apesar de o considerarmos caro, o preço cá é bastante inferior ao de países como Holanda, França ou Alemanha".
Produzido pela Novo Nordisk, "o Ozempic é usado também antes de o paciente fazer a cirurgia bariátrica", lembra o médico de família.
Arménio Mendonça sofre de diabetes tipo 1 e critica a forma como as vendas se têm processado. "Não concordo que haja médicos a passar estes medicamentos a senhoras saudáveis unicamente para estas se embelezarem. Até agora não me senti prejudicado, porque tenho uma farmácia que responde às minhas necessidades. Mas se estiver de férias e for a um estabelecimento onde não seja cliente habitual, não tenho dúvidas que não arranjo a injeção."
Carmo não partilha desta opinião, apelando ao Estado português para comparticipar estes medicamentos no combate à obesidade. "Não é um caminho fácil", confessa. Até porque a perda de peso não estava nos primeiros degraus da sua lista de prioridades. Carmo procurou ajuda quando percebeu que era a sua saúde estava em causa. O seu corpo estava em pré-diabetes e em pré-apneia do sono. "A obesidade está associada a mais de 200 doenças", vinca.
Apesar de terem várias contraindicações, como todos os medicamentos, pesquisas apresentadas no Congresso Europeu de Obesidade em maio de 2024 demonstram vários benefícios destes fármacos. Reduzem episódios cardiovasculares e ataques cardíacos em doentes com propensão a doenças cardíacas. Estas conclusões foram publicadas no New England Journal of Medicine em 2023.
O site brasileiro Olhar Digital vai mais longe, afirmando que o Ozempic pode inclusivamente melhorar a libido da mulher. Segundo especialistas, a medicação não está associada ao aumento da libido, mas o emagrecimento e a autoestima "podem influenciar a vida sexual do paciente."
Comparticipado pelo SNS desde 2021, o Ozempic, segundo o Semanário Expresso, é o quinto medicamento que custa mais ao Estado.
No início de abril foi lançado em Portugal o Wegovy, um medicamento contra a obesidade que, apesar de ser receitado por médicos, não tem comparticipação médica. Este medicamento terá o mesmo princípio ativo do Ozempic, com uma dosagem mais alta. Gonçalo Sampaio Viola pensa que a tendência é este tipo de medicamentos deixarem de ser comparticipados.
No vídeo, Carmo Sousa Lara – que sofre desde os 17 anos com o excesso de peso – apela ao Estado para que comparticipe os fármacos ao utente, justificando que o SNS gasta muito mais numa cirurgia bariátrica. A prevenção da obesidade mórbida poderá ser benéfica a nível de custos para o estado português. "Há muita gente que padece desta doença e não tem acesso ao tratamento. O único acesso que tem é quando a doença evolui de tal forma na sua vida que chega à obesidade mórbida e só aí é que tem recurso estatal para a cirurgia."
Pela defesa do amor próprio e pela autoestima sem tamanho, Carmo diz que tem que se acreditar que a obesidade "é como uma perna partida, precisa de pôr gesso para restaurar o osso". Ao estado português caberá dar a mão neste processo de cura.