Óscares 2020: porque é que as mulheres continuam a ser excluídas?

As nomeações para os Óscares 2020 deixaram mais uma vez de lado as mulheres na categoria de Melhor Realizador, num ano especialmente marcado pelas boas prestações femininas.

Emma Watson, Saoirse Ronan, Florence Pugh e Eliza Scanlen em Mulherzinhas Foto: IMDB
17 de janeiro de 2020 às 07:00 Vitória Amaral

Nos 92 anos de existência da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, apenas cinco mulheres foram nomeadas na categoria de Melhor Realizador e apenas uma, Kathryn Bigelow, ganhou. Esta exclusão foi particularmente visível neste ano em que as listas de top 10 e toda a antecipação à volta dos prémios foi dominada por mulheres. Greta Gerwig com Mulherzinhas, A Despedida de Lulu Wang ou Retrato de uma Jovem em Chamas de Céline Schiamma são apenas alguns dos filmes mais aclamados dos últimos meses que, ao contrário do que se pensava, não foram celebrados pela Academia.

O ano passado foi, aliás, agridoce para as mulheres no ramo cinematográfico. De acordo com um relatório da Universidade do Sul da Califórnia, nos EUA, 10,6% dos realizadores dos 100 filmes mais lucrativos de 2019 são mulheres, mais 4,5% do que no ano anterior, e o maior número desde que esta informação começou a ser registada em 2007. Desde as campanhas como a #OscarsSoWhite e a #TimesUp, a Academia tem vindo a tentar diversificar as suas categorias, convidando mais de 2 000 novos membros desde 2017. No ano passado, a organização anunciou que 32% dos seus membros eram mulheres, mais 15% do que em 2015. Assim sendo, porque será que as mulheres não estão a somar nomeações na categoria de realização?

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Ao contrário do que possa pensar, a Academia não vota homogeneamente em quem será nomeado para um Óscar, sendo composta por vários núcleos: atores, produtores, realizadores, etc. Apesar de toda a Academia decidir quem ganha em cada categoria, cabe primeiro a cada setor escolher os nomeados para a sua respetiva categoria. Embora a igualdade esteja a crescer na Academia, ainda não chegou necessariamente ao núcleo de realizadores, cujo género esta se recusou a partilhar.

Eliana Dockterman aponta num artigo para a revista Time que as regras de admissão poderão ser outro fator que impede a entrada de mais realizadoras neste núcleo. De acordo com o site oficial da Academia, os membros devem ter pelo menos dois créditos de realização, dos quais pelo menos um tenha estado nos cinemas nos últimos 10 anos. Os filmes também deverão ser considerados "de tal calibre que, na opinião do comité executivo, reflita os padrões elevados da Academia". Um realizador com apenas um crédito em seu nome também poderá ser apto se esse tiver sido nomeado para Melhor Realização, Melhor Fotografia ou Melhor Filme em Língua Estrangeira, ou se o comité executivo decidir abrir uma exceção baseada numa "distinção única" ou "mérito especial", sendo pouco claro quando é esse o caso.

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Ainda que pareçam razoáveis, essas regras acabam por ser um obstáculo para as realizadoras, que geralmente recebem menos oportunidades de realizar um segundo filme do que os seus colegas masculinos. De acordo com o Instituto de Annenberg, da Universidade de Brown nos EUA, as mulheres realizaram quase 4% dos 1200 filmes mais aclamados de 2007 a 2018. Dessas, apenas 17,4% teve a oportunidade de realizar outro filme além da estreia. Em oposição, 45,7% dos homens que fizeram um filme de topo na última década puderam fazê-lo. O estudo provou assim que as mulheres perdem oportunidades de realizar, mas também que essas oportunidades surgem num período mais curto de tempo: a carreira dos realizadores dura dos 20 aos 80 anos, assinando entre um e dezassete filmes, enquanto a das mulheres dura entre os 30 e os 60 anos, com um a quatro filmes.

Um exemplo é a realizadora Patty Jenkins, cujo filme Monstro garantiu um Óscar a Charlize Theron em 2003, mas só voltou a realizar outro em 2017 com o êxito Mulher-Maravilha. Apesar de garantir que em parte se afastou para dar prioridade à família, Jenkins também já mencionou publicamente que passou esse tempo a tentar levar o filme para o grande ecrã, já que os estúdios não estavam interessados numa super-heroína. Jenkins também falou da sua luta contra o sexismo na indústria para eventualmente conseguir o trabalho em Mulher-Maravilha, já que numa situação oposta estão realizadores como Colin Treverrow ou Marc Webb, que conseguiram franchises de renome como Jurassic World e Spider-Man, respetivamente, depois de se estrearem com um filme indie.

Também é importante mencionar o facto de os homens poderem votar em filmes realizados por mulheres, o que regra geral não fazem, talvez porque muitos dos filmes mais aclamados realizados por mulheres abordam relações entre mulheres, mas nem sempre no contexto doméstico: entre irmãs (Mulherzinhas), netas e avós (A Despedida), amigas, colegas (em Hustlers) e amantes (Retrato de uma Jovem em Chamas), enquanto os papéis masculinos são meramente auxiliares. São estas histórias que contrastam claramente com os filmes mais aclamados realizados por homens este ano, como Era uma vez... em Hollywood, Joker e O Irlandês, que sofreram várias críticas por colocar os seus papéis femininos um pouco de parte.

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Além disso, é fácil notar que há uma longa tradição nos Óscares de nomear filmes de guerra com papéis centrais masculinos como 1917, filmes sobre a máfia como O Irlandês, ou mesmo Era Uma Vez, geralmente a retratar velhos amigos que se reúnem por pouco tempo, mas de forma épica. Como na vida real, as relações femininas raramente recebem a mesma consideração. A revista Vanity Fair registou que os homens da Academia simplesmente não viram Mulherzinhas, sendo que os números de presenças nas exibições para votantes foram extremamente assimétricos entre os dois géneros.

Posto isto, não é um segredo que nem todos os votantes da Academia, independentemente do  género, vejam todos os filmes concorrentes, nem que há vários problemas que precisam de ser tratados (especialmente no que toca a atingir a igualdade de género em Hollywood e durante a temporada de prémios). No entanto, se queremos ver mais mulheres reconhecidas nestas ocasiões, o primeiro passo a dar rumo à mudança poderá ser reconsiderar as regras que impedem que mais mulheres se juntem às nomeações.

Foto: IMDB 1 de 6 / Emma Watson, Saoirse Ronan, Florence Pugh e Eliza Scanlen em Mulherzinhas
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Foto: IMDB 2 de 6 Adèle Haenel e Noémie Merlant em Retrato de uma Jovem em Chamas (2019)
Foto: IMDB 3 de 6 Tzi Ma, Shuzhen Zhao, Han Chen, Aoi Mizuhara, Hong Lu, Diana Lin, Awkwafina, e Yongbo Jiang em A Despedida (2019)
Foto: IMDB 4 de 6 George Mackay em 1917 (2019)
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Foto: IMDB 5 de 6 Charlize Theron em Monstro (2003)
Foto: IMDB 6 de 6 Gal Gadot em Mulher-Maravilha (2017)
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