O fenómeno que bate todos os recordes de vendas é uma trilogia erótica sustentada num sadomasoquismo soft. E quem são os fãs de As Cinquenta Sombras de Grey? São sobretudo mães de família... Nasce um estranho género literário: o mommy porn ou pornografia para mamãs.
O sexo e a mamã
16 de janeiro de 2013 às 08:00 Máxima
Há já algum tempo que as mulheres que entram na Good Vibrations, uma sex shop situada no coração do bairro financeiro de São Francisco, nos Estados Unidos, não se ficam por Jack, the Rabbit, o brinquedo sexual popularizado pela série televisiva O Sexo e a Cidade. Elas interessam-se sobretudo pelas algemas ornamentadas com frufrus em organdi e cetim (a dezoito dólares o par). Depois do lançamento de As Cinquenta Sombras de Grey (editado em Portugal pela Lua de Papel), “os kits de bondage para principiantes vendem-se como pãezinhos quentes”, afirma Carol Queen, sexóloga da Good Vibrations.
O MOMMY PORN
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A nova obsessão de Hollywood
Cinco milhões de dólares é a soma despendida pela Universal Pictures e pela Focus Features pelos direitos de adaptação de As Cinquenta Sombras de Grey, depois de uma batalha que opôs os grandes estúdios de Hollywood pelo privilégio de fazerem sonhar, no grande ecrã, os fãs deste romance erótico.O sexo vende, como se diz em Hollywood. A Universal Pictures apostou num duo de peso para produzir a trilogia mais escaldante do momento, Michael De Luca e Dana Brunetti, os produtores de A Rede Social, o filme sobre o Facebook, prova de que Hollywood leva muito a sério o fenómeno.
Com vendas de 20 milhões de exemplares nos Estados Unidos, ou de 31 milhões se incluirmos as vendas no estrangeiro, esta trilogia conta a história de Anastasia Steele, uma estudante ingénua e virgem que, em vez de procurar um príncipe encantado, apaixona-se por Christian Grey, um homem jovem, perfeito e riquíssimo, com um passado obscuro, que a converte aos prazeres do sadomasoquismo no seu red room of pain, um quarto de suplícios, enquanto sonha com sexo “normal”.
O mommy porn, a nova obsessão de HollywoodCinco milhões de dólares é a soma despendida pela Universal Pictures e pela Focus Features pelos direitos de adaptação de As Cinquenta Sombras de Grey, depois de uma batalha que opôs os grandes estúdios de Hollywood pelo privilégio de fazerem sonhar, no grande ecrã, os fãs deste romance erótico.O sexo vende, como se diz em Hollywood. A Universal Pictures apostou num duo de peso para produzir a trilogia mais escaldante do momento, Michael De Luca e Dana Brunetti, os produtores de A Rede Social, o filme sobre o Facebook, prova de que Hollywood leva muito a sério o fenómeno.
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O incrível sucesso desta saga de soft porn marcou o aparecimento de um novo género literário nos Estados Unidos, o mommy porn ou pornografia para mamãs, em que as mães de família constituem o maior número dos seus leitores. Cinco razões permitem explicar o fenómeno em torno deste romance no qual a prosa não difere muito da de um romance da coleção Harlequin (com algemas e chicotes).
O sadomasoquismo já não é um tabu
A autora de As Cinquentas Sombras de Grey, E. L. James (Erika Leonard é o seu verdadeiro nome), é uma inglesa de 49 anos, mãe de dois adolescentes, antiga funcionária de uma cadeia de televisão, que não sabia nada sobre sadomasoquismo até escrever a sua trilogia, e que acredita ter feito a sua educação sexual através da Wikipedia, tal como a sua heroína, Anastasia. No país de Lady Gaga, mas também do Puritanismo, a sigla BDSM (bondage, dominação, submissão, masoquismo), até há pouco apenas reservada a um público de iniciados, entrou no vocabulário de mães de família, grandes consumidoras de romances cor-de-rosa (a autora número um norte-americana, Nora Roberts, vendeu 400 milhões dos seus romances). As vendas online de acessórios BDSM registadas pela Good Vibrations aumentaram 300% em alguns meses. “Nunca a BDSM foi tão popular como agora”, assegura Susan Wright, porta-voz da NationalSexual Freedom Association, uma associação que luta pela liberdade sexual. “Se a publicação de Sex em 1992, o livro de Madonna, gerou algum escândalo, com um sadomasoquismo ao estilo de Versace”, explica, “em contrapartida, Anastasia é uma rapariga comum, com a qual a grande maioria das mulheres pode identificar-se.” E não são apenas as mães de família. Pelo menos metade das leitoras de E. L. James tem entre 20 e 30 anos.
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As estrelas e As Cinquenta Sombras de Grey
Foi através do Twitter que Bret Easton Ellis, o autor de American Psycho e de Lunar Park, fez saber ao mundo inteiro o seu desejo de escrever o argumento de As Cinquenta Sombras de Grey e de confiar ao talentoso David Cronenberg a tarefa da realização. Em Hollywood, diz-se também que Angelina Jolie se imagina na cadeira de realizadora ou talvez a encarnar Anastasia no ecrã, mesmo que já tenha passado um pouco a idade da heroína. Quanto aos fãs de As Cinquenta Sombras de Grey, imaginam Ryan Gosling, Channing Tatum ou Ian Somerhalder no papel de Christian e Emma Watson ou Katie Cassidy no papel de Anastasia. Emma Watson negou ter sido contactada pelos produtores do filme e Robert Pattinson afirmou que ainda não leu o romance e que se contentaria em lamber as páginas... Recentemente, Eva Longoria fez-se fotografar na companhia da autora da trilogia. Charlize Theron e Kristen Stewart leram excertos da obra na MTV. E Selena Gomez fez uma paródia hilariante batizada As Cinquentas Sombras de Azul, transmitida por Funny or Die.
Um best-seller em formato eletrónico
Fã de Twilight e da sua autora, Stephenie Meyer, E. L. James começou por publicar trechos de As Cinquenta Sombras de Grey em sites de fan fiction sob o título Master of the Universe, uma versão sulfurosa de Twilight, uma série que tinha como protagonistas adolescentes que faziam a apologia da castidade. O seu romance foi considerado demasiado explícito pelo público daqueles sites e James acabou por publicar a sua trilogia em 2011, sob a forma de livro eletrónico, através de uma obscura editora de livros eletrónicos sedeada na Austrália. Alertada pelo zunzum em torno de As Cinquenta Sombras de Grey e pelo número de livros eletrónicos vendidos, a Vintage, uma filial da Random House, o gigante norte-americano das editoras, comprou os direitos da obra e o livro foi editado nos Estados Unidos em abril deste ano. “E. L. James nunca teria sido publicada por um editor nova-iorquino de prestígio se a sua trilogia não tivesse já atingido o estatuto de best-seller em formato eletrónico”, afirma Carol Queen. Pois “o facto de poder comprar online, com um clique e sem ter de corar ao comprá-lo numa livraria, certamente levou a que um grande número de mulheres o procurasse”, analisa a socióloga californiana Jennifer Gunsaullus. “Trata-se de literatura profunda? É óbvio que não. São obras muito bem escritas? Também não. Mas estes livros mantiveram-me acordada até às duas da manhã dois dias seguidos. Não conseguia pô-los de lado”, confessa Lindsay Weiss, uma mãe de família, no seu blogue para mamãs. “Apesar do lado mais medíocre desses romances, as duas personagens principais são de tal modo interessantes, de tal modo divertidas, de tal modo cativantes que eu não conseguia deixá-las.”
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As power women e o sonho da submissão“A fantasia das mulheres que trabalham”, exclamava, na capa, a Newsweek. “Submeterem-se é o sonho das pós-feministas”, afirmava, um pouco provocadora, Katie Roiphe, professora da Universidade de Nova Iorque, naquela revista semanal. “A fantasia de ser dominada por um homem não desapareceu com a igualdade de salários e a igualdade no trabalho. Até talvez tenha ganho em intensidade”, acrescenta. “Supermulheres, as norte-americanas reinam, hoje em dia, mais e mais frequentemente sobre os homens, tanto no trabalho, como em casa. São elas quem toma a maior parte das decisões em casa; atualmente, 40% das norte-americanas ganha mais do que os seus companheiros, por exemplo. A ideia de não ter de tomar nenhuma decisão e de se submeterem no recato do quarto agrada a muitas mulheres”, confirma a socióloga Jennifer Gunsaullus. “Nós desejamos a igualdade, mas em certos momentos e em certos lugares apenas”, repara Katie Roiphe. Talvez haja qualquer coisa de esgotante no tsunami de responsabilidades de uma mulher moderna. A fantasia da submissão é como umas pequenas férias. E é partilhada por uma grande parte de raparigas na casa dos 25 anos. Na série Girls, novo fenómeno da cadeia de televisão HBO, escrita por Lena Dunham, de 25 anos, faz-se frequentemente referência ao desejo de submissão.
Um novo liberalismo sexual
“Nos Estados Unidos, país onde o direito a abortar é ainda discutido, o sucesso desta trilogia erótica prova que as norte-americanas querem tomar as rédeas da sua sexualidade”, argumenta Susan Wright, a porta-voz da NationalSexual Freedom Association. “Em lugar de nos perguntarmos por que razão as mulheres gostam tanto de As Cinquenta Sombras de Grey, deveríamos antes questionar-nos por que foram necessários tantos anos para nos apercebermos de que as norte-americanas são seres sexuais completos”, pondera Angie Rowntree, a fundadora do Shh.com, um site para mulheres. “Eu creio que esta obra deveria ser publicitada como um Viagra para as mulheres”, afirma uma leitora do seu blogue.
E. L. James não inventou nada
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A autora de As Cinquenta Sombras de Grey foi buscar a sua inspiração não apenas a Twilight, mas também a um número incalculável de outros romances. “O nosso fascínio por BDSM remonta já aos tempos do Marquês de Sade e, mais recentemente, a AHistória de O, o romance de Pauline Réage, obras tão fascinantes e melhor escritas do que o romance cor-de-rosa de E. L. James”, analisa April Alliston, professora de Literatura Comparada na Universidade de Princeton, que lembra ainda que Anastasia não difere muito de heroínas românticas da literatura inglesa do século XIX, como Jane Eyre.
Tradução de Carla Sacadura Cabral
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