Mina Dennert combate o ódio online com factos e empatia
Fundadora do #iamhere, a jornalista sueca Mina Dennert foi perseguida por trolls, sofreu ameaças de morte, mas nunca desistiu da luta pela verdade dos factos. Dez anos depois das primeiras ações, o #jagärhär alargou-se a 15 países, onde mais de 150 mil pessoas lutam pela integridade das democracias.
Foto: DR26 de novembro de 2025 às 11:48 Rita Lúcio Martins
Em 2016, numa altura em que o ódio e a desinformação começavam a tomar conta dos espaços online, Mina Dennert, jornalista, começou a ficar cada vez mais frustrada com a rapidez com que os novos discursos se propagavam, enquanto as pessoas que se preocupavam com a democracia e os direitos humanos permaneciam em silêncio. “Faziam-no não porque não se importassem, mas porque o ambiente era hostil”, recorda. O movimento #jagärhär [“estou aqui”, em sueco] arrancou com uma ideia simples: mostrar-lhes que não estavam sozinhas. Começaram por mobilizar voluntários para entrar em discussões online, contrariando o ódio com factos, empatia e apoio. Ao longo dos anos, o movimento cresceu, inspirando iniciativas em mais de 15 países (Portugal não está incluído). “Também evoluímos os nossos métodos: desde analisar narrativas e identificar pessoas-chave até trabalhar com jornalistas, organizações da sociedade civil e plataformas tecnológicas. Hoje, não se trata apenas de responder a discursos de ódio – trata-se de compreender os fluxos de informação, antecipar campanhas de desinformação e reforçar a resiliência das comunidades digitais.”
Em dez anos, o panorama digital (e social) nunca parou de mudar, com o aparecimento constante de narrativas que exigiram novas respostas. Um trabalho que parece nunca estar terminado e que, para Mina, não só exige o envolvimento de todos como doses inesgotáveis de resiliência. Sempre ligada, sempre atenta, sempre vigilante, Dennert está ciente da complexidade atual, mas nem por isso acusa cansaço. As ameaças que recebeu ao longo dos anos não foram suficientes para a demover, mas tornaram-na tão cautelosa como determinada: “Num momento em que as democracias ainda parecem funcionais à superfície, forças ocultas exploram o medo, polarizam sociedades e manipulam factos. O objetivo não é controlar mentes, mas proteger a confiança social e a integridade democrática. Visibilidade, solidariedade, pensamento crítico e envolvimento persistente são as nossas melhores defesas.” Portugal não escapa à conjuntura internacional. Também por cá, a proliferação dos discursos de ódio e de ameaças à liberdade justifica a necessidade urgente de movimentos como o #jagärhär. Motivo mais do que suficiente para uma conversa com a sua fundadora.
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Racismo, islamofobia, discriminação de género: são alguns dos temas comuns no discurso de ódio. Consegue nomear outros? Surgiram “novos” alvos?
Sim. Além do racismo, da islamofobia e da discriminação de género, continuamos a observar ódio dirigido a jornalistas, cientistas, profissionais de saúde pública e outros grupos apresentados como “ameaças” em narrativas conspirativas. Conspirações em torno das vacinas, das alterações climáticas e do antielitismo frequentemente sobrepõem-se às formas tradicionais de ódio e também visam grupos que não se conformam. Num contexto europeu, a comunidade trans é especialmente visada. Do ponto de vista sueco, a hostilidade em relação à comunidade muçulmana constitui a grande maioria do discurso de ódio online. Alguns padrões antigos persistem desde 2016. A Suécia foi pioneira no desenvolvimento de “fábricas de trolls” e de ódio generalizado online, e as narrativas extremistas estão agora cada vez mais interligadas e coordenadas através de múltiplas plataformas. Os alvos mudam à medida que as questões sociais, políticas ou de saúde evoluem, e cada vez mais empresas e organizações são afetadas. Hoje, quase todos estão cientes dos temas que são “proibidos” online. À medida que o extremismo de direita ganha presença política na Suécia e noutros lugares, a retórica de ódio é cada vez mais reforçada pela legislação e pela discriminação offline. O que temíamos em 2016 terializou-se, de muitas formas, já.
O discurso de ódio mudou ao longo do tempo? Tornou-se mais sofisticado?
Sim, tornou-se significativamente mais sofisticado. As campanhas de assédio combinam agora desinformação, media manipulados e amplificação estratégica. O ódio espalha-se mais rapidamente e através de múltiplos canais, incluindo fóruns específicos e encriptados, em que a moderação é mínima. As empresas de tecnologia têm desempenhado um papel – por vezes involuntário – por meio de algoritmos de recomendação, mecânicas de viralidade e designs de plataformas que recompensam o envolvimento, independentemente da qualidade do conteúdo. Hoje em dia, atores privados podem até comprar influência nas redes sociais para promover agendas políticas, o que distorce ainda mais o discurso democrático.
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Nasceu no Irão, mas foi adotada quando tinha apenas um ano, tendo crescido integrada na cultura sueca. No entanto, houve um momento-chave, na sua adolescência, em que esse sentimento de pertença mudou...
Fui fisicamente atacada por um grupo neonazi. Cortaram-me o cabelo e pintaram-me o corpo com a suástica. Até então, nunca tinha questionado se era realmente sueca. Mas, no período de um ano, muitos dos meus amigos – e até o meu então namorado – radicalizaram-se, adotaram símbolos nazis, raparam a cabeça e tornaram-se skinheads. Esse ataque destruiu o meu sentido de pertença. De repente, percebi que os outros poderiam ver-me como diferente. Também compreendi demasiado cedo que o racismo existia – mesmo que não tivesse palavras ou qualquer tipo de apoio para descrever o que estava a acontecer. Na altura, a sociedade sueca estava convencida de que o racismo não existia. Demorou quase 30 anos até que conceitos como “microagressão” ou “stress de minorias” entrassem na língua sueca, permitindo às pessoas articular a discriminação e o assédio que tinham sofrido. Durante décadas, a Suécia recusou-se a medir sistematicamente o racismo ou a discriminação. Hoje, sabemos que a Suécia está entre os países com maior discriminação no mercado de trabalho no mundo. Fui alvo de gaslighting durante mais de 40 anos – foi-me dito, de forma implícita e explícita, que a minha experiência não contava. Esse momento foi chocante e formativo. Mas o trauma nunca cicatrizou completamente. Ser sujeito – e continuar a ser sujeito – às injustiças sistémicas deixou-me a carregar um peso que a maioria não vê nem reconhece. É extremamente cansativo.
Sentiu-se fisicamente mais exposta?
Sim. Após esse incidente, tornei-me consciente de como a minha aparência podia influenciar as interações. Alguma da discriminação que sofri era explícita, outra era mais subtil – como microagressões, pressupostos ou mesmo exclusão. É algo que carrego, seja como experiência vivida ou como perceção dos desafios que muitos grupos marginalizados enfrentam.
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Mina Dennert, fundadora do #iamhere, combate o ódio online
Foto: DR
Diria que este sentimento de pertença/não pertença se tornou parte da sua identidade?
Sim. Essa ambivalência é algo partilhado por muitas pessoas da maioria global. Ao mesmo tempo, cada vez mais pessoas começam a reconhecer como o colonialismo moldou sociedades, instituições e perceções sobre quem pertence e quem não pertence. As consequências históricas e estruturais do colonialismo continuam a influenciar oportunidades, representação e a forma como a discriminação sistémica é vivida hoje. Para mim, esta consciência aprofunda a perspetiva que trago ao meu trabalho e sublinha porque é que a resiliência, a inclusão e a reflexão crítica são essenciais, tanto nos espaços sociais como nos digitais.
É daí que vem a sua determinação?
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Não, não exatamente. Esse sentimento de ambivalência e os padrões que observei na sociedade são uma luta paralela – ajudaram-me a articular e a compreender dinâmicas complexas desde cedo. A minha luta pela justiça é algo que carrego desde muito jovem. Sempre odiei a injustiça e, instintivamente, tomei o partido do mais fraco ou tentei corrigir erros, mesmo enquanto criança. Nomeadamente em relação aos animais – penso que sempre me identifiquei como forte e destemida, reagindo instintivamente sem me preocupar com o meu próprio bem-estar ou segurança.
Há quem considere que um/a jornalista não deve ser um/a ativista.
Nunca fui ativista. Sou jornalista. Como jornalista, analiso, investigo e informo – não é ativismo; é trabalhar na minha área de especialização. Penso que a maioria dos jornalistas da minha geração entrou na profissão para expor injustiças e corrupção, revelar a verdade e defender os valores democráticos. Nesse sentido, agir com integridade e propósito faz parte do próprio papel jornalístico, e não de uma agenda ativista separada.
Olhando para o clima social atual – com a ascensão de movimentos de extrema-direita, mas também para a enorme complexidade do mundo digital, cheio de esconderijos e brechas –, qual é a melhor forma de continuar a resistir?
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Resistir hoje exige uma abordagem em múltiplas camadas. Precisamos de jornalismo sólido, literacia digital, envolvimento cívico proativo e mecanismos de responsabilização para as plataformas tecnológicas. Exige também métodos em constante evolução. O mais preocupante é a erosão subtil das normas democráticas em democracias aparentemente funcionais. Eleições e instituições podem existir no papel, mas atores privados e entidades hostis exploram as plataformas para polarizar, amplificar os extremos e desestabilizar sociedades. Raramente têm como objetivo convencer alguém; o objetivo é o caos, o medo e a desconfiança. Esta estratégia aproveita a emoção humana: raiva, medo e indignação. Quanto mais impulsivamente reagimos, mais inadvertidamente contribuímos para ela.
Que papel devem ter o jornalismo e os jornalistas?
Acredito que o jornalismo hoje é uma das profissões mais importantes que alguém pode ter. Não é algo que possamos levar de ânimo leve. Sabemos que existem estratégias deliberadas para espalhar desinformação e teorias da conspiração, para criar caos através de mentiras, ameaças e campanhas destinadas a silenciar toda a oposição. Atualmente, os jornalistas têm o trabalho mais vital do mundo: continuar a reportar corajosamente e com integridade o que está a acontecer. Devem explicar o que os acontecimentos significam, expor injustiças e abusos, clarificar contextos complexos e responsabilizar os detentores do poder. O jornalismo é essencial para manter a confiança na sociedade, para capacitar os cidadãos com factos e para impedir a manipulação da verdade por aqueles que procuram desestabilizar democracias. Reinventar-se não significa abandonar a ética – significa demonstrar a sua relevância, transparência e o papel crítico que o jornalismo desempenha na proteção dos valores democráticos.
Já passaram oito anos desde que ganhou o Prémio Anna Lindh. O que mudou desde então?
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O prémio não fez uma grande diferença para mim a nível pessoal, mas foi uma enorme honra. Anna Lindh foi uma política corajosa e íntegra, e representa o tipo de líderes, jornalistas e modelos que tenho apoiado através do meu trabalho. Ganhar o prémio teve um significado profundo. Se ela ainda estivesse viva, teria sido uma das vozes que eu teria tentado proteger.
Mina Dennert, fundadora do #iamhere, luta contra o ódio online em 15 países
Foto: DR
Como descreveria a sua rotina profissional diária?
Centra-se em palestras, workshops, trabalho de aconselhamento estratégico e no desenvolvimento de métodos para fortalecer a resiliência contra a desinformação e o discurso de ódio. As minhas palestras, workshops e consultoria são concebidas para dar aos participantes uma compreensão abrangente do panorama da informação digital e de como se espalham o ódio, a desinformação e as narrativas conspirativas. Cada vez mais trabalho com empresas e organizações de maior dimensão, apoiando- -as na realização de análises de risco, no desenvolvimento de estratégias de comunicação e na implementação de práticas de segurança para a proteção contra campanhas coordenadas, ataques de desinformação ou ameaças cibernéticas. Os programas combinam uma análise detalhada dos ecossistemas de informação para identificar ameaças existentes e planear respostas estratégicas para a resiliência organizacional.
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E destinam-se a quem?
Grandes organizações internacionais, equipas de liderança executiva, jornalistas, funcionários públicos, colaboradores de ONG, comunicadores e instituições culturais. O trabalho é sempre adaptado ao seu contexto específico, ajudando a antecipar possíveis campanhas de desinformação, responder eficazmente a incidentes, proteger os colaboradores, salvaguardar a credibilidade organizacional e construir sistemas robustos capazes de resistir a ataques. O foco central está na construção de capacidades a longo prazo. Trata-se de prevenção, reforço da confiança e promoção de uma cultura de resiliência. Em última análise, os workshops capacitam indivíduos e organizações para agir com confiança perante ameaças digitais complexas.
É possível convencer alguém de que aquilo em que acredita não é verdade? Mais do que desmentir teorias da conspiração ou fazer verificação de factos, é possível aumentar os níveis de awareness, implementar novos hábitos?
Por vezes. Mas raramente apenas com factos. A crença está ligada à identidade, à emoção e ao contexto social. É necessária paciência, confiança e diálogo. O objetivo não é “ganhar” um argumento, mas sim abrir uma porta – plantar sementes de consciência que possam crescer ao longo do tempo.
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Continua a receber ameaças de morte?
Não, pessoalmente as coisas acalmaram. As ameaças continuam, mas não à mesma escala de antes, agora são geríveis, mas o medo ainda está presente, e tenho de admitir que me tornou mais cautelosa. Tenho-me apercebido de que estou constantemente a ponderar se vale a pena tomar uma posição pública sobre certos assuntos, sabendo que isso pode fazer com que seja mal interpretada, atacada ou que perca credibilidade. Durante um ano inteiro, fábricas de trolls atacaram-me a mim e à minha família. Até os meus pais receberam ameaças de morte. Porém, em muitos aspetos, a pior parte não eram as ameaças em si – eram as mentiras. Conseguiram atacar a minha organização de forma tão eficaz que se tornou quase impossível continuar o nosso trabalho na Suécia. Fomos forçados a transferir as nossas atividades para o plano internacional, o que me trouxe novas perspetivas e redes valiosas, mas nunca foi uma escolha realmente livre. Todos sabiam que as acusações não eram verdadeiras, mas tinham medo de trabalhar connosco ou de nos apoiar, porque não queriam “acabar como nós”. Desta forma, a estratégia de dividir para conquistar funcionou na perfeição. As pessoas têm medo de defender aqueles que são alvos, e esse medo deixa tanto as pessoas como as organizações completamente isoladas. Agora, concentro-me em fazer aquilo que sempre fiz – prevenir situações semelhantes, fortalecer a resiliência e apoiar outros que possam ser alvo –, mas hoje abordo isso de uma forma um pouco diferente.
Sendo alguém que vive tanto no mundo online, como é que consegue desligar?
Honestamente, não sou muito boa nisso. É um enorme desafio. Por vezes, invejo as pessoas à minha volta que vão a festas, falam sobre decoração de interiores, novas lojas na cidade, ou simplesmente desfrutam de um café ao sol – esses pequenos prazeres da vida quotidiana. É algo em que genuinamente quero trabalhar. Sinto um profundo arrependimento pelo tempo que não passei com os meus filhos e pelo quanto da minha atenção foi dedicada a navegar pelo mundo digital, gerir campanhas de ódio e combater a desinformação. Aprender a desligar, a dar um passo atrás sem culpa, é um esforço contínuo. Sei que o equilíbrio é essencial – não apenas para o meu próprio bem-estar, mas também para estar totalmente presente para a minha família. Espero aprender isso um dia. Talvez na próxima vida.
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Texto originalmente publicado na revista anual da Máxima, de novembro de 2025.
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