Michèle Fajtmann: “Quando ia a uma galeria via coisas de muito alto nível, mas sempre com poucos visitantes”

Na semana em que começa o Lisbon Design Week, a Máxima foi falar com a sua fundadora. Uma advogada belga, com experiência na organização de eventos artísticos, que deu por si a viver em Portugal pouco antes da pandemia. Ficou maravilhada com a qualidade do trabalho dos artesãos portugueses.

Foto: Armando Jorge Mota Ribeiro
30 de maio de 2025 às 19:00 Madalena Haderer

Estamos no Lisbon Design Week (LDW), a terceira edição de um festival que começou no dia 28 de maio e se prolonga até 1 de junho, e que pretende ser uma verdadeira peregrinação para todos os que amam o design. Felizmente, não é preciso fazê-la de joelhos. A verdade é que quem gosta de design, de passear em Lisboa, e do corrupio de entra e sai em showrooms, galerias, museus e ateliers, tem aqui uma mão cheia de dias que não podiam ser mais perfeitos. Nesta celebração do design artístico e de autor, do saber-fazer e da comunidade criativa de Lisboa, que conta com 250 participantes, há 95 locais para visitar distribuídos ao longo de 11 zonas lisboetas: Belém/Ajuda/Restelo, Infante Santo/Alcântara, Santos/Lapa, São Bento/Estrela, Campo de Ourique/Amoreiras, Príncipe Real, Chiado/Bairro Alto, Baixa/Castelo, Marquês/Avenida da Liberdade, Saldanha/Avenidas Novas e Marvila/Beato.

Foto: ©irinaboersmamachado
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A melhor forma de percorrer este périplo criativo é fazendo download da app da iniciativa, uma novidade desta edição, que vai continuar a dar sinal depois de o festival terminar, alertando para eventos que vão acontecer ao longo do ano. Ou isso, ou tomando nota das propostas de roteiros no Instagram da iniciativa, que dão conta, por exemplo, que quem quiser visitar todos os locais na zona de Belém/Ajuda/Restelo pode fazê-lo em 1h36m se seguir a ordem sugerida – o tempo passado dentro de cada galeria ou showroom é da exclusiva responsabilidade do visitante.

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No âmbito deste festival há exposições no MUDE, no CCB, no Novobanco Gallery, na Roca Lisboa Gallery, na CAM Shop – Gulbenkian, no Arquivo Aires Mateus, no Luso Collective, na Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, no Museu Nacional de Arte Contemporânea, na Paris:Sete, na QuartoSala, na Oficina Marques e muito mais. As visitas são gratuitas. E, claro, como não podia deixar de ser, também vai haver um podcast, com designers de renome, gravado no bar Kissaten, no Locke de Santa Joana, e com entrada livre.

Foto: Riccardo de Vecchi

O LDW é uma criação de Michèle Fajtmann, uma advogada nascida na Bélgica, fundadora da From My City, uma agência estabelecida no Reino Unido em 2010 que cria eventos ligados às artes, e que se encantou pela criatividade e qualidade do trabalho artesanal que encontrou em Portugal. E o resto é história. Ou, melhor dizendo, histórias que a própria contou à Máxima, durante a apresentação do evento, no Locke de Santa Joana – onde também há peças em exposição.

Estamos na terceira edição do LDW. Como é que este projecto entrou na sua vida? E porquê em Lisboa? Como é que Lisboa entrou na sua vida?

Ah, sim, isso é uma história muito interessante. Eu tinha uma empresa em Londres, From My City, para fazer eventos de rua, eventos na cidade, com artistas, enfim, eventos culturais. E, antigamente, exerci advocacia e vivi em grandes cidades: Nova Iorque, Londres, Bruxelas, Varsóvia. E, quando cheguei aqui, por razões familiares, foi um pouco antes da Covid, infelizmente, não tinha tanto trabalho para fazer e estava sempre a caminhar. E em Santos vi um autocolante que dizia “Santos Design District”. Fiquei surpreendida com aquilo. Em Londres, ia, habitualmente, ao London Design Festival. Fiz uma pesquisa e encontrei os fundadores da iniciativa. Pensámos fazer um renascimento do Santos Design District, com um dos fundadores, mas com a Covid já não foi possível.

Foto: Armando Jorge Mota Ribeiro

Mas continuei sempre a pensar nisso e cheguei à conclusão que não fazia sentido fazer uma coisa assim apenas em Santos, porque não há tantos lugares [lojas, ateliers, oficinas, etc.] Era melhor fazer algo que englobasse toda a cidade. Entretanto, fui falando com muitos designers e todos me diziam que a profissão não é reconhecida, que não têm muitos clientes locais, que têm de ir à Alemanha e a outros mercados [em busca de trabalho e de reconhecimento]. E, de facto, quando eu ia a uma galeria ou museu, via coisas de muito alto nível, mas sempre com poucos visitantes. E comecei a pensar que era preciso fazer alguma coisa, era preciso dinamizar. E, no primeiro ano, foi uma experimentação, uma tentativa, falei com a Julie [de Halleux], que também é belga, e que nessa altura já tinha feito a [terceira edição anual da] feira Lisbon by Design. E eu disse que podíamos convidar algumas galerias, designers, para participar. Foram cinquenta. Mas, no fim, foi um pouco... O conceito era diferente, porque, para eles, era como uma extensão da feira. Para mim, era um projeto para dinamizar a cidade. O objetivo era diferente.

E foi assim que tudo começou. E eu não era uma especialista em design, o que eu conhecia melhor eram as artes visuais. Mas, quando comecei a conhecer o artesanato e design portugueses, gostei tanto e foi uma novidade tão grande para mim, que se tornou uma nova paixão. Estou sempre a ler e a descobrir mais e mais.

Studio Mirante Foto: Laeticia Rouget

Em Portugal, ainda temos muito a tendência para desvalorizar as nossas próprias coisas. É uma característica da nossa personalidade. Foi preciso vir uma pessoa de fora, como a Michèle, para encontrar valor onde nós, se calhar, não encontrávamos, não é?

[risos] Sim, mas não só eu. Há algumas organizações que também estão a fazer outras coisas. Mas, acho que, para mim, fazer isto, foi uma coisa natural. Há toda uma combinação de muitas experiências que eu tinha e também muitas coisas que eu vi, mas que não quero replicar aqui, porque cada lugar é diferente. Mas, obviamente, está tudo na minha cabeça e pude usar esses conhecimentos para tentar dinamizar [os designers e artesãos portugueses ]. Para mim, o mais importante em cada projeto é falar com as pessoas, porque se não tenho a adesão da comunidade, não vale a pena. Ainda assim, isto é uma iniciativa completamente privada e é um grande desafio, porque, sem a participação das instituições públicas e da Câmara, vai ser muito difícil continuar.

Maria Dezasseis_KRUS6(1).jpeg Foto: DR

Quanto tempo demora a organizar cada edição anual do Lisbon Design Week?

Acho que começamos cerca de oito meses antes. Este ainda é só o terceiro ano, mas, nos primeiros meses, nunca sabemos se vai ser possível organizar novamente, porque não temos dinheiro e temos que encontrar os primeiros e o segundos patrocinadores. Temos muita sorte que os patrocinadores continuem connosco. Novobanco, Roca, De La Espada, é essencial. Sem De La Espada, acho que não podíamos fazer isto. E, infelizmente, como temos uma equipa muito, muito pequena, não temos tempo suficiente para tentar encontrar mais patrocinadores, porque temos de avançar com o programa. E é um equilíbrio muito complicado. E um trabalho muito intenso.

Já percebi que a sua cabeça não pára e que tem sempre ideias para fazer mais e mais. O que gostaria de ver acontecer nos próximos anos?

Acho que o que gostaria de fazer já no próximo ano é ter mais instalações no espaço público. Porque eu acho que, para reforçar este projecto, é muito importante que o público geral também fique orgulhoso e goste do que estamos a fazer. No primeiro ano, fiz uma coisa completamente louca com o Toni Grilo [designer e director artístico da marca com o mesmo nome], apresentámos uma instalação na Câmara Municipal de Lisboa e, no fim, a Câmara comprou a instalação.

Mas, no segundo ano, a Câmara já disse que não podíamos fazer nada nos espaços públicos porque estão à espera de uma nova lei sobre arte pública. Mas vou trabalhar um pouco sobre isso, como dizem os advogados [risos], porque para mim é muito importante ter uma ativação na rua e fazer uma ligação durante o percurso [dos locais de acolhem o evento, nos diversos bairros de Lisboa].

Foto: Ana Araújo

Durante a apresentação, a Michèle falou sobre um DJ famoso, que veio viver para Portugal e que encontrou um designer com quem vai trabalhar através do site do Lisbon Design Week. Pode dizer quem é?

Sim, é o Richie Hawtin. Ele chegou aqui há seis meses. Tem uma grande paixão pelo Japão e ele quer abrir um bar de sake aqui e vai trabalhar com o Diogo Amaro, um artesão que trabalha com madeira, e que foi uma grande estrela da nossa edição do ano passado. O Richie é muito simpático. Quando lhe ligo ele diz-me que quer fazer parte da comunidade criativa de Lisboa. Ele não precisa. Tem 800 mil seguidores. Para nós é bom, obviamente.

Foto: Armando Jorge Mota Ribeiro

Para terminar, o que significa para si o design? 

Para mim, o design é a criatividade. Tudo é design, tudo. Não as coisas naturais, claro, mas as outras coisas são todas design. É pensar que com criatividade podemos encontrar soluções. Soluções para tudo. E este assunto é muito interessante para os jovens, porque pensamos sempre que é necessário reinventar uma coisa nova, mas realmente não. O que é preciso é fazer uma coisa diferente ou combinar algumas coisas [que já existem para fazer uma coisa diferente], mas não necessariamente fazer uma coisa nova.

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