"Precisamos de deixar as famílias em paz. Os bebés querem mamar e as mães querem amamentar"

Opinião de Cristina Pincho, Consultora de Lactação IBCLC (International Board Certified Lactation Consultant), membro do Movimento Amamentar em Portugal e mãe de cinco filhos.

Cristina Pincho defende amamentação sem interferências sociais e respeito pelas escolhas das mães Foto: Unsplash
12 de agosto de 2025 às 14:02 Cristina Pincho

Tenho um livro escrito que se chama Amamentar, a escolha natural do seu bebé. Tem este nome porque se não interferíssemos com a programação do bebé, ou seja, com os seus reflexos e comportamentos inatos, esse seria o seu comportamento natural e, como tal, a sua escolha, levando a uma experiência de sucesso tanto para o bebé como para a mãe. Sem interferências sociais e culturais, duraria pelo menos 2 anos, idade reconhecida como biologicamente e fisiologicamente mínima para um desmame completo, desmame esse que poderá ocorrer em qualquer idade até aos 6 ou 7 anos. Mas, na verdade, eu gostava mesmo que o livro se tivesse chamado qualquer coisa como, “deixem-nos em paz! Queremos mamar!” porque os ataques à amamentação e famílias são constantes e as pessoas só querem viver as suas vidas em paz e tranquilidade. Mas este seria um título mais controverso.

Escrevo estas linhas com alguma irritação e passo a explicar porquê. Estas últimas semanas foram uma montanha russa no que à amamentação diz respeito.

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Primeiro saiu a Proposta de Lei do Governo para a Legislação Laboral, que desconsiderou tudo o que a Iniciativa Legislativa de Cidadãos levou à Assembleia da República, que foi aprovado em plenário, baixou à especialidade e foi amplamente debatido nos últimos meses antes da dissolução do Governo anterior. Depois vieram as declarações da Ministra do Trabalho e da Segurança Social, num completo desconhecimento das necessidades das famílias e pondo em causa a integridade ética das mães que amamentam.

Tudo isto aconteceu no início ou perto do início da Semana Mundial da Amamentação (SMAM). Inicialmente considerei irónico ser nessa altura, pois a SMAM tem como objetivo primordial promover, proteger e apoiar a amamentação em todo o mundo, para aumentar a consciencialização sobre a importância da amamentação para a saúde da mãe e do bebé, além de mobilizar esforços para criar um ambiente favorável à amamentação. A Semana Mundial da Amamentação convida governos, instituições, profissionais de saúde e famílias a fortalecerem as redes que tornam possível o início saudável da vida.

A ironia vinha de o Governo português propor medidas contrárias aos objetivos da SMAM e de as declarações da ministra virem precisamente nessa altura. No entanto, a senhora Ministra fez, sem querer, um favor à amamentação. Que eu tenha conhecimento, nunca numa SMAM se falou tanto em amamentação e na sua proteção. Nunca houve tantos debates na comunicação social a falar sobre o tema. Nunca houve tantos homens a falar publicamente sobre o tema. Políticos e comentadores a estudarem um pouco sobre ele e a falaram nos canais de televisão sobre o assunto. Fiquei contente. Pensei, “há males que vêm por bem”.

Mas, então, porquê a irritação que mencionei inicialmente? Porque depois de uma campanha, involuntária, mas de facto uma campanha, muito positiva e abrangente a favor da amamentação, famílias, mães e bebés, começam a levantar-se as mesmas vozes de sempre, contra quem protege, promove e apoia a amamentação. Contra as mães que, contra tudo e contra todos, se esforçam por corresponder aos filhos que querem mamar numa idade, num local do mundo e num século em que isso se torna absurdo aos olhos da maioria. Essas pessoas desrespeitam de forma agressiva quem amamenta e principalmente quem amamenta de forma continuada durante a infância. Falam do alto dos seus preconceitos e sem nenhum conhecimento científico (por incrível que pareça para alguns, a ciência veio comprovar que a natureza não se enganou). Estes preconceitos chegaram ao ponto em que no dia 11 de agosto saiu um artigo no jornal Expresso, com o título “Nenhuma mulher normal amamenta depois dos 2 anos” em que Elsa Gomes, dirigente da Segurança Social, ex-assessora da ministra Maria do Rosário Palma Leitão, nomeada como diretora-adjunta, até sugere que as mães que amamentam após os dois anos deveriam ser objeto da intervenção da CPCJ. Se isto não é falta de respeito, perseguição e descriminação, não sei o que é. Também é ignorância. Mas não podemos ficar calados contra estes ataques.

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A Semana Mundial da Amamentação teve início em 1992. Mais de três décadas se passaram e, pelo que vemos, continua pertinente. Continuamos a ter de proteger, promover e apoiar a amamentação. Hoje mais do que nunca. Não podemos deixar que os preconceitos e interesses económicos ganhem. Quando falamos de amamentação, falamos de saúde das mães, dos bebés, da família, do ambiente, de saúde publica, de sustentabilidade, falamos de amor, de respeito e de paz.

Quem amamenta é uma minoria. Quem amamenta tem de passar por muitos obstáculos. Quanto mais tempo as mães amamentam, mais obstáculos têm de ultrapassar. Para apoiar as famílias precisamos de legislação forte, precisamos de informação e formação. É necessária literacia na área ciência da lactação em todas as áreas da sociedade. E precisamos de deixar as famílias em paz. Os bebés querem mamar e as mães querem amamentar. Apoiar a amamentação é uma responsabilidade de todos nós.

Algumas ações que estão a decorrer:

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