"Confesso que o jejum é como um amigo muito incómodo, mas não existia, no convento, um rigor excessivo sobre este assunto, de tal maneira que cheguei mesmo a apreciá-lo. O jejum ajuda-nos a criar espaço, permite-nos lidar com os instintos e reconhecer a necessidade e isso também é importante na travessia que se quer fazer. É uma prática que nos permite descongestionar dos excessos."
Sem adereços
"A comunidade que está dentro do mosteiro é composta por gente muito diferente, é muito plural, mas naquilo que é importante funciona como um só coração. As mulheres são o que são sem adereços e isso é algo muito bonito. Consegue ver-se a sua criatividade, a sua capacidade de trabalho, o seu coração e a profundidade da sua alma. E percebe-se que o horizonte das mulheres é enorme quando estas se conseguem libertar de alguma da escravidão social. Ser vaidosa não é o mesmo que ser orgulhosa. O comportamento de coquete sincera não tem de estar alheado da vida monástica. A vaidade sim."
A parte mais difícil foi, sem dúvida, a perda de autonomia. Eu tinha sido freelancer e depois disso tinha trabalhado numa empresa da qual era sócia. Vivia sozinha, estava habituada a definir a minha própria agenda… Passar a ter um horário tão estipulado e organizado e receber ordens de trabalho acabou por se converter no meu cavalo de batalha. Tinha como missão varrer o claustro ou pendurar a roupa ou até mesmo cortar as ervas do campo e era isso que simplesmente devia fazer. Nada mais. Mas não estava habituada a realizar trabalhos físicos, apesar de ser isso mesmo que estava a precisar. Foi uma prova importante e que, no final, me proporcionou muito mais liberdade, dentro da escassa capacidade que tinha para tomar decisões, porque compreendi que era realmente livre para escolher com que atitude queria realizar a atividade que me estava destinada.
*Texto originalmente publicado na edição de abril de 2017 (nº 343)
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