Dating em Lisboa. “O verão terminou e, com ele, o meu potencial romance de Édipo”

Fim do verão em Lisboa traz reflexões sobre relacionamentos amorosos. Foto: IMDB
17 de outubro de 2025 às 12:02 Maria Pestana

O verão terminou e com ele o meu romance de Édipo. Não envolveu mãe e filho, pois ainda não foi desta que me rendi ao lesbianismo, nem sequer à , mas envolveu pai e filho, o que não deixa de ser peculiar. O campo de batalha foi a praia. De um lado, o pai, um homem apresentável nascido no mesmo ano de , mas definitivamente longe de apresentar os mesmos atributos físicos. Na vida real, os homens até podem envelhecer como o , mas não possuem o selo Pitt. Trabalhador do sector financeiro, adepto de boas , o pai tinha sempre uma sugestão de livro para me apresentar. Aliás, foi assim que a nossa amizade de verão começou. Do outro lado, o filho. Mais novo do que eu, ainda na casa dos 20 anos, parecia a versão melhorada do pai e até tinha uns olhos verdes de estrela de Hollywood. Já bem empregado, apesar da tenra idade, mostrava-se promissor. Também fisicamente mais atraente.   

A tragédia grega que vos relato começou a desenrolar-se no regresso à praia, em meados de abril. Conhecido de outros verões, o reencontro com o pai deu-se de forma animada no areal do costume. “Então, por cá novamente?!”. Beijinho. Beijinho. Foram feitos os resumos dos meses passados longe da praia e citados os livros lidos. O pai aproveitara o inverno para pôr a leitura dos clássicos russos em dia. Algo que eu tencionava fazer. Já eu passara o inverno a ler uma panóplia de autoras, de Annie Ernaux, a Han Kang, passando por Chimamanda Ngozi Adichie. Os primeiros dias de praia foram-se vivendo assim, trocando ideias e sugestões literárias. O pai com o seu acampamento composto por chapéu de sol, cadeira de praia, geleira e raquete, num canto da praia. Eu no meu próprio canto, de puf e toalha. Chapéu só na cabeça e geleira ocasional. Os encontros davam-se à beira-mar, para cinco dedos de conversa que, às vezes, passavam a dez, e uns mergulhos.  

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Seguiram-se maio e junho. Os dedos de conversa foram aumentando. Os beijinhos também. Em julho, os beijinhos do pai passaram a incluir um abraço, o que na praia pressupõe demasiado toque corporal. Fui revirando um olho e outro, mas nunca demonstrei real incómodo. Aliás, foi crescendo em mim uma familiaridade que me levava a ansiar pelos fins-de-semana. Há pessoas que se queixam da rotina. A mim ela dá-me um certo gás, pois sem ela nunca teria do que escapar. 

Ainda antes de entrarmos em agosto, conheci o filho. Foi num dia de Lua Cheia, a maré subiu, cobriu grande parte do areal e eu, que estava prestes a ir-me embora, fui convidada a mudar-me. “Vais-te embora? Anda para ali que ainda temos espaço”. Quando falou no plural achei que me incluía na frase. Na verdade, referia-se ao filho ou ao trio prestes a formar-se. Peguei na toalha e estendia-a ao lado do filho. Apresentações feitas. Beijinho. Beijinho. Não conversámos. Achei-o tímido. Peguei no livro que lia na altura, penso que era de , Travessuras da Menina Má, uma das aquisições da Feira do Livro meses antes, e li o resto da tarde. Não sabia ainda que daqui a semanas a menina má seria euÀ noite, já em casa, recebi um pedido de amizade do filho no Instagram. “Interessante”, pensei. Apesar de não termos trocados mais do que duas ou três palavras, começámos a trocar mensagens nas redes sociais.  

Aos 33 anos, está-se tão perto do começo da vida quanto do meio. É igual. Dez anos a menos, dez anos a mais. São só contas e números, somas e subtrações, com multiplicações e divisões porque todas as contas fazem parte da vida. Somam-se uns quantos namoros, subtraem-se os amores. Multiplicam-se as estórias e dividem-se os corpos. Apaixonamo-nos menos, mas amamos mais. Acumulamos as experiências e arriscamos as dores. Pelos vistos, também nos tornamos tão interessantes para homens de 60, quanto para putos de 30 anos, ou menos, neste caso, menos. É aqui que a tragédia se começa a abater. Não pela dúvida, mas pela dívida que acabamos por sentir que prestamos a cada metade de nós.  

No dia seguinte regressei à praia e coloquei a tolha sob a alçada do acampamento do pai, mas esperava pelo filho. Quando finalmente chegou, o entusiasmo foi mútuo. Conversámos durante quase duas horas na água. Os meus dedos estavam engelhados e o queixo batia-me. Passou tanto tempo que a maré subiu e sem darmos conta coube ao pai proteger os nossos pertences de serem levados pelo mar. Os dias de praia foram-se seguindo e fui-me revezando entre pai e filho. Ora conversava com um, ora conversava com outro. O pai mais galanteador, arriscava conversar comigo sobre relações antigas e até falava livremente sobre sexo. Eu sabia que tinha sido casado por diversas vezes, três, salvo erro, e que todos os verões somava namoradas que não duravam até ao outono. Gostava da atenção que me dava, confesso, mas não me imaginava a ter um relacionamento com alguém assim. “Eu ainda quero casar e ter filhos. Tu já não estás para isso. Ficamos assim, que estamos melhor”, dizia-lhe eu e ele concordava, só para me dizer: “Sei lá, sei lá se o cupido não me atraiçoa e acabo casado outra vez”. E eu dava por mim a pensar se estaria a ser demasiado cautelosa ao não arriscar. Afinal, uma aventura nunca fez mal a ninguém – a quantidade de mentiras que contamos a nós próprios…   

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Do outro lado, o filho, era o oposto. Contou-me algumas façanhas engraçadas, mas era um rapaz dado a relacionamentos sérios e profundos – talvez para se afastar da instabilidade emocional do pai. Queixava-se de que as miúdas da sua geração eram demasiado fúteis, viviam para o Instagram e para o TikTok e de que tudo era planeado de forma a poder gerar conteúdo. Parecia dar-se melhor com mulheres mais velhas, mas eu não gostava do título de mulher mais velha, porque do meu ponto de vista, o mais novo era ele. A nossa atração mútua durou várias semanas e terminou no dia em que me pregou dois sustos. O primeiro quando me agarrou a mão durante a sesta. Eu, tomada pela surpresa de um toque inesperado enquanto dormia, dei um salto e levei a mão ao peito. “Caraças, que me matavas do coração”, exclamei. Minutos depois, matou-nos de todo, quando me disse “Sei que o que vou dizer é polémico, mas gosto dos livros do Gustavo Santos”. Pobre filho, viu a minha afeição por si esmorecer tão rapidamente quanto se me tivesse dito que votava no Chega.  

Por esta altura, já pai e filho andavam meio às turras. Trocavam bocas e suspiros. Faziam comentários à parte e agiam como dois galos à solta numa capoeira. O pai, quando percebeu o interesse efetivo do filho por mim, acabou por afastar-se gradualmente. Achei nobre ao início, mas deixei de ter direito a beijinho e passou a receber-me com um “Ah, estás aqui”, ao qual faltava um revirar de olhos. Amuei. O filho, percebendo que perdera hipóteses, afastou-se também. Deixou de me pregar sustos e foi alargando a distância entre as nossas toalhas. Em sua defesa, eu afastei-me emocionalmente primeiro, mas depois senti-lhe a falta. Setembro terminou. Da última vez que fui à praia, o pai ficou no seu canto, o filho no dele e eu no meu. Parecia um fim de festa às seis da manhã, quando todos se divertiram imenso, mas já ninguém se suporta. Talvez no próximo verão já ninguém se lembre de nada disto e possamos voltar a montar um acampamento amigável, sem desejos inconscientes para explorar. Ou talvez exista um tio ou um primo que me possam apresentar, sei láA vida é um bocado como as ressacas, depois de uns dias já nem nos lembramos que jurámos nunca mais beber. Só sei que nunca me dou por vencida e que mesmo a tomar banhos gelados, ninguém me tira da praia.

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