Com uma pitada de samba

A propósito do lançamento de D.O.M. Rediscovering Brazilian Ingredients (Phaidon), a Máxima conversou com Alex Atala, o bad boy da cozinha brasileira e proprietário do quarto melhor restaurante do mundo e o melhor da América do Sul. 

Com uma pitada de samba
27 de dezembro de 2013 às 08:00 Máxima

Tem o corpo tatuado, foi membro de uma banda punk rock e DJ, mas foi entre os pratos da cozinha – e não entre os da mesa de mistura – que Alex Atala atingiu a fama mundial. Num país que ama tanto o importado, Atala destacou-se e descobriu o seu nicho ao apostar em ingredientes autóctones da região do Amazonas – de formigas a coração de palmeira – cozinhados recorrendo à ajuda da ciência e das técnicas mais sofisticadas. Esta é precisamente a ideologia de D.O.M., o primeiro espaço que Atala abriu em São Paulo, em 1999, onde todos comem e choram por mais. Com um menu em 90% constituído por matérias-primas locais, o restaurante ocupa hoje a quarta posição na lista San Pellegrino 50 Best Restaurant Awards.

 

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Publicado pela respeitada editora britânica Phaidon, D.O.M. Rediscovering Brazilian Ingredients inclui receitas assinadas por Atala, acompanhadas por poderosas imagens. O prefácio de Alain Ducasse, o Chef mestre dos mestres, é a cereja no topo deste livro pronto a devorar.

 

- Estudou as técnicas clássicas de culinária em França e Itália. De que forma conseguiu conciliar estas “escolas” com os ingredientes brasileiros?

Na minha cidade natal os pratos mais familiares são o feijão com arroz, considerados demasiado humildes para servir num restaurante de topo. Por outro lado, quando regressei da Europa, em 1994, apercebi-me de que não teria capacidade de dedicar-me à alta cozinha francesa ou italiana. E foi isso que me fez querer olhar melhor para o meu património gastronómico. Descobri que muitos dos ingredientes que se podem comprar no mercado em Belém do Pará, uma cidade no delta do Amazonas, são desconhecidos da maioria dos brasileiros. Foi óbvio que o meu primeiro passo teria de passar por uma educação subtil dos consumidores brasileiros no sentido de aproximá-los dos produtos indígenas. Para isso, peguei nesses ingredientes que não são tão conhecidos no circuito comercial dos restaurantes e trabalhei-os usando técnicas da culinária clássica. Foi assim que nasceram pratos como fettuccine de coração de palmeira. Comecei também a trabalhar com mandioca e piracucu, um peixe gigante do Amazonas que pode pesar até 300 quilos.

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- O que é para si mais inspirador na gastronomia brasileira?

 

A evolução da oferta gastronómica no Brasil tem crescido a um ritmo muito acelerado. São Paulo é mesmo uma cidade que se deve ter debaixo de olho. É uma gastronomia muito diferente da europeia, pois existem ingredientes que estão apenas disponíveis no nosso país.

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- Quais foram os ingredientes mais inesperados com que já trabalhou?

 

Visito tribos muito regularmente. Uma das minhas descobertas favoritas é uma aromática raiz amazónica chamada priprioca. Os nativos usam-na como perfume e não para comer. Com a ajuda de um perfumista consegui extrair a sua essência e desenvolvi um extrato que pode ser usado em pratos doces ou salgados. É um cheiro semelhante ao da marijuana, mas sem os efeitos secundários [risos]. Depois de desenvolver esta técnica, fui convidado para escrever um artigo para a publicação científica Gastronomy and Food Science.

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- É fácil descobrir estas matérias-primas?

 

Porque trabalho com biólogos e antropólogos, já descobri três novas espécies de formigas e ervas selvagens comestíveis. Todos os anos descobrimos um novo ingrediente que adicionamos ao nosso menu de degustação.

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- Em que outras situações a ciência é uma boa ajuda na cozinha?

 

Quando trabalhamos ingredientes como insetos ou formigas. As pessoas comem-nos sem saberem o que são.

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- Então acredita que a comida pode melhorar com a ajuda da ciência?

 

Sim, especialmente quando falamos de maionese, béarnaise e molhos no geral. Nos próximos cinco anos, a ciência vai fazer-nos reavaliar a nossa relação com a comida e como a consumimos.

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- A longo prazo, qual a sua estratégia para gerar um maior reconhecimento em torno da comida indígena brasileira?

 

No que toca ao Brasil, o meu objetivo é encorajar a produção sustentável de métodos de cultivo de novos produtos e, ao mesmo tempo, proteger a floresta e a vulnerabilidade das tribos indígenas.

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- Além dos ingredientes já referidos, que outras características aponta como sendo exclusivas da gastronomia do Brasil?

 

O samba!

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- O que o inspira para criar menus tão inovadores e que recebem atenção internacional?

 

Inspiro-me regularmente em Heitor Villa-Lobos, um compositor considerado por muitos como a figura criativa mais importante do século XX da arte brasileira.

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- Já que fala de música, foi membro de uma banda punk e, mais tarde, DJ. Hoje em dia, há semelhanças entre ser uma estrela rock e um Chef?

 

Foi um período fantástico durante a minha adolescência. Nessa altura, gostava apenas de música e nada mais. Não há semelhanças entre ser um Chef e uma estrela rock, mas há entre um Chef e um músico. Tem de existir um equilíbrio entre o que você quer e o que o público quer e tenho de saber criar o ambiente certo para a minha audiência.

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- O que o fez interessar-se por culinária no início?

 

A ligação entre a natureza e a cultura e a mão do homem. Estranhamente, acabei por dedicar-me à cozinha por causa da música. Tornei-me Chef para conseguir subsistir e continuar com a música.

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- Uma vez que se tornou uma celebridade no mundo da gastronomia, como lida com a pressão?

 

Na cozinha, adoro a pressão porque ajuda-me a ser rápido e perfeito.

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- Apesar do seu sucesso, passou por momentos difíceis?

 

Os primeiros tempos foram o maior desafio. Começar um novo negócio nunca é fácil e era muito grande a resistência do púbico e dos media em acreditar no estilo D.O.M., em que casei ingredientes brasileiros que muitos brasileiros não conheciam e técnicas europeias. A aceitação acabou por chegar, especialmente quando, pela primeira vez em 2006, o D.O.M. entrou para a lista dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo.

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- Mais recentemente abriu também, em São Paulo, Dalva e Dito. Foi mais fácil? De que forma este restaurante é diferente do D.O.M.?

 

Não foi fácil, mas foi mais fácil do que abrir o D.O.M. Dalva e Dito é uma brasserie focada em comida com tradição e em pratos de todos os dias, como feijão com arroz.

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- Qual é a parte que mais gosta da sua profissão?

 

Como já referi, dentro da cozinha tenho de ser rápido e perfeito. Fora da cozinha, experienciar o mundo através da minha profissão é excitante e já alterou o rumo da minha vida em diferentes e maravilhosas direções.

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NA COZINHA DE ATALA

 

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O que tem um dos Chefs mais conceituados do mundo no frigorífico? A Máxima foi meter a colher.

 

- Qual é o seu ingrediente favorito?

 

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Sal.

 

- Como é o seu pequeno-almoço?

 

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Café com leite e pão com manteiga. Gosto do contraste de sabores e texturas.

 

- Qual é o seu pecado culinário?

 

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Sanduiche de mortadela num mercado local.

 

- Qual a tendência gourmet do momento?

 

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A tapioca está a renascer em vários pontos do mundo.

 

- Qual o seu utensílio favorito?

 

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Facas. São o prolongamento das mãos do Chef.

 

- O que podemos encontrar no seu frigorífico?

 

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Citrinos, peixe, ervas, vegetais e pimenta.

 

- Quem gostaria de convidar para um jantar?

 

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O francês Jean Anthelme Brillat-Savarin (1755-1826), autor de Physiologie du Goût (1825), algo que teve um grande efeito em mim.

 

- Qual a música ideal para cozinhar?

 

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Não oiço música quando cozinho.

 

- Qual a cidade foodie favorita?

 

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San Sebastian, em Espanha. Tem Chefs lendários e uma diversidade enorme de produtos locais.

 

- Qual o Chef que mais admira?

 

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São tantos... Heston Blumenthal, Ferran Adrià e Andoni Aduriz. No entanto, Escoffier e Fernand Point foram os que mais me inspiraram.

 

- Se pudesse comer apenas uma coisa todo o dia, o que seria?

 

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Vivo para peixe-galo.

 

DUETOS IMPREVISTOS

 

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Têm uma admiração recíproca e criaram um menu conjunto no restaurante Dalva e Dito, no âmbito de Portugal dos Sabores, uma iniciativa do Ano de Portugal no Brasil, em abril deste ano. A aceitação foi tanta que, na noite da parceria entre Atala e José Avillez, foi necessário aumentar os lugares previstos de 60 para 80. “Atala é, sem dúvida, um dos grandes Chefs brasileiros e é um embaixador importantíssimo da cozinha brasileira. Tenho a maior admiração pela sua criatividade, pela sua técnica e pela forma como explora os ingredientes brasileiros”, disse à Máxima José Avillez. “Sempre que nos encontramos, aprendo muitíssimo.”

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