Há uns dias falava com uma amiga sobre a necessidade de haver aulas de empatia. Na altura, pensava eu, que nas aulas de cidadania os alunos eram convidados a debater conceitos como transgénero, mudança de género e, claro, as tantas camadas relacionadas com a nossa sexualidade. A mudança não seria imediata, mas passado algum tempo iríamos ver na sociedade mais aceitação e respeito pelo outro e, sobretudo, pelas suas escolhas. Repitam comigo: respeitar a homossexualidade não é ser-se homossexual. A expressão "calçar os sapatos do outro" seria efetiva, e não uma mera expressão idiomática. Como enuncia muito bem a sexóloga Vânia Beliz no seu Instagram, "a educação para a sexualidade é um direito e não uma escolha política". Inúmeras personalidades insurgiram-se contra esta medida do governo AD, que se propõe tirar a Educação Sexual e Identidade de Género das aulas de cidadania.
Catarina Martins, por exemplo, salientou na rede social X (Twitter): "Está estudado o papel fundamental da educação sexual na prevenção do abuso e da violência de género. Estão estudados os terríveis efeitos do isolamento de jovens LGBTQI+. Este governo é um perigo. Para as crianças, para as mulheres, para toda a gente."
Enquanto em Inglaterra as escolas querem promover aulas para falar de misoginia, cultura incel e mitos sobre mulheres, nós, por cá, vamos afunilar os nossos currículos contribuindo para a desinformação e até para criarmos situações de perigo. É importante frisar que nem todos os jovens falam com os pais sobre sexualidade em suas casas. Se este espaço de diálogo falhar, estamos a abrir uma ferida social onde as doenças sexualmente transmissíveis, a gravidez na adolescência, a violência no namoro e a homofobia aparecem como um cocktail que brinda às trevas e ao retrocesso.
Os conteúdos sobre sexualidade evaporam-se da disciplina de cidadania, mas o governo não legisla sobre os vídeos brutais a que os nossos filhos têm acesso na internet. Poderão dizer-me: "Ah, mas cabe-te a ti esse papel de vigiar os teus filhos." Claro que sim, mas nenhum pai anda atrás dos filhos 24 horas por dia, principalmente se trabalhar fora de casa, como a maioria dos encarregados de educação portugueses.
No seu Instagram pessoal, o escritor Nelson Nunes lembra que passou parte da sua adolescência "a fazer pouco de um rapaz efeminado". Porque nas aulas de ciência, além do aparelho reprodutor, não se é ensinado a respeitar a diferença. Como ele diz "não tive quem me explicasse que a sexualidade está carregadinha de nuances". Através do texto de Nelson Nunes revivi a minha própria adolescência, onde ser diferente tinha uma carga negativa tão grande que ainda hoje tenho sequelas desse tempo. Em declarações ao jornal Público, o presidente da Direção Associação Nacional de Dirigentes Escolares, Manuel Pereira, disse que "afastar a sexualidade da disciplina de Cidadania é ceder a ideologias de extrema direita".
Será que queremos que as nossas filhas e filhos cresçam num mundo boçal que não privilegia as escolhas de cada um?
Infelizmente, só quando sentirmos na pele, ou na pele dos nossos, a repercussão que estas medidas obscuras terão nas nossas vidas é que pensaremos com mais sensatez na sociedade que estamos a criar. Só que o futuro é agora. Já agora, sem empatia não há humanidade que resista. Que tal umas aulas de literacia financeira?