Betty Grafstein e José Castelo Branco na feira das vaidades

Uma crónica quinzenal na qual a jornalista diz coisas sobre o mundo e os que nele habitam que não pode dizer num artigo a sério – se quiser manter o trabalho.

Foto: Getty Images
23 de agosto de 2024 às 16:58 Madalena Haderer

Um Governo que queira resolver os problemas que assolam a nossa sociedade só pode fazer uma coisa: contratar uma cabeleireira como consultora. Alguém conhece uma cabeleireira que não seja capaz de resolver os problemas financeiros, laborais, familiares e amorosos das suas clientes? Claro que não. E a prova chegou na semana passada, através da famosa revista norte-americana Vanity Fair. Alice Hines, a jornalista, decidiu escrever uma reportagem sobre a relação de Betty Grafstein e José Castelo Branco e, ao chegar à fala com a cabeleireira do casal, recebeu, em duas ou três frases – num raro exercício de economia verbal –, não só a história do casamento, como a solução para os idosos que vivem indignamente em lares sem condições. 

A cabeleireira explicou à jornalista que isto da gritaria e dos abanões para a velhota se apresentar nos trinques para o tchuf tchuf das objectivas já durava há vários anos.  "Mas", concluiu, "quem sou eu para julgar?" E acrescentou: "Ao menos ela diverte-se. A maior parte das pessoas com a idade dela está num lar à espera de morrer."

PUB

E é isto. Quem já pôs a mãe num lar em vez de lhe arranjar um marido 30 anos mais novo com sede de fama que se atire para o chão, como acto de contrição, e peça para ser espezinhado por uma manada de gnus – assumindo que os pobres e inocentes herbívoros estão dispostos a sujar as patas. Alice Pires, a cabeleireira, vê o casamento de Betty com Castelo Branco como uma espécie de terapia ocupacional onde não falta diversão. E é capaz de ter razão. 

Na reportagem, a jornalista recorda o dia em que, depois da primeira conversa com o casal, no seu apartamento na 62ª avenida, José olha para o relógio e começa a esbracejar qual sinaleiro de aeroporto com os copos. Pouco depois, Alice – a escriba, não a peruqueira – dá por si a empurrar Betty de cadeira de rodas, avenida acima, pelo meio do trânsito, rumo a uma consulta de medicina estética, com Castelo Branco ao seu lado, a correr de saltos altos e a gritar profanidades aos taxistas que passavam de raspão. Se assistir a isto repimpada numa cadeira não é divertido, não sei o que será.

E, no entanto, as más línguas sempre disseram que José Castelo Branco estava com Betty pela fortuna, mas não é verdade. Ou se começou por ser verdade, depressa deixou de ser. Afinal, não há-de ter demorado muito tempo a perceber o que Roger Basile, o filho de Betty, confessou à jornalista, não sem uma certa dose de satisfação: que a mãe não só não tem um tostão, como vive à conta da Segurança Social e que tudo o que tem são as roupas e as joias de uma senhora que, em tempos, viveu uma vida abastada. Só não esclarece se essa senhora é a própria mãe ou outra que não teve cuidado com o sítio onde pousou a mala de viagem.

PUB

Ao perceber que a velha não tinha cheta, e vendo que mais ninguém sabia, José Castelo Branco terá decidido criar uma ilusão estilo Goodbye Lenine, só que em vez de convencer a velha que o grande sonho comunista continuava vivo, convenceu-a que o grande sonho capitalista era real. E real no sentido de realeza, já que lhe enfiou na cabeça que, para além de herdeira de uma fortuna em diamantes, ela era neta adoptiva de uma dama de companhia da Rainha Maria e que, em cima disso, tinha recebido o título de Dama do Império Britânico – a jornalista pediu para ver as fotografias da investidura, mas, lamentavelmente, estavam sempre no outro casaco.

Por conta deste estratagema, Castelo Branco foi recebendo convites para festas onde havia croquetes – sempre é algum dinheiro que se poupa –, e Betty tinha com que se entreter. Em vez de passar os dias a jogar damas e a ver o programa da Cristina, era ela própria uma dama que ia ao programa da Cristina. O que, parecendo que não, sempre é mais divertido do que ir à farmácia e descobrir que não se tem dinheiro suficiente para o medicamento da tensão – coisa que ela provavelmente também não tem.

Tudo muito bonito, não fossem as acusações de violência doméstica, que deixaram os amigos e fãs do casal estarrecidos. Quase tão estarrecidos quanto terão ficado ao descobrir, logo na abertura da reportagem, que Castelo Branco, ao ver-se separado das roupas e joias, na sequência do escândalo, passou duas semanas com as mesmas leggings Balmain vestidas. O mínimo que uma pessoa espera é que, nos entremeios, ele tenha passado um bocadinho de água e sabão. Nos entremeios e nos entrefolhos.

PUB

A autora escreve segundo as regras do Antigo Acordo.

leia também

Tupperware: a festa chegou ao fim

Uma crónica quinzenal na qual a jornalista diz coisas sobre o mundo e os que nele habitam que não pode dizer num artigo a sério – se quiser manter o trabalho.

Tornar a América pontual outra vez

Uma crónica quinzenal na qual a jornalista diz coisas sobre o mundo e os que nele habitam, que não pode dizer num artigo a sério – se quiser manter o trabalho.

A maldição do escorpião da Shein

Uma crónica quinzenal na qual a jornalista diz coisas sobre o mundo e os que nele habitam que não pode dizer num artigo a sério – se quiser manter o trabalho.

PUB
PUB