'O meu leite deve ser fraco' e mais 4 mitos sobre amamentação
No seu novo livro, “Quero Amamentar com Confiança e Conforto”, Andrea Guerreiro, doula e consultora de lactação IBCLC, esclarece verdades sobre o processo de amamentar.
A amamentação não vai sair ilesa do novo pacote de alterações que o Governo pretende aplicar à legislação laboral, mas isso não é, necessariamente, uma coisa má – pelo menos, até certo ponto. O pacote chama-se Trabalho XXI, é um anteprojeto de Lei que visa reformar a Lei do Trabalho, e conta com mais de 100 artigos em revisão, incluindo normas sobre licença parental, adoção e dispensa para amamentação ou aleitação. Uma das alterações em ponderação diz respeito ao atestado de amamentação, estando em cima da mesa a possibilidade de que este passe a ser exigido assim que a mulher regresse ao trabalho, por oposição a apenas no fim dos primeiros 12 meses de amamentação.
De acordo com os artigos 47.º e 48.º do Código do Trabalho, neste momento, a mãe tem direito à dispensa diária de duas horas, gozada em dois períodos distintos, para amamentar, sem limite de idade do bebé, enquanto durar a amamentação. Em caso de gémeos, há acréscimo de 30 minutos por criança extra. Após os primeiros 12 meses, é necessário apresentar, à entidade empregadora, um atestado médico que comprove que a mãe continua a amamentar, com antecedência mínima de 10 dias.
Ou seja, a mãe pode começar a amamentar assim que o bebé nasce e goza as dispensas até completar um ano sem necessidade de apresentar qualquer atestado médico. Após esse período, se continuar a amamentar, deve apresentar um atestado médico 10 dias antes de completar os 12 meses, sem um prazo legal fixado para renovação. E este é um dos problemas da legislação atual porque, não havendo prazo estabelecido para renovação, o empregador pode pedir novos atestados as vezes que quiser, transformando a exigência num obstáculo a que a mãe continue a amamentar, uma vez que poderá ser obrigada a estar, constantemente, a marcar consultas para obter novo atestado – o que pode criar um ambiente de instabilidade e conflito laboral, levando a mulher a abdicar do seu direito.
Esta é, precisamente, uma das questões que as alterações em discussão pretendem clarificar, uma vez que o artigo 48.º do novo anteprojeto estabelece o seguinte: “1 - Para efeito de dispensa para amamentação, a trabalhadora comunica ao empregador, com a antecedência de 10 dias relativamente ao início do período de dispensa, que amamenta o filho, devendo apresentar atestado médico que o comprove. 2 - Para efeitos de prova de que se encontra em situação de amamentação, a trabalhadora deve apresentar ao empregador novo atestado médico de 6 em 6 meses.”
Se, por um lado, a entrega imediata do atestado médico ao regressar ao trabalho pode pôr pressão sobre mães que planeiam continuar a amamentar de forma natural e informal, sem consulta médica imediata, constituindo uma fonte de stress adicional. Por outro, em princípio, oferece clarificação legal e uma proteção reforçada para as mães, eliminando a possibilidade de exigências recorrentes e sem fundamento de novos atestados por parte da entidade patronal.
Menos animador é o facto de haver a possibilidade de retrocesso no que toca à duração do direito à dispensa do trabalho para amamentação. Isto porque, atualmente, o artigo 47.º não prevê qualquer duração legal para este direito, dizendo apenas que “a mãe que amamenta o filho tem direito a dispensa de trabalho para o efeito, durante o tempo que durar a amamentação”. Porém, na versão reformulada deste artigo, conforme estabelecido no anteprojeto Trabalho XXI, “a mãe que amamenta o filho tem direito a dispensa de trabalho para o efeito até a criança perfazer dois anos”.
Uma intenção de alteração que vem ao arrepio das recomendações da Organização Mundial de Saúde, de acordo com as quais “a partir dos seis meses de idade, as crianças devem começar a consumir alimentos complementares seguros e adequados, mantendo simultaneamente a amamentação até aos dois anos de idade ou mais.”
Ou seja, esta recomendação de que a amamentação pode e deve prolongar-se para lá dos dois anos fica inviabilizada se a proposta que está em cima da mesa seguir em frente.