“O primeiro propósito da Assembleia da Graça “Parar o Hotel” no Quartel é impedir a construção de um hotel de cinco estrelas que só vai intensificar a atividade turística no bairro”, refere um dos elementos, Marco Seabra. Há cinco anos que se sabe que há um projeto para transformar o antigo quartel da Graça num hotel de luxo, previsto terminar em 2023. O Turismo de Portugal fez a concessão ao grupo SANA Hotels, e a Câmara Municipal de Lisboa deu o licenciamento, mas as obras não começaram. Agora, um movimento de pessoas, na maioria moradores e vizinhos do bairro, pede “a revogação da concessão” do quartel, que diz ser “legalmente possível” visto o prazo concedido para o início das obras ter sido ultrapassado, e “a conversão do edifício em bem comum” gerido pela comunidade.
A Assembleia, que hoje é autónoma, começou por ser “uma proposta” da Stop Despejos. O coletivo pelo direito à habitação e à cidade tinha feito uma campanha “vitoriosa” à volta do projeto de requalificação da Praça do Martim Moniz, que supunha a construção de estabelecimentos comerciais em contentores, contribuindo para que não avançasse. “Pensou-se por que não fazer o mesmo aqui e reivindicar o direito à cidade e ao edifício que é monumento nacional há cento e quinze anos?” Diz que “não há necessidade de mais um hotel numa zona em que a turistificação se faz sentir massivamente, o que descarateriza o bairro” e afasta as comunidades.
Para resgatar a Graça para os cidadãos, a Assembleia pede que o edifício sirva a comunidade. “O espaço é enorme pelo que os usos também podem ser múltiplos”, nota Marco Seabra, dando conta que está a circular um inquérito para recolher a opinião das pessoas para o futuro quartel.
A um protesto simbólico junto ao imóvel em dezembro, seguiram-se outras ações. Entre elas um encontro para conversar sobre "bem comum", que contou com a presença de uma “militante” do espaço comunitário L’ Asilo, em Nápoles. “É a experiência de um outro movimento que pode ajudar, dando algumas ideias do que fazer, porque passou por processos semelhantes.”
Movimento contra o abate dos jacarandás origina a maior petição da história da cidade
Com mais de 50 mil assinantes, a petição ‘"Não ao abate dos jacarandás na Av. 5 de Outubro" é considerada a maior da história de Lisboa. É uma resposta à decisão municipal de abater e transladar 47 jacarandás no alinhamento central da 5 de Outubro, entre as avenidas Álvares Pais e Forças Armadas, no âmbito da construção de um parque de estacionamento subterrâneo de 400 lugares em Entrecampos. A iniciativa partiu de um grupo de cidadãos, moradores da zona e amigos, “que começou com uma carta aberta aos decisores políticos a exigir explicações”, conta Pedro Franco, um dos elementos e o primeiro peticionário. As explicações tardaram e o transplante de alguns jacarandás ainda começou reacendendo a indignação geral, mas os trabalhos foram suspensos.
A sessão púbica de esclarecimento só aconteceria a 2 de abril, reunindo a Câmara de Lisboa, a Fidelidade Property que gere o projeto, e 400 peticionários. E um dia depois, em comunicado, o município recuava, decidindo autorizar “apenas três” jacarandás em vez de 20 e pedir a reavaliação de 25.
Pedro Franco aponta “a lentidão” com que o município “reagiu na resposta ao cidadãos”: cinco dias de ter sido lançada a petição. Neste intervalo, “deu uma conferência de imprensa, pôs cartazes promocionais na rua”, e o presidente falou à comunicação social. “Estranhámos logo a desconexão entre o discurso que era feito para fora e a origem desta polémica que foi um grupo de cidadãos a pedir esclarecimento.”
A sessão durou setes horas. “Mal foi referida a questão das árvores tendo de ser os cidadãos a retomá-la”, e a câmara manteve-se “inflexível” quanto à sua remoção para construção do projeto. Também não responderam a muitas perguntas que classificaram de “muito técnicas”, quando insistiam que “estavam ali para fazer esclarecimentos técnicos”.
Para Pedro Franco, o comunicado é uma estratégia para “sobressair” nos media, que “transmite uma tremenda confusão da câmara por não saber o que está a motivar estas ações”.
À volta destas datas, o movimento fez várias ações, sendo uma das mais simbólicas um encontro de vizinhos “para viver o espaço” e criar “comunidade à sombra dos jacarandás”. “Alguns chamaram-lhe manifestação, mas foi uma simples reunião no espaço público para mostrar que a rua é de todos e que estas árvores fazem a diferença”. Outra poderá organizar-se brevemente.
Face à falta de notícias sobre a providência cautelar interposta pelo partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), o movimento vai “tentar envolver alguma Organização Não Governamental (ONG) a ver se consegue requerer outra ação judicial”.
Pedro Franco esclarece que a causa não é de um grupo restrito, mas de pessoas “de muitos backgrounds, muitas orientações politicas e ideológicas que têm esta preocupação comum”.
Salvar o “último pulmão verde” da Linha de Cascais
Também não é recente o projeto de um megaempreendimento previsto para a Quinta dos Ingleses, que ameaça destruir os 52 hectares de área arborizada considerados o último pulmão verde da Linha de Cascais. O rosto da luta contra a politica de construção intensiva que vem transformando a paisagem do concelho de Cascais é a Associação Ambiental SOS Quinta dos Ingleses. A Organização Não Governamental de Ambiente (ONGA), que em 2018 começou por ser um movimento de cidadãos, diz que este tipo de desenvolvimento prejudica a biodiversidade local e compromete a qualidade de vida dos cidadãos.
Um dos elementos, Pedro Jordão explica que o projeto comporta a construção de “850 apartamentos, dois hotéis, e zonas comerciais com um enorme centro comercial e muitas lojas”, afetando também o comércio em Carcavelos e Parede, que é “de rua”.
O que está em causa “é a destruição de uma área verde essencial para dar lugar a uma construção que, pela altura e dimensões, colocará em risco a própria praia”. Causa um efeito barreira – que impede a penetração das brisas marinhas para o interior “e, consequentemente, o arrefecimento do interior da freguesia” – e aos ventos que “são importantes para o surf e para os depósitos de areia na praia”. O processo, aliás, já começou: “a Bafureira tem perdido areia e tem havido derrocadas consecutivas a partir do momento em que fizeram o parque de estacionamento”, refere o advogado e ambientalista.
Conta que há mais de um ano foi lançada um petição pública em defesa da mata da Quinta dos Ingleses que “já devia ter sido discutida em plenário na Assembleia da Républica”. Anteriormente houve uma petição que foi aprovada em 2021, “em que o Governo recomendava que, em conjugação com a câmara de Cascais, fosse criada naquela zona uma área protegida de âmbito local, que o município praticamente ignorou”.
A ONGA avançou com uma ação judicial que tem julgamento marcado para setembro, e uma providência cautelar para tentar impedir a construção. Entretanto, vai continuar com manifestações e outras ações que visam “transmitir a importância da preservação da área da Quinta dos Ingleses”.
Movimentos de cidadania ativa por causas sociais e ambientais
Em Portugal e no mundo, os movimentos de cidadania ativa são um fenómeno em crescendo para as causas sociais e ambientais, muitas vezes bem-sucedidos. A prová-lo está uma recente deliberação do Tribunal Administrativo de Toulouse que cancelou as obras de construção de uma autoestrada entre aquela cidade e Castres por razões ambientais. Há anos que moradores locais e ambientalistas lutavam contra o projeto.
“Algumas das questões” trazidas por estes movimentos “têm sido trabalhadas a nível da juventude”, sendo que podem “estender-se a outros grupos etários”, começa por dizer o sociólogo Ricardo Campos, investigador do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa.
Esclarece que são movimentos “fortemente urbanos” nas causas, “da habitação e do espaço público”, estando igualmente associados a “uma nova vivência da cidade e perceção dos direitos” de a viver. Sobretudo em cidades com excesso de turismo e turistificação, com o “espaço mais privatizado”, onde a “qualidade e o seu usofruto tem decrescido, e a habitação é cada vez mais um privilégio”. Por outro lado, “estamos a assistir a um certo descrédito” da classe política e da capacidade dos políticos resolverem alguns problemas, sendo “parte dele canalizado” para estas formas de manifestação.
À margem dos partidos políticos, cada vez mais pessoas percebem que “podem e devem estimular a participação cívica e influenciar a agenda política, e que isso tem impacto em alguns casos”. Fala no espoletar de uma nova consciência social e ambiental e de um certo empoderamento dos cidadãos.
Outra “dimensão” relevante é a “importância que os meios digitais” podem ter para mobilizar pessoas para ações e movimentos, nota, recordando a Primavera Árabe como o “momento histórico em que as pessoas” se dão conta da utilidade dessas “ferramentas”. “Foi o despertar para uma nova forma de intervenção no espaço público. A participação política no sentido lato da ação cívica dos cidadãos passou a fazer-se recorrendo também a estes dispositivos.” Basta um ‘post’ para trazer pessoas para a causa. Neste sentido, nota que os partidos deixam de ter o poder que tinham, em matéria de mobilização de massas, porque “as pessoas perceberam que não precisam deles para agir”.
Ricardo Campos refere uma vez mais a forte participação cidadã dos jovens, para lembrar que, de alguma forma, são o grupo mais atingido por um conjunto de problemas à volta das questões da habitação e do clima.
Finalmente, “observa-se que estes novos movimentos são relativamente efémeros”, extinguem-se depois de resolvido o problema, sendo que os seus elementos tendem a envolver-se em novas causas.