A nova coleção Benetton é para trincar como fruta fresca

Acabado de chegar à Benetton, o novo diretor criativo Andrea Incontri partiu da arquitetura da loja de bandeira da marca, na Corso Buenos Aires, em Milão, para lançar a sua primeira coleção, para a primavera-verão de 2023. O resultado é fresco, colorido, apetitoso. A Máxima conversou com ele depois do desfile.

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28 de setembro de 2022 às 12:45 Patrícia Barnabé

Era uma azáfama à porta da loja Benetton logo pela manhã, convidados e jornalistas atarefados, influencers em pose, uma energia extra que é evidente e se espalha por uma das grandes avenidas da capital italiana da moda em plena temporada de desfiles para a primavera do próximo ano. A chuva da noite anterior desapareceu e as montras da loja de bandeira da marca destaparam-se para se abrir à luz e aos olhares curiosos de quem passa na rua. A icónica Benetton sempre gostou de chamar todos para a sua festa global de cor e alegria contagiantes.

Foto: United Colors of Benetton
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E foi esse o espírito do desfile, o primeiro de Andrea Incontri, inaugurado pela top model Rianne von Rompaey, que foi o rosto da mais recente campanha da marca, para outono-inverno de 2022, dirigida artisticamente pelo próprio Incontri, com o styling do dinamarquês Jakob K e a fotografia de Giampaolo Sgura. A manequim holandesa foi a primeira a descer as escadas rolantes da loja num vestido e calças em malha vermelha mesclada. A ela seguiu-se uma sequência de looks que chamam o sol e o conforto, primeiro em tons palpitantes de rosa e vermelho, que depressa se transformaram em verde bandeira, azul céu, amarelo e muitas, muitas malhas, algumas com desenhos de frutas, das cerejas à pêras. As atenções viraram-se todas para os cardigans, os vestidos e os calções tricotadas que vamos querer agarrar na próxima estação.

Foto: Giampaolo Sgura

Logo depois, a Máxima encontra Andrea Incontri no primeiro andar da loja, no meio dos charriots, tão discreto que nem parecia ser a estrela do dia, e de ter acabado de estrear a sua visão da grande marca italiana que sempre chegou aos quatro cantos do mundo. Ele que veio de casas de luxo como a Tod's, a Missoni, a Max Mara ou a Jil Sander, não podia conhecer melhor, e por dentro, o rigor e a emoção que emana do design italiano. Visivelmente cansado, mas muito disponível e sorridente, Incontri é um exemplo do que a moda deveria ser mais e mais e mais: simples e humanista.

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Foto: United Colors of Benetton

Que coleção tão fresca! Pensámos: bom, ele vem da Arquitetura, se calhar vai ser uma coisa séria e vai silenciar um pouco as cores da Benetton, mas não, pelo contrário, foi uma alegria. Conte-nos como chegou até aqui?

Sim! Tenho tantas coisas para partilhar consigo!... Eu sou arquiteto e o meu conhecimento foi super importante para criar este projeto que começou pela loja, pela sua arquitectura, esta é a "a casa do cliente". Quando tens uma boa relação com o teu cliente, quando ele se sente inspirado dentro da tua loja, ele vai querer voltar outras vezes. Esta foi a minha primeira missão. Talvez na próxima coleção vá à semana de moda de Londres ou à semana de moda de Nova Iorque, não sei, mas será com a mesma ideia: abrir a loja para a rua. Eu gosto que as pessoas vão a passar na rua e possam ver o desfile que está a acontecer cá dentro - não se trata de exclusividade, mas de uma boa relação com a sociedade. Eu acredito muito, pessoalmente, mas profissionalmente também, no humanismo, que as pessoas possam partilhar coisas comuns de alguma forma especial. Acho mesmo que a felicidade é a primeira ferramenta da sustentabilidade. As pessoas sentirem-se bem, com boa disposição, a viver a vida! Há tantas coisas más a acontecer pelo mundo fora neste momento, que quis trabalhar para conseguir pôr um sorriso numa cara triste. Podem parecer estranhas estas minhas palavras, mas eu acho isto tão, mas tão importante. E é a experiência que vives, a relação que estabeleces com o produto, a que permanece. Por isso, a seguir eu peguei no produto e comecei a desenhá-lo. Para mim o produto é como um quadro, sabe? Para muitos designers, o produto é uma coisa puramente comercial, e é bom quando há bons números de produção e há boas respostas das vendas, isso é bom, claro, e é a minha missão também, mas talvez pelo meu conhecimento em Arquitetura e em design industrial, quero que seja mais do que isso. Eu gosto do industrial - consegue ser muito belo para mim -, e gosto muito de criar produtos belos para toda gente. 

E conseguiu, porque a todos apetece comprar pelo menos uma peça nesta coleção. Elas funcionam muito bem juntas e brilham muito bem sozinhas, também. E não têm idade nem género, nem essas limitações todas que os tempos modernos estão finalmente a derrubar, e que a Benetton sempre derrubou.

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Sim, é uma abordagem muito aberta, como um todo. E as frutas, em jacquard ou estampadas, funcionaram como uma espécie de discussão... Eu faço muitas perguntas, como qualquer designer, e depois tenho muitas respostas na cabeça, e gosto de encontrar um meio-termo e observar tudo o que se passa. É uma coleção à volta da saúde e o que é ser-se saudável? O que é a perfeição? O corpo é perfeito, mas existe a comida perfeita? A que é boa e a que não é? É industrial ou não? Até pode ser e ter o maior respeito pela sustentabilidade, porque podes trabalhar ambas as vertentes. E esta ideia tornou-se como que uma obsessão para mim, por isso está por todo o lado nesta coleção, nos estampados, em tudo. Adoro perguntas, porque elas são tão importantes para os designers, e porque elas combatem os preconceitos e trazem-te tantas respostas à cabeça. E esta é a minha primeira temporada, por isso é como que um manifesto.

Foto: United Colors of Benetton

Começa bem, com toda esta frescura e o ADN Benetton...

Gosto muito quando repete a palavra frescura, porque é mesmo isso... (sorri) E há muita cor, toda a gente me fala só da cor, bem sei que a Benetton é muita cor, mas por favor, não é essa apenas a sua mensagem! É claro que não é uma coleção gótica a preto e branco, absolutamente, mas podia ser, e porque não? Conseguia imaginar uma linda coleção Benetton toda em preto.

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Refere a palavra sustentabilidade várias vezes, e sei que 80% dos materiais Benetton são fibras naturais. Tem algum plano na manga para esta área tão urgente na indústria da moda?

Sou completamente novo nesta companhia, e não gosto de gastar muitas palavras, por isso estou a conhecer toda a política da marca por dentro, e muito em breve terei uma resposta para si. Preciso de tempo. Porque a sustentabilidade não pode ser uma palavra de marketing, eu não gosto disso. Gosto de passar uma mensagem clara. Mas posso dizer-lhe, por exemplo, que não gosto de usar pele nas colecções, só a pele ecológica, e é pelos animais que o faço. Eu penso de uma maneira muito diferente. Mas agora preciso do meu tempo para pôr de pé todos os meus projectos. E esta companhia é gigante, é tão grande, com tantas possibilidades infinitas. Eu podia dar-lhe uma resposta bonita sobre o futuro, e temos um grande departamento só dedicado à sustentabilidade que já faz muitas coisas, mas ainda não estou preparado para dar-lhe essa resposta. 

Então, qual foi a primeira coisa que quis fazer quando chegou? Bom, todos crescemos com a Benetton, é uma marca com a qual se desenvolve uma relação emocional...

Sim, conheço a Benetton desde miúdo e, sabe, foi o fit perfeito para mim neste momento da minha vida. Tive muitas experiências nas marcas de luxo, e estou... não é bem cansado, mas eu não sou um designer de moda, sou um designer. E a moda existe, este desfile é moda, mas mais do que a moda, eu gosto de pensar no produto, na sua forma, no seu rosto, nos seus materiais e nos seus detalhes. É essa a minha obsessão. E gosto de criar coisas de que se vai gostar muitas vezes, que se vão usar não apenas durante uma temporada. Isto já é sustentabilidade (sorri). Compras só algumas coisas, mas gosta mesmo delas. Porque de cada vez que produzes qualquer coisa, isso é poluição, se o puderes fazer sem que ela aconteça, melhor. Assim, a minha responsabilidade como designer é com o consumir: deves comprar qualquer coisa, mas senti-la, com tempo. Talvez no futuro faça reedições ou qualquer coisa à volta dos produtos nas lojas, ainda não sei.

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Foto: United Colors of Benetton

Qual foi a sua primeira visão para a Benetton, que quis que fosse clara e inequívoca à sua chegada à marca?

A campanha, que fiz com o Oliviero Toscani. O Toscani é um génio! Fiquei completamente arrebatado por ele, fartei-me de fazer cuts e copies nas minhas pesquisas, ele nos anos 90 fez coisas... ele é um artista belíssimo, incrível. Mas quis que este projeto fosse um novo capítulo, eu não gosto muito de olhar para o passado, para a melancolia. O passado está lá atrás, está feito. E depois é continuar e encontrar uma nova via, é essa a minha vontade.

A campanha é muito bela, para já porque fala de diversidade – uma palavra que a Benetton já usa antes de ser moda, desde os anos 80. Quem não se lembra das United Colors of Benetton, com rostos de todas as cores? Agora o Andrea vai mais longe e diz-nos: you can be everything /podes ser qualquer coisa, o que quiseres.     

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Para mim a diversidade é óbvia, é normal, é tão difícil olhar para o mundo como ele é hoje e continuar a fazer as mesmas coisas sempre. Infelizmente, estamos a viver um momento muito delicado...

... e extremado.

Sim, muito extremado, as pessoas não estão com bons sentimentos, com uma good feeling, e é tão importante ter uma boa relação com a diversidade...

As pessoas têm medo da diferença.

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Sim, a diferença! Reparou no casting? Foi um trabalho muito árduo, mas ficou uau!, estou muito orgulhoso deste casting.

Ter uma modelo de topo como Rianne von Rompaey a abrir foi um golpe de mestre, põe logo a marca noutro patamar.  

Sim, e as crianças, gosto muito de ter posto as crianças a desfilar.

Como diz, já passou por tantas marcas de luxo, todas elas italianas, o Andrea é italiano, acha que ainda faz sentido falarmos num estilo italiano na moda?

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Eu sou um designer italiano, por isso, sim, existe um bom gosto particular, mas hoje é cada vez mais difícil definir o que é o estilo italiano, ou americano ou asiático. Hoje é um melting-pot, se o combinares com uma boa vibe e bom gosto, isso é o estilo italiano. E, por vezes, está num produto icónico como um cardigan. Mas se olharmos para este vestido [de corte muito simples], ele não é italiano, nem americano, ele é universal, é diverso. Eu gosto de decidir qualquer coisa, de encontrar um crush, mas olhando de dentro do produto para fora, entende? Não tens uma lente, é mais uma sensação, e tens cultura também, tens de ter mais cultura. Eu quero muito trabalhar nisso, no futuro, talvez colaborações com artistas, ainda não sei... Tenho-o na cabeça, espero que sim.

É curioso falar de sensações, a primeira parte do desfile é toda em rosas e encarnados, que é como o nosso corpo é por dentro. Foi assim que quis mostrar as suas primeiras peças?

O rosa é uma cor linda, mas nem sei bem porque o lancei primeiro, é uma boa questão... Mas são cores que queremos comer, sim, arrojadas, deliciosas, prazerosas, elas falam de desejo... É capaz de ser isso. Mas, no final, as cores são apenas cores e são muito importantes numa coleção.

E as malhas, são tantas nesta coleção, muito Benetton.

Aaah, as malhas, adoro malhas! Esta marca era a maglieria Benetton desde 1965! E há que nunca esquecer esse facto, por isso quis ter muitas malhas, adoro, adoro, adoro, isso e os acessórios, são sempre os meus primeiros pontos. Não sei, tenho de ver o vídeo para ver como ficaram no desfile (risos).

Há alguma coisa sobre a marca que tenha sentido, e nos queira contar?

A primeira vez que abri a porta da empresa, quando cheguei a Treviso [os headquarters da Benetton, junto a Veneza, onde está o centro criativo da marca, a Fabrica, um admirável exemplar de Arquitetura], é tão incrível!... Fiquei mesmo impressionado. E com a existência de um jovem centro criativo, e a revista Colours! Eu quero juntar tudo isto, trazer todo este projeto como um todo para fazer um revamp, dar uma nova forma. Mas o tempo é o melhor conselheiro quando se quer fazer as coisas bem feitas. Como é importante para a vida: saber esperar, observar, e só depois se sabe e se confia. Essa também é a minha personalidade (risos). Mas estou muito orgulhoso e feliz por esta experiência, agora o tempo vai dar-me respostas para saber cuidar bem deste projeto. 

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