Tupperware: a festa chegou ao fim
Uma crónica quinzenal na qual a jornalista diz coisas sobre o mundo e os que nele habitam que não pode dizer num artigo a sério – se quiser manter o trabalho.
Não há outra forma de olhar para isto. Esta não foi uma boa semana para os retalhistas do vestuário, calçado e afins. Um hebdomadis horribilis, diria a falecida rainha Isabel II. A Shein e a Decathlon chamar-lhe-ão, provavelmente, um inferno de relações públicas. Não chega a ser um inferno de relações púbicas – que, regra geral, inclui análises, antibióticos e enfrentar o olhar julgador de uma enfermeira matrona –, mas é, ainda assim, um inferno considerável, minorado apenas pela certeza de que andamos todos com falta de memória e reduzida capacidade de concentração, e que, portanto, para a semana já ninguém se lembra de nada. Mas aqui estou eu, a garantir que os temas que importam ficam para a posteridade. Sucede, então, que no Reino Unido, uma miúda encomendou umas botas à Shein e, quando a embalagem chegou, vinha lá dentro um escorpião (vivo!). Enquanto isso, em Marrocos, a Decathlon foi dar com um foragido de Alcoentre, com um escorpião tatuado no braço, na garagem de uma das suas lojas. Já toda a gente ouviu falar em Mercúrio retrógrado. Agora, escorpião avançado é uma novidade cujas implicações os astrólogos ainda terão de inventar, perdão, estudar.
Sobre como é que o artrópode do ex-recluso foi parar à Decathlon de Tânger, sabemos quase tudo. Ao que parece, depois de fugir da prisão de Vale de Judeus, Fábio Loureiro decidiu rumar a Marrocos, não tanto por um inopinado desejo de se achar no meio de muçulmanos, para desenjoar, mas porque tinha lá um cúmplice conhecido das autoridades. Se este conhecimento da polícia era do conhecimento dos meliantes é coisa que não se conseguiu apurar, mas que seria relevante para avaliar o nível cognitivo dos dois. Seja como for, sabe-se que Fábio não falava ao telefone com a mulher, com receio de que estivesse a ser alvo de escutas, mas que lhe terá feito chegar mensagem para que se juntasse a ele em Tânger. Em princípio, se a Polícia Judiciária já andava a escutá-la, não devia andar também a segui-la que isso é uma duplicação de recursos também conhecida, no dialecto das avós, como estragação. Sucede que, como a polícia não tem mesmo mais com que se entreter, descobriu os planos de viagem da senhora e foi assim que apanhou os três, presumivelmente, a avaliar a leveza e robustez dos ténis de corrida da Decathlon. Foi uma pena não terem tido tempo de os calçar, ou quem sabe onde estariam agora.
Quem também não teve tempo de calçar as botas, e ainda bem, foi a jovem Sofia Alonso-Mossinger, a estudante da universidade de Bristol, que decidiu testar a qualidade do calçado Shein. Enfim, em princípio foi mais uma questão da quantidade reduzida de libras necessárias para adquirir os calcantes do que, propriamente, da qualidade dos mesmos. Uma pessoa espera encontrar muita coisa numa encomenda oriunda da China, um bichinho com patinhas e um ferrão com veneno capaz de mandar um cavalo ao chão, não é uma delas. Conheço o caso de uma empresa que teve de devolver um carregamento de lâmpadas porque os globos de vidro vinham cheios de bagos de arroz cozido. Ao que parece, os pobres dos trabalhadores da fábrica não tinham pausa para comer e faziam as suas refeições na linha de montagem.
O que me leva à seguinte pergunta: onde raio serão os armazéns desta empresa? Como tenho demasiado tempo livre, desenvolvi uma teoria. Já toda a gente ouviu falar no gigantesco cemitério de roupa enjeitada no deserto de Atacama, no Chile. Parece que a pilha é tão monumental, que é possível vê-la do espaço. Roupa usada, mas também roupa nova, ainda com etiqueta, que foi comprada, devolvida, andou a passear por uns mercados de rua em África, e não tendo agradado a ninguém, vai para aquele aterro a céu aberto. Ora, o flagelo ecológico de uns é a oportunidade de negócio de outros. Cá para mim, a Shein são duas velhotas chinesas, numa tenda, no meio do deserto, a revender aos europeus aquilo que eles compraram em tempos e devolveram. Uma maravilha. É tudo lucro, tirando aquele dia em que as senhoras ficaram sem almoço porque o prato principal se escondeu nas encomendas.
E o pior é que os bichinhos parecem ter uma predilecção pelo clima frio e chuvoso do Reino Unido. De acordo com a BBC, é já a segunda vez este mês que lá chega uma encomenda da Shein com um escorpião. É pena porque tenho em crer que as pequenas criaturas rastejantes e potencialmente letais seriam mais apreciadas no Algarve, onde teriam oportunidade de protagonizar, ao vivo, bonitas pragas de Alvor – "Ah, maldeçoado moço marafado, tomara que a Shein te mande um escorpião numa bota e quanto más corras más te pique!"
A autora escreve segundo as regras do Antigo Acordo.