Comprar afetos como quem compra um electrodoméstico ou um novo vestido? Sim, no Japão. Como se explica o fenómeno das famílias de aluguer, mais popular do que nunca na Ásia Oriental? Fomos investigar.
Voltando ao casamento, para Sofia Aboim é evidente que a procura de felicidade, mesmo que forjada, é uma forma de pressão social: "É a história do ‘felizes para sempre’." Esta socióloga acredita que outra das causas da procura deste serviço seja a solidão e a anulação do "outro". "O que é que leva as pessoas, nas nossas sociedades, a não procurarem relações humanas? Porque é que é mais fácil e prático comprar uma relação com tudo o que isso poderá ter de benéfico e de negativo? Isto demonstra um nível muito acentuado de solidão, mas também de uma aceitação dessa solidão e da noção de quase impossibilidade de relação com outros. As pessoas [alugadas] correspondem à fantasia que a pessoa tem. A pessoa contratada não está a ‘pôr em cima da mesa’ os seus gostos, as suas necessidades afetivas – está simplesmente a teatralizar aquilo que o outro comprou e a corresponder a essa fantasia. Há aqui uma anulação absoluta do outro que deixa de ter personalidade", clarifica. E por referir a anulação da personalidade, veja-se a questão das tão faladas bonecas em silicone, em vinil ou em látex que chegaram ao mercado em 1981 e que hoje são vistas por alguns japoneses como as verdadeiras "substitutas do amor". O diário The Washington Post menciona o caso de Senji Nakajima, um homem de 61 anos que se diz apaixonado pela boneca Saori, uma aquisição que diz ter feito desaparecer o sentimento de solidão em que vivia. No filme Lars e o Verdadeiro Amor (2007), Ryan Gosling dá vida a um homem tímido e com dificuldades em socializar que tem por missão mostrar à família e aos amigos quão importante e real é Bianca, a boneca sexual que comprou. E sim, continuaríamos com mais exemplos. Ainda sobre a solidão, Maria José Núncio conclui: "Há quem goste de viver só, mas a maioria das pessoas não foi feita para estar sozinha. Há todo um ritual de ter companhia quando se chega a casa, alguém que, com o seu afeto, nos proteja e nos ajude a retemperar forças para o dia seguinte."