Maria Grazia Chiuri despede-se da Dior. Um adeus feminista e poético à maison francesa

Após nove anos de uma era marcada por feminismo e reinvenção estética, a Dior assinala o fim de um dos capítulos mais transformadores da sua história recente. O último desfile em Roma serviu como uma despedida emotiva e simbólica, cruzando memória, Arte e Moda num adeus profundamente pessoal.

Maria Grazia Chiuri Foto: Getty Images
29 de maio de 2025 às 14:33 Safiya Ayoob

A notícia por que muitos na indústria da moda esperavam - ou talvez temessem - confirmou-se oficialmente: Maria Grazia Chiuri está de saída da Dior, encerrando um capítulo de nove anos que redefiniu profundamente a identidade da maison francesa. A despedida foi selada com o desfile Dior Cruise 2026, apresentado em Roma no passado dia 27 de maio, num cenário carregado de simbolismo e memória. Mais do que um simples desfile, foi um adeus meticulosamente encenado: íntimo, elegante e profundamente pessoal.

Look do desfile Dior Cruise 2026 Foto: @Dior
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Quando Chiuri foi anunciada como diretora artística da Dior em 2016, tornou-se a primeira mulher a assumir o comando criativo da linha feminina da casa fundada por Monsieur Dior. O peso simbólico desse marco nunca foi negligenciado por Chiuri, que desde o início deixou claro que a sua missão ultrapassava a estética: , lia-se na t-shirt que abriu o seu primeiro desfile (primavera/verão 2017) - uma frase retirada do ensaio da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie que se tornou um marco de uma nova era da Dior.

T-shirt exibida no primeiro desfile de Chiuri na Maison Dior, Semana da Moda Feminina de Paris primavera/verão 2017. Foto: Getty Images

Sob a sua direção, a maison passou de um classicismo elegante para uma proposta mais ideológica, aliando o luxo ao ativismo suave. Foram nove anos a construir um diálogo entre Moda, Arte e feminismo, num compromisso visível em colaborações com artistas como Judy Chicago, Mickalene Thomas e a portuguesa Joana Vasconcelos - retomando, aliás, a tradição do próprio Christian Dior, que começou como galerista.

Foto: @Dior, ©ADRIEN DIRAND, ©RITHIKA MERCHANT, ©CHANAKYA SCHOOL OF CRAF

Os resultados falam por si. De acordo com estimativas do HSBC, a Dior viu as receitas quase a quadruplicarem, passando de €2,2 mil milhões em 2017 para cerca de €8,7 mil milhões em 2024. Sob a alçada de Chiuri, a maison não apenas cresceu em valor financeiro, como também em relevância cultural. As suas colecções tornaram-se espetáculos globais, com desfiles em cidades como Bombaim, Marraquexe, Tóquio, Seul e Atenas, celebrando culturas locais e promovendo o artesanato como parte fundamental da alta-costura - uma ideia que Maria Grazia Chiuri insistiu em tornar radicalmente central.

A designer italiana também foi responsável pela reinterpretação de ícones da marca - do casaco Bar às saias plissadas de tule, passando por novos clássicos como a mala Book Tote ou os sapatos Slingback - elementos que cimentaram o seu estilo autoral e comercialmente bem-sucedido.

Carteira Book Tote da Dior Foto: @Dior

O último desfile de Chiuri não poderia ter sido mais simbólico. Apresentado nos jardins da Villa Albani Torlonia, em Roma, o Dior Cruise 2026 foi uma ode à sua cidade natal. Inspirada pelo conceito de “bella confusione” -  termo que Ennio Flaiano sugeriu para o filme   de Fellini -, a coleção misturou memórias, história, arte e religião numa narrativa visual rica em texturas e símbolos. Havia casacos militares com veludo, vestidos que evocavam casulas litúrgicas, padrões barrocos, coletes masculinos adaptados à feminilidade - uma síntese do seu percurso, tanto pessoal como criativo.

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Esta coleção foi, nas palavras da própria marca, uma “narrativa poética” que reconstrói as personagens, paisagens e mitologias da sua Roma natal - uma despedida sentida, mas também uma carta de amor ao caminho percorrido.

Delphine Arnault, Presidente e Diretora Executiva da Christian Dior Couture, agradeceu calorosamente, num comunicado partilhado, à designer italiana: “Agradeço calorosamente a Maria Grazia Chiuri, que, desde a sua chegada à Dior, realizou um trabalho extraordinário com uma perspetiva feminista inspiradora e uma criatividade excecional, tudo isto inspirado no espírito de Monsieur Dior…”.

A saída de Chiuri insere-se num contexto de A volatilidade criativa tem sido a nova norma: só nos últimos anos vimos trocas sucessivas em casas como Gucci, Givenchy, Balmain, Chloé e Louis Vuitton. A Dior, claro, não escapa a essa dança de cadeiras.

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Neste panorama em mutação, a nomeação de r levantou inevitavelmente especulações: será ele o sucessor natural para a linha feminina? Anderson, que tem construído um legado notável na Loewe com uma abordagem criativa, lúdica e arrojada, representa uma visão estética muito distinta da de Chiuri. Caso seja nomeado, será certamente uma viragem de página com implicações significativas.

Chiuri deixou umas últimas palavras de gratidão, nas redes sociais como no comunicado, afirmando:  “Após nove anos, deixo a Dior, feliz por me ter sido dada esta extraordinária oportunidade… Juntos, escrevemos um capítulo impactante do qual estou imensamente orgulhosa.”

E com razão. Chiuri deixa um legado forte, feito de tecidos e palavras, de silhuetas e mensagens, de ativismo e poesia. A sua Dior foi, acima de tudo, uma Dior com voz. E, num mundo em que a Moda muitas vezes fala alto mas diz pouco, Chiuri disse muito - e de forma bela.

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