10 razões para amar Armani, que nunca fez concessões mas sempre se adaptou ao seu tempo

O mundo da moda chora a perda de um dos seus últimos grandes criadores, que construiu uma das maiores casas, em nome próprio, durante décadas. Um gentleman absoluto que revolucionou o fato italiano conquistando os armários da elite e a passadeira vermelha. Para sempre.

Giorgio Armani com modelos celebra o legado e impacto na moda Foto: AP
08 de setembro de 2025 às 15:50 Patrícia Barnabé

Tal como a dedicação que teve ao trabalho, absoluta, copiosa e sem concessões, também os seus seguidores, de todos os quadrantes, do mundo do espectáculo à alta finança, amaram Il Signor Armani profundamente,. E não é difícil perceber porquê:

1 - Revolucionou a moda discretamente

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“Nunca foi uma decisão consciente revolucionar a moda, mas foi isso que aconteceu”, escreveu na sua biografia, Giorgio Armani, editada num magnífico coffee table, pela Rizzoli. Primeiro libertou os homens, e depois as mulheres, mais enredadas em preconceitos e limitações morais, e foi quem mais beneficiou com esta revolução silenciosa. Armani não só quebrou a rigidez das roupas que se usaram até ao anos 70 do século XX, como “sugeriu novas atitudes”, escreveu. Começou por mudar o padrão masculino com uma abordagem mais suave à alfaiataria tradicional, repensou o fato masculino e, com ele, todos os estereótipos. Basta recordar a sensualidade de um Richard Gere, em American Gigolo, de 1980, vestido em Armani. Com as mulheres, o efeito foi ainda mais consequente e duradouro, encantando com uma elegância clássica e sem tempo, que ainda hoje se destaca nas passadeiras vermelhas. Um experimentalismo evidente dos seus anos mais jovens, que abriu caminho aos que começaram a desenhar roupa nos anos 80 e 90. E fez tudo à sua maneira, firme e sempre discreto.

Armani revoluciona fato italiano e conquista a elite Foto: DR

2 - Conhecia bem o corpo humano e sensualizou-o sem nudez

Chegou a estudar para ser médico, na universidade de Milão, ideia que depois abandonou, mas nunca perdeu o amor ao detalhe e o entendimento profundo do corpo humano e de como este se move. Foi a partir desta ideia que desenhou todas as suas roupas, que permitiam movimentos fluídos e confortáveis, numa década, anos 80, onde não só se vestia o contrário, como a carreira e a vida de escritório se tornaram sinal de status, cosmopolitismo, e afirmação de auto-estima. Foi o tempo da lycra e do poliéster, mas também dos yuppies. Giorgio Armani acompanhou-o com o um inabalável sentido de liberdade como sinónimo de elegância que espalhou pelo planeta moda de forma irrevogável. Ao contrário de muitos dos seus colegas designers, ainda mais os italianos com a sua ancestral apetência pela pele, ele preferiu a sensorialidade dos materiais e a sensualidade de cortes, o que se insinua, sem nunca precisar de exibição ou de aproximar-se, nem sequer vagamente, de qualquer tipo de vulgaridade.

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Giorgio Armani revolucionou o fato italiano e conquistou a elite Foto: Getty Images

3 - Vestiu as mulheres de fato e empoderou-as

Se Yves Saint Laurent, em Paris, vestiu as suas mulheres, muito esguias, em smokings justos e negros, com um fatalismo misterioso, sexy e dramático, Giorgio Armani suavizou esta mensagem, tornando-a mais tranversal e, por isso, universal. Vestiu todo o tipo de corpos femininos, com fatos que pareciam escorregar pelo corpo sem perder a estrutura e o poder a que se propuseram. Por isso, tal como o mago francês, o trabalho de Armani sempre foi reconhecível num primeiro olhar. Ele deu o poder, a atitude e a sensualidade que as mulheres sempre procuraram na moda, mas pensando mais no que elas poderiam gostar e menos no que elas deveriam gostar. A visão do feminino em Armani sempre foi uma consequência do seu amor ao longo prazo, sem precisar de assertividade desafiadora ou de ser o centro das atenções. A mulher Armani constrói uma sólida imagem de bom gosto que perdura no tempo, na procura inconsciente de uma certa eternidade. Basta recordar os grandes ombros de Grace Jones, nas fotografias que Jean Paul Goude lhe tirou, em 1981, num blazer preto. É assim que muitos de nós a imaginamos até hoje.

Giorgio Armani revolucionou a moda e conquistou a elite e a passadeira vermelha Foto: Jean Paul Goude

4 - Tornou a moda acessível a todos

Um das suas grandes revoluções foi a democratização. Muito antes de a internet a apregoar como bandeira, já Giorgio Armani, em 1981, abria a sua primeira loja Emporio Armani na via Durini, mesmo em frente ao seu escritório, em Milão, cheia de roupa casual e pares de jeans. Cosmopolitismo a preços acessíveis, que chocou muita gente, inclusive a sua equipa de marketing que julgou que se estaria a vulgarizar, a dar “uma estucada na minha imagem”, recorda, “o designer da power woman e do new man a fazer coisas para o average Joe? Que infortúnio.” O próprio admitiu ter criado “uma forma de democracia sem precedentes, olhando para o mundo dos mais jovens e dos que amam a moda, mas não conseguem pagar alta-costura. Esta decisão chocou quase toda a gente, mas veio a provar ser um sucesso duradouro”, escreveu na sua biografia. Não só nunca deixou de criar linhas mais acessíveis, como mais tarde a Armani Exchange, linhas de loungewear e desportivas, e foi dos primeiros a perceber a força simbólica dos acessórios, óculos, cintos, lenços, e ainda mais dos perfumes, no luxo que pode ser usado por todos.

Giorgio Armani cria esboços de moda em Milão Foto: Getty Images

5 - Cedo percebeu a importância das peças desportivas

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Além de ser o designer de moda italiano com mais sucesso de sempre, é claro que tinha visão e um excelente olho para o negócio. Nesta senda da democratização, Giorgio Armani também foi um filho dos anos 80, a grande década do sportswear usado com lantejoulas. As pessoas queriam estar lindas, mas confortáveis para bater a cidade a pé ou dançar horas esquecidas na pista. Ele priorizava o conforto e um estilo relaxado, airoso, que não demorava muito tempo a preparar. Armani vestiu a equipa do Liverpool para a FA Cup de 1996, mas antes disso já cobiçávamos as t-shirts, os polos, os jeans e os ténis Armani, que ficavam meio caminho entre o mundo sério do trabalho e o mundo relaxado dos tempos livres. As novas gerações, nos anos seguintes, abraçaram o seu logo como um sinal de confiança e qualidade que nunca desvaneceu, mesmo quando as cópias chinesas se multiplicaram pelas feiras de todo o mundo.

Equipa do Liverpool veste Armani na final da FA Cup de 1996 Foto: Getty Images

6 - Criou as primeiras linhas de casa

Armani também nunca se limitou a um único campo ou disciplina. Muitos anos antes da figura do diretor criativo tomar conta das grandes casas de moda, já Giorgio Armani era o maestro da sua estética que começou na moda e se desdobrou em várias áreas, do dito sportswear, à indústria da beleza e da cosmética, ao lifestyle. Se uma boa parte dos designers de moda hoje se refugiam nos interiores para fugir à banalidade, ele foi dos primeiros a perceber que a moda não pode existir isoladamente, mas faz parte de um estilo de vida, de uma aura. Assim, foi dos primeiros designers a lançar uma linha para a casa, a Armani Casa, em 1980. Assim como foi dos primeiros a inaugurar projectos de hospitalidade, hotéis de topo em vários partes do mundo, e a dar o salto para o imobiliário de luxo. Foi percursor até, de pequenos detalhes como os incensos e as grandes velas aromáticas a rodearem grandes sofás e camas XL. Para ele, a moda sempre foi tudo o que se vive, hoje ninguém duvida.

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Giorgio Armani cozinha rodeado de ingredientes frescos e utensílios Foto: Getty Images

7 - Enraizou o minimalismo na estética do Ocidente

O seu amor às cores da Natureza e às texturas orgânicas, que envolvem e se fundem com a pele, assim como aos negros profundos e a todas as declinações do azul noite, que sempre amou; o seu amor a cortes fluídos e soltos, a linhas airosas e flutuantes, mas puras e direitas, sem grandes padrões, efeitos, recortes, folhos ou animação, fizeram dele uma espécie de representante do Oriente no Ocidente. Se os anos 90 lançaram os designers japoneses para o mainstream, para ele o purismo era o princípio de tudo, uma espécie de verdade absoluta porque real, presente aos sentidos, e nunca datado. Depois de Giorgio Armani, muitas foram as marcas que trilharam o seu caminho pela via da sobriedade, uma espécie de aura zen que procuramos hoje, cada vez mais, num mundo impiedosamente rápido e que nos atropela.

Giorgio Armani e modelos celebram o trabalho do designer Foto: Getty Images

8 - Reinventou a passadeira vermelha e relaxou Hollywood

Se a moda também é a feira das vaidades, Armani soube comparecer sempre, trazendo mesmo uma certa coolness e despreocupação ao espetáculo da passadeira vermelha. As suas musas, de Julianne Moore a Beyoncé, Jodie Foster, Cate Blanchett e Renée Zellweger, são talentos firmados que sabem poder desfilar no firmamento durante muito tempo. Mesmo em palco, a Queen Bey vestiu um maillot Armani Privé preto e branco, na tour de 2008. Como alguém escreveu, Armani é sinónimo de elegância para vencedores, e são muitas as estrelas que vestiram Armani para receber as suas estatuetas douradas. Benicio del Toro recebeu o Óscar de Melhor Ator Secundário num Armani, em 2001, ou Viola Davies recebeu o Óscar de Melhor Atriz Secundária, em 2007, num Armani vermelho vivo. Di Caprio está quase sempre num fato Armani. E em 2008 Armani foi o presidente honorário da Met Gala, apareceu ladeado por George Clooney e Julia Roberts. São muitos os seus seguidores, de Sophia Loren a Lee Radziwill, de Lauren Hutton a Isabelle Huppert, de Glenn Close a Sharon Stone, de Hillary Swank a Anne Hathaway ou Rosamund Pike. Desenhou o vestido com que Katie Holmes se casou com Tom Cruise, em 2006, e ela continuou a vesti-lo para as festas. A sua sprezzatura traduziu-se sem esforço em Hollywood, essa capacidade italiana de fazer tudo parecer mais fácil e indiferente, mesmo quando são situações difíceis. Sempre teve um grande sentido de ocasião.

SI by Giorgio Armani

9 - Estreou-se na Alta-Costura aos 70 anos

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Não é para todos. Se se aventurou em áreas novas, e com futuro, muito antes da maioria, só aos 70 anos de idade é que começou a jogar o jogo da Alta-Costura, já que sempre gostou de rigor e alta sofisticação. A sua Armani Privé foi lançada em 2005 e nunca vacilou. “Se cheguei tão longe”, disse em entrevista quando desfilou a sua 40ª coleção de couture, "foi graças ao foco férreo e à atenção obsessiva que dedico a tudo.”

Modelo desfila Armani Privé, sinónimo de elegância e sofisticação Foto: Getty Images

10 - Nunca vendeu o nome, nem a independência

Além de ser um trabalhador atento e incansável, que acompanhou as suas equipas até aos últimos dias, uma das razões por que os fashionistas amam Giorgio Armani é por ele nunca ter feito concessões de nenhum tipo. Ao mesmo tempo que sempre se adaptou ao seu tempo. Desenhou uma moda reconhecível, sem ser banal, nunca se guiou por modas ou tendências, mas manteve-se sempre amado, relevante, aplaudido e presente nos grandes momentos. Também nunca passou a direção da sua casa a outros, em nome do mercado ou do lucro. Nem se desviou da sua visão e vontade. Dava importância à sofisticação em tudo, à consistência, às coisas bem feitas, pensadas a fundo e com tempo e conhecimento. Até nas viagens de imprensa, priorizava os jornalistas de moda, nunca os misturando com os influencers, até porque se estava nas tintas para o hype. Só os maiores.

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Giorgio Armani surge com modelos na apresentação da nova coleção Foto: Getty Images
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