Luís Carvalho: "Gosto quando a 'minha' roupa conta a história de quem a veste."
Conhecido pela sua abordagem conceptual e atenção à intuição no design, tem vindo a desafiar a moda autoral a sair do editorial e a ganhar vida no dia-a-dia das pessoas. A sua colaboração com o estúdio Layers na coleção Rush Hour reflete esta filosofia: criar peças que resistem ao tempo e ao caos, sem perderem personalidade.
Modelo veste criação listada de Luís Carvalho
Foto: Luis Fonseca17 de dezembro de 2025 às 15:00 Patrícia Domingues
Luís Carvalho é aquele designer português que consegue fazer a moda pensar, respirar e até dançar. Ao longo da carreira, transformou ideias complexas em peças onde forma, volume e identidade convivem com intuição e surpresa. Não é por acaso que o seu desfile na ModaLisboa tem sempre mais público do que lugares e que a sua lista de fãs inclui nomes tão dispares como Catarina Maia, Isabela Valadeiro, Luis Borges e Cláudia Vieira. O seu trabalho é sofisticado, sem ser sisudo. É autoral, sem ser austero. Artístico e quotidiano.
Na coleção para este inverno, Rush Hour, alia introspeção e intuição, criando peças que respiram e resistem ao tempo. Para esta sessão, a sua visão encontrou o olhar do Layers, o estúdio de styling sustentável que reinterpretou o seu universo com combinações inesperadas, num verdadeiro exercício de deslocação que só acontece quando temos coragem para desviar a nossa rota (e uma de sucesso é sempre mais difícil) da zona de conforto.
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Entre a intuição do design e a tradução das peças para o agora, esta colaboração demonstra como a moda autoral pode dialogar com o público real, tornando o vestuário um espaço de expressão e narrativa pessoal que não está confinado à passerelle.
Luís Carvalho desafia a moda e cria peças intemporais para o dia a dia
Foto: DR
Como surgiu a colaboração com o estúdio Layers? Foi uma escolha natural ou procuravas deliberadamente uma rutura estética?
Surgiu de forma muito orgânica. Já acompanhava o trabalho do Layers e tinha a curiosidade em perceber como a coleção podia ganhar novas leituras sem perder identidade. Não foi tanto uma rutura estética, mas sim um exercício de deslocação: pegar no meu universo e colocá-lo noutro contexto, noutra geração, noutro ritmo.
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Qual a tua opinião sobre o resultado deste trabalho? O que há no seu trabalho que te identifiques e que estranhes? Achas que o styling pode funcionar como tradução entre o teu universo conceptual e o público mainstream?
Fiquei muito satisfeito com o resultado. Ao mesmo tempo, estranhei positivamente algumas combinações mais espontâneas, menos controladas do que aquilo a que estou habituado no meu processo. Senti com o styling do Layers mostra que as minhas peças não existem apenas num contexto editorial ou de passerelle, mas ganham sentido real noutros contextos.
O nome desta coleção é Rush Hour. Num mundo que vive permanentemente em alvoroço, qual achas que é hoje o verdadeiro papel da moda: acompanhar esse ritmo ou contrariá-lo?
Acho que a moda vive nessa tensão. Por um lado, reflete inevitavelmente o ritmo do mundo... Por outro, pode, e deve, criar momentos de pausa, de consciência. Rush Hour nasce dessa observação do caos urbano, mas também da necessidade de o decantar, de o organizar em forma, textura e intenção.
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Foto: Luis Fonseca1 de 3 /Luís Carvalho desafia a moda autoral com peças que resistem ao tempo
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Foto: Luis Fonseca2 de 3 /Luís Carvalho desafia a moda autoral com peças que resistem ao tempo
Foto: Luis Fonseca3 de 3 /Luís Carvalho cria peças atemporais, com atenção à intuição e personalidade
A coleção fala sobre ritmo acelerado. O processo de desenhar esta coleção também foi apressado, ou foi um contraponto ao tema?
Foi mais um contraponto. O tema pode ser frenético, mas o processo foi bastante introspectivo. Precisava de tempo para observar, absorver e traduzir esse ritmo acelerado de forma coerente. A criação da coleção acabou por ser um espaço de desaceleração e de controlo.
Achas que a velocidade com que tudo muda hoje ameaça a longevidade das peças e das ideias? Ou obriga os criadores a serem mais rigorosos?
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Acho que faz as duas coisas. Existe o risco da superficialidade e do descarte rápido, mas também obriga os criadores a serem mais precisos, mais responsáveis nas escolhas. Para mim, a longevidade passa por criar peças que resistam ao tempo não só materialmente, mas conceptualmente.
Muitas vezes falas de intuição no processo de design: como se manifesta essa intuição numa coleção com um tema tão urbano e frenético? A aceleração do quotidiano mudou a forma como desenhamos, consumimos e percebemos a moda?
A intuição manifesta-se sobretudo na edição, no que fica e no que sai. Mesmo num tema urbano e acelerado, há decisões muito silenciosas, quase instintivas, sobre proporção, volume, detalhe. Sem dúvida que a aceleração mudou tudo: desenhamos mais conscientes do contexto, o consumo é mais imediato e a perceção da moda é muito mais fragmentada. Isso obriga-nos a comunicar de forma mais clara, sem perder profundidade.
Foto: Luis Fonseca1 de 3 /Luís Carvalho desafia a moda autoral e cria peças que resistem ao tempo
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Foto: Luis Fonseca2 de 3 /Luís Carvalho desafia a moda autoral com peças que resistem ao tempo e ao caos
Foto: Luis Fonseca3 de 3 /Luís Carvalho apresenta coleção Rush Hour, com peças intemporais
Em Portugal, a moda autoral é vista quase como “para a passerelle” - sentes que há resistência em arriscar? O que achas que ainda falta para que o público se aproprie destas peças no dia-a-dia?
Ainda existe alguma distância, sim. Muitas vezes falta contexto e proximidade. Projetos como este com o Layers ajudam precisamente a quebrar essa ideia de que a moda autoral é inacessível. Quando as pessoas se veem refletidas nas peças, quando percebem que podem adaptá-las ao seu dia-a-dia, a resistência diminui.
O que te entusiasma mais na forma como as pessoas reais reinterpretam as tuas peças fora do editorial?
O que mais valorizo no estilo de uma pessoa é a identidade/personalidade, por isso mesmo, o que me entusiasma é perceber como as pessoas vão adaptar as minhas peças à sua essência e vê-las ganharem vida própria. Quer seja a misturar um casaco meu com jeans antigos, ténis, ou peças herdadas; que dobram, sobrepõem, usam de forma inesperada. Gosto quando a roupa deixa de ser “minha” e passa a contar a história de quem a veste.
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Quando pensas no futuro da moda portuguesa, imaginas um movimento mais acelerado, mais lento, ou algo intermédio? E onde te vês?
Imagino algo intermédio... um movimento mais consciente do seu tempo, mas menos refém da urgência. Vejo a moda portuguesa a afirmar-se pela identidade, pela qualidade e pela reflexão. Vejo-me a continuar a trabalhar nesse espaço: a observar, a questionar e a criar com tempo.
Foto: Luis Fonseca1 de 3 /Luís Carvalho desafia a moda autoral com peças que resistem ao tempo
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Foto: Luis Fonseca2 de 3 /Luís Carvalho desafia a moda com peças que resistem ao tempo e ao caos
Foto: Luis Fonseca3 de 3 /Luís Carvalho desafia a moda com peças que resistem ao tempo e ganham vida no dia-a-dia
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