Ser mãe debaixo de terra. Descida às maternidades improvisadas da Ucrânia

Só no primeiro mês de guerra nasceram mais de 15 mil bebés. Muitas mulheres foram mães em sombrios e irrespiráveis abrigos subterrâneos. Fomos ver como se sobrevive no 'bunker' da maternidade de Zhytomyr.

Gracinha Viterbo
12 de abril de 2022 às 17:07 Máxima

Maria Kucherenko ainda não sabe bem o que dirá ao filho, daqui a uns anos, sobre o seu nascimento no 'bunker' da maternidade de Zhytomyr, ao som das sirenes de ataque aéreo russo. "Quando ele tiver idade para perceber o que passámos espero que a Ucrânia já esteja em paz", profetiza a jovem mãe. Para já, o fim da guerra ainda parece ser uma miragem.

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São duas da tarde e o movimento é calmo na zona mais segura – mas também mais sombria – da maternidade de Zhytomyr, construída com fundos dos EUA nesta cidade localizada 150 quilómetros a oeste de Kiev, a capital ucraniana. Cartazes improvisados, onde se lê a palavra "abrigo", guiam-nos até debaixo de terra. É certo que aqui será o lugar mais seguro do hospital, mas nem por isso a proteção é totalmente garantida. As imediações da maternidade têm sofrido violentos ataques russos que deixaram o edifício praticamente sem vidros nas janelas.

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No subsolo, há funcionárias atentas e futuras mães em diagnósticos sem privacidade. As camas espalhadas aqui e ali, as luzes de presença que se dissipam nas tubagens do teto e as paredes de tinta descascada dão um ar lúgubre ao abrigo. Nadia Morozova também foi mãe e partilha um improvisado quarto com Maria Kucherenko. O calor torna o ar irrespirável para as duas mulheres e para os recém-nascidos. "É muito difícil viver aqui, mas tenho medo de estar noutro lugar. Já não posso ouvir o som das sirenes", queixa-se Nadia.

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Os filhos das duas mulheres fazem parte dos mais de 15 mil bebés nascidos na Ucrânia só no primeiro mês da invasão russa. Os dados foram revelados pela primeira-dama ucraniana, Olena Zelenska, que dá conta de outras necessidades do sistema de saúde do país em tempo de guerra. "Muitos dos nossos bebés precisam de cuidados ininterruptos 24 horas" o que se torna uma missão impossível "quando o inimigo destrói metodicamente hospitais e danifica as redes elétricas", diz Zelenska que dá ainda conta da ajuda, nomeadamente francesa, no fornecimento de incubadoras autónomas em termos de energia.

Na maternidade Isida, uma unidade de saúde privada de Kiev, a vida também desperta debaixo de terra. "Neste momento temos aqui dois bebés em permanência. Só sobem ao segundo andar para diagnósticos que não podemos fazer no abrigo", explica a pediatra Olena Khylobok.

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A circunstância de se tratar de uma moderna maternidade privada garante às mães uma dose reforçada de conforto. "Tentamos minimizar os efeitos de estarem a viver num abrigo, mas nem sempre é fácil", reconhece Olena.

Já os dramas vividos pelas mulheres que foram mães em tempo de guerra não diferem muito de Kiev para Zhytomyr. "Muitas destas pessoas sentiram-se muito inseguras e traumatizadas em casa quando começaram os bombardeamentos", nota Ikachenko Oksana. "Algumas até podiam ter ponderado sair para zonas mais seguras, mas o estado de gravidez muitas vezes desaconselhava uma viagem incerta. A maioria não teve alternativa a ficar", acrescenta a médica.

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