Meryl Streep rocks!
Há muito que o seu estatuto de estrela mais brilhante está garantido. Mas quando achávamos que já tinha feito tudo, ela surpreende com mais um papel arrojado. Meryl Streep volta a (en)cantar.

Hollywood pode ser cruel com as atrizes à medida que estas envelhecem, mas a indústria foi amável com Meryl Streep, de 66 anos. Inconfundível, insuperável e versátil. Assim podemos descrever aquela que é considerada uma das mais respeitadas e talentosas figuras do cinema de todos os tempos. Dificilmente outra atriz conseguirá ganhar tantos prémios, ter tantas críticas positivas a seu respeito e o mesmo número de indicações ao Óscar. Neste campo, Streep é recordista (com 19 nomeações), tendo vencido três estatuetas douradas nas categorias de representação (Melhor Atriz com A Escolha de Sofia e A Dama de Ferro, e Melhor Atriz Secundária com Kramer Contra Kramer). Agora, os críticos acreditam que poderá chegar à 20.ª indicação: dois filmes colocam-na numa posição favorável na disputa pelo cobiçado prémio da Academia. As Sufragistas, sobre a luta do movimento feminino no início do século XX e em que interpretará a líder das manifestantes, Emmeline Pankhurst, deverá estrear em Portugal no final deste ano. Antes disso, a 3 de setembro, a atriz surgirá no grande ecrã com um visual mais radical para viver uma estrela de rock em decadência que regressa a casa para se redimir dos erros do passado. Em Ricki e os Flash, podemos esperar muitas atuações musicais e momentos divertidos entre a protagonista e o resto do elenco, do qual faz parte Mamie Gummer, filha de Meryl Streep na ficção e na vida real.
Curiosamente, a personagem Ricki não tem grande sucesso como estrela de rock…
Sem dúvida. O facto de a minha personagem ser supostamente medíocre é mais desculpável. Apaixonei-me logo pelo guião deste filme. Sentei-me numa cadeira a lê-lo e fez-me rir. Era muito "sentido" e tocante, com altos e baixos. Transmitiu-me uma sensação de honestidade e era divertido.
Alguma vez acalentou o sonho de ser uma estrela de rock quando era jovem?
Não, nunca. Quando andava no liceu, cantei com uma banda algumas vezes em festas de associações de agricultores, mas não tinha ilusões. Tocávamos Motown e éramos bem recebidos pelas pessoas – por todas as 13 que lá estavam! Portanto, sim, tive um bocadinho da experiência da Ricki nessa área.
Já tinha trabalhado com o realizador Jonathan Demme antes, em O Enviado da Manchúria…
Trabalhámos juntos nesse filme há mais de dez anos e foi uma experiência muito diferente. Tratava-se de um remake extremamente estilizado de um filme famoso. A minha personagem era bastante simples, enquanto vilã, e não despertava interesse pelas suas diferentes dimensões. Tem pura e simplesmente a maldade de Iago. Mas este filme tinha mais camadas e foi muito mais interessante abordá-lo. Estávamos à vontade para o inventar, não tinha nada a ver com outros materiais.
E Demme tem uma profunda ligação com a música. O seu filme sobre os Talking Heads, Stop Making Sense, é seminal…
Ele fez coisas notáveis com o Neil Young e com os Talking Heads, esse é um filme fantástico. É a praia dele: adora música, e eu também. Rick Springfield talvez tenha sido o maior dom que este filme teve, bem como todos os elementos da banda, Rick Rosas [baixo] e o nosso baterista, Joe Vitale. Já tinha ouvido falar de Bernie Worrell [teclista] e conhecia o Rick, claro. Infelizmente, o Rick Rosas faleceu depois de rodarmos o filme, e dedicámo-lo a ele. Foi particularmente generoso comigo. Tocava com o Neil Young há 30 anos e veio diretamente da digressão do Neil para os nossos ensaios. E eu comecei do zero, não sabia nada de nada. Tivemos duas semanas para ensaiar e isso não é tempo nenhum.
Rick e a banda foram pacientes consigo?
Ah, sim! Estava apaixonada por eles. Tenho a certeza de que foi muito chato porque estava sempre a pedir-lhes desculpa, mas tiveram muita paciência comigo. Mas houve um momento, passado aí uma semana depois de começarmos, em que começámos a soar como uma banda. É como o que as pessoas dizem do golfe: conseguimos uma boa tacada e depois é sempre a andar.
Deve ter sido muito bom trabalhar novamente com o Kevin Kline e com a sua filha Mamie...
O Kevin é espetacular e, de facto, um grande, grande ator. Conheço-o há muitos anos e fizemos muita coisa juntos no cinema e no teatro. Já o viu em palco? É fabuloso. Além disso, também é um músico deveras talentoso e adoro trabalhar com ele. Veio ter comigo no primeiro dia em que tocámos no clube e disse: "O som não está mau." E eu pensei: "Obrigada!" Foi um grande elogio. O que ele queria dizer era que o nosso som era bom. Pelo menos, foi assim que eu interpretei aquelas palavras, como um elogio! E sim, consegui trabalhar também com a minha filha Mamie e foi excelente. Adorei fazer as cenas com ela e acho que é fantástica.
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Quem escolheu as músicas para o filme?
Eu escolhi a faixa do Bruce Springsteen. Eles andavam à procura de uma espécie de hino para aquela última canção do casamento, de música original. O Jonathan contactou uma série de autores, mas nada. Foi então que ouvi esta canção, um dia, ao vir trabalhar, no Canal Bruce Springsteen! Temos um canal dedicado ao Bruce na rádio por satélite, e quando ouvi esta canção pensei que era a nossa história, a nossa narrativa. Toquei-a ao Jonathan e pronto.
E o resto das músicas?
Tentámos encontrar coisas do tipo que as bandas cover tocam. Fomos a alguns bons concertos no vale de San Fernando e ouvimos bandas ao vivo. Estas bandas tocam o que as pessoas querem ouvir e, nestes sítios, o público é constituído por uma mistura muito interessante. Há pessoas de 70 anos, hipsters que também estão ali, ironicamente, e toda a gente dança e se diverte à grande. E a música é rock’n’roll genuíno, que desapareceu um bocado agora que tudo se tornou mainstream. É bom voltar a ouvir essa música mais antiga e tocá-la também.
Já sabia tocar guitarra?
Sabia fazer um acorde de ré no liceu, ré, sol, mi e lá. Não é preciso mais nada! Não, tive de aprender acordes de barra – esses é que é – e blues, tudo isso. Tocámos coisas do Edgar Winter e grandes músicas. Gosto muito do Bruce Springsteen. Tivemos muita sorte em conseguir essa canção. O Bruce não cede as suas canções muitas vezes, foi fantástico deixar-nos utilizá-la.
Durante quanto tempo praticou a guitarra antes de começarem os ensaios?
Três meses. Comecei a aprender a tocar guitarra acústica com um professor em Nova Iorque, Larry Saltzman, e depois passei para a guitarra elétrica, cerca de um mês e quatro lições depois. A seguir trabalhei praticamente todos os dias com Neil Citron, que é um professor de guitarra genial e músico de estúdio de Los Angeles, um daqueles tipos dos bons velhos tempos de Laurel Canyon. Ensinou-me uma série de pequenos truques que os roqueiros utilizam, transições rápidas e coisas assim.
Achou mais fácil a guitarra elétrica, com o braço mais fino?
Na guitarra elétrica é mais fácil fazer os acordes, mas as falhas são muito mais audíveis. Numa guitarra acústica, passam despercebidas; numa elétrica, temos de trabalhar muito as notas erradas porque se ouvem a quilómetros! Mas foi muito giro. Nunca tinha pegado numa sequer e adorei. Apaixonei-me pela ideia de tocar numa Rickenbacker porque gostava muito do John Lennon. Queria tocar numa, mas tinha decibéis a mais para uma guitarra-base. Depois experimentei uma Stratocaster e acabei por escolher a Telecaster 1968 Blues. Adoro esta guitarra.
Ficou com ela?
Fiquei, mas não tenho tocado porque estou a rodar um filme sobre ópera. Ocorreu-me que eles podiam pedir-me para tocar alguma coisa para promover Ricki e os Flash, mas há sete meses que não toco guitarra elétrica porque, como disse, estou a fazer um filme sobre Florence Foster Jenkins. E quando não se toca todos os dias, não se pode pegar num instrumento e tocar como se soubéssemos.
Deve ser interessante fazer esse filme sobre ópera e experimentar um tipo de canto diferente?
Ah sim, é. A Florence Foster Jenkins é fascinante. Gostava de saber quem disse que o verdadeiro artista é o amador, que pratica a sua arte não pela fama ou pelo dinheiro mas por amor. É isso que Florence foi, uma verdadeira amadora. Foi muito generosa para com instituições musicais da cidade de Nova Iorque, deu-lhes muito, muito dinheiro para as apoiar. E, tal como muitas pessoas que apoiam as artes, acalentava o sonho secreto de ser artista.
